Economia

Verdades desagradáveis

Este é daqueles posts que trazem verdades desagradáveis, mas alguém precisa dizê-las e sofrer as consequências, então eu me voluntario.

Reportagem de ontem no Brazil Journal traz um estudo de pesquisadores de Yale, do hospital King’s College e da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), em que avaliam que o Ozempic, a nova droga mágica do emagrecimento, poderia ser vendida por US$ 0,89 “com lucro”. Mas é vendida por US$ 95 no Brasil, US$ 115 na África do Sul, US$ 230 na Letônia e US$ 353 nos EUA, o que representa um lucro adicional de 39.562% sobre um hipotético genérico equivalente. Sim, esse percentual está assim mesmo, com essa precisão, no comunicado à imprensa do MSF.

Ontem tivemos o prazer de ouvir o nosso ministro do Trabalho ensinando princípios econômicos aos diretores do BC. Hoje, são os economistas de Yale e os médicos do MSF que vêm ensinar aos executivos da indústria farmacêutica como os preços dos medicamentos devem ser estabelecidos. A fórmula é simples, singela mesmo: basta somar o preço de seus componentes, e acrescentar um “lucro justo”. Yale e o MSF demonstrando que a genialidade está na simplicidade.

Luis Marinho tem dificuldade em entender como são formadas as taxas de juros na economia, o que é perfeitamente compreensível, dada a complexidade da matéria. Afinal, trata-se do preço do dinheiro, algo que beira o intangível. No caso do remédio, no entanto, estamos falando de uma mercadoria concreta, que tem compradores e vendedores no mercado. O preço, como qualquer primeiroanista de economia deveria saber, é formado pelo equilíbrio entre oferta e demanda, e não pelo custo de produção. O custo de produção servirá apenas como uma medida da viabilidade do produto: se a demanda não for suficiente para sustentar uma oferta que pague os custos de produção, nada feito, o produto não tem viabilidade econômica.

Ah, mas existe um virtual monopólio dado pela patente! Nenhum outro laboratório além da Nordisk pode fabricar o Ozempic, o que a deixa com um poder de mercado desproporcional. Então, há um desequilíbrio entre demanda e oferta, que deveria ser regulado!

Infelizmente, como disse no início, devo trazer verdades desagradáveis. Não, não deve ser regulado. Este produto só existe porque a Nordisk, em uma corrida pelo ouro com outros laboratórios, investiu bilhões em pesquisas para chegar neste produto. Nada impede que outros laboratórios o façam, sem copiar a fórmula da Nordisk. A patente serve para proteger o investimento em pesquisa. Sem ela, não haveria estímulo econômico para a pesquisa de risco.

Uma outra maneira de termos o “preço justo” para o remédio seriam os governos montarem os seus próprios laboratórios, desenvolverem remédios e venderem a preço de custo. Já imaginou uma Remediobrás desenvolvendo novas fórmulas e comercializando-as a preço de custo? Pois é.

O fato inconveniente é que o estímulo econômico é o único que consegue mobilizar bilhões em capital para viabilizar a pesquisa de ponta em medicamentos. E o lucro exorbitante na comercialização inicial de medicamentos que dão certo é o único estímulo econômico possível em uma indústria em que a maior parte das pesquisas não dá em nada.

Aliás, a palavra “exorbitante” que usei é inadequada. 40.000% é uma margem “exorbitante”? Qual seria uma margem “adequada”? Quem vai determinar isso? O MSF? O governo? Ou o mercado? Eu sempre digo: se você acha que as farmacêuticas estão lucrando demais, basta comprar ações de farmacêuticas e se tornar sócio desses “lucros exorbitantes”.

Se os lucros dos remédios fossem determinados pelos governos ou por almas que só buscam o bem da humanidade, provavelmente ainda estaríamos curando as pessoas com unguentos e cerimônias espirituais.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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