Opinião

Shot in the foot, mas pode chamar de tiro no pé

Todos os anos, uma montanha de dinheiro é despejada no mercado pelas empresas a fim de reforçar os “valores” das marcas. Os grandes players do setor de consumo investem pesado para se posicionarem sobre temas sociais – entre eles racismo, diversidade e gênero. Assim, acreditam, atendem à crescente parcela da sociedade que exige posicionamentos claros e transparentes na sua relação com as marcas.

Segundo pesquisa realizada pela Edelman Earned Brand, pouco mais de 60% dos brasileiros consomem ou boicotam marcas com base em como elas se posicionam em relação a uma questão relevante.

Ainda segundo a pesquisa, dentre os que compram por convicção no Brasil, “72% consumiram uma marca pela primeira vez por causa de seu posicionamento em relação a uma questão controversa, enquanto 67% não consumirá uma marca se ela se omitir sobre algo que acreditem ter a obrigação de abordar”.

Em geral, os eventos que se propõem a oferecer “experiências de marca” devem estar alinhados às diretrizes filosóficas da empresa, caso contrário elas pulam fora.

Mas é fácil escorregar nessa seara. É o caso, por exemplo, da Coca Cola, C&A, Lojas Americanas, Avon e Amstel, patrocinadores do reality BBB21, da Rede Globo de Televisão. Coca Cola e Avon, por exemplo, estão entre as 10 marcas mais lembradas pela diversidade em propaganda, segundo pesquisa Oldiversity, estudo que avalia como as empresas estão lidando com a longevidade e a diversidade de orientação sexual, gênero, etc.

A ânsia por participarem de um programa de grande projeção nacional tirou do radar desses patrocinadores uma análise mais criteriosa de prós e contras em colar suas imagens a temas tão sensíveis, complexos e ainda imaturos na sociedade brasileira, num ambiente onde elas (as marcas) não têm nenhum controle.

Uma boa aplicação da velha e ainda eficiente análise swot teria apontado mais riscos do que oportunidades.

Para alegria e glória da direção do programa, esta edição fez eclodir todos os conceitos e preconceitos que a sociedade contemporânea rejeita. O resultado é que recordes de audiência têm sido batidos reiteradamente nas primeiras semanas de exibição.

Cenas de racismo, assédio moral e sexual e violência verbal foram expostas em nível nacional, para quem se dispusesse a assisti-las.E as marcas estavam lá, chancelando tudo, porque quem apoia consente.

Ainda que o formato do programa seja conduzido para gerar conflitos, essa edição agregou o mérito — ou demérito? — de derrubar as máscaras dos discursos vazios, minuciosamente construídos apenas e tão somente para ganhar seguidores e, claro, faturar um bom dinheiro com isso.

Palavras de ordem e expressões mimetizadas pela militância virulenta são fartamente utilizadas no programa para marcar posições que, imediatamente após, são substituídas pelo mais legítimo racismo, assédio e suas variantes, além de uma carga de violência verbal – atitudes absolutamente contrárias ao que pregam as marcas que patrocinam o programa e os próprios participantes que as utilizam.

Os patrocinadores do BBB21 atrelaram suas tábuas de missão, visão e valores ao que há de pior na sociedade contemporânea: faça o que eu digo mas não faça o que eu faço.

Ao manterem o patrocínio, as empresas garantem a permanência da grande vilã – karol Conká – no programa, disseminando exatamente aquilo que dizem combater, pois ela garante audiência e trend topics no Tweeter, cada vez que ela (a vilã) transgride os próprios códigos sociais que tanto propala.

Ainda não vieram à tona, pelo menos oficialmente, os bastidores que compõem as reações dos patrocinadores do programa. Mas pelo menos um – a cerveja Amstel, que compõe o portfólio da Heineken do Brasil – se posicionou publicamente. A diretora de marketing mainstream, Vanessa Brandão, deixou clara sua insatisfação com a condução da linha do programa. Informou ao site UOL que, “em consequência do que viu na televisão e nas redes sociais, a empresa decidiu rever a sua estratégia de marketing para o programa”. Ponto para Brandão.

Diante de tudo que vem acontecendo no programa, a grande vítima da semana não será nenhum dos eliminados, mas a Coca Cola, que se viu enredada numa grotesca manipulação para manter a vilã no programa. Ao término de uma prova onde a marca mais prestigiada de refrigerante foi a estrela, os consumidores tomaram as redes sociais em protesto, exibindo sua concorrente Pepsi na grande maioria das manifestações. Nos jargões da propaganda ainda não consta o termo em inglês para tiro-no-pé, e os executivos dessas marcas não têm absolutamente nada a comemorar. Que tal shot in the foot?

Silvana Destro

Silvana Destro é jornalista, voltada à comunicação corporativa há quase três décadas, atualmente com forte atuação em gerenciamento de crises de imagem e reputação. Mãe do Pedro, do João e avó de Maria Clara.

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