Economia

Risco país

Para quem não está por dentro desse imbróglio, vou dar um resumo. Durante o governo Bolsonaro, a Eletrobras foi privatizada. A principal regra da privatização era a de que nenhum acionista poderia ter mais do que 10% das ações com direito a voto. É o que conhecemos como “corporation”, uma empresa que não tem um acionista controlador, todos são minoritários. Esta garantia foi necessária para que os investidores não acabassem sendo sócios, na prática, de um governo super-minoritário, com uma fatia grande do poder de voto.

Pois bem. O governo Lula não se conforma de possuir mais de 40% das ações das empresas, mas apenas 10% das ações com voto. Quer mais.

Não vou aqui entrar no mérito das razões do governo. Lula até pode ter razão, mas este não é o ponto. A questão é que houve uma lei aprovada no Congresso, que inclusive foi desafiada no STF pela oposição em 2018 e 2021 e, em ambos os casos, foi autorizada pelo Supremo.

Surpreendentemente, o ministro Nunes Marques, ao invés de indeferir liminarmente a nova ADIN do governo, propôs uma “mesa de conciliação” entre as partes. Ou seja, decidiu não decidir. Esta mesa foi estendida por mais 90 dias agora. O que deve acontecer é uma acomodação dos interesses do governo, pois ninguém em sã consciência quer se colocar contra o Leviatã.

“Faz parte do risco do negócio”, alguém poderá dizer. Afinal, o capitalismo envolve riscos, e o capitalista brasileiro deveria saber que não é diferente neste caso. Fato. O problema não está em correr risco, mas na natureza do risco.

No caso em tela, os investidores correram o risco de o novo management da empresa não conseguir saneá-la, de chover muito e o preço da energia cair (o que, de fato, ocorreu), de decisões empresariais ruins etc. Enfim, riscos da vida normal de qualquer empresa. No entanto, o risco de voltar atrás em um contrato perfeito é, como disse, de outra natureza. Trata-se do risco de insegurança jurídica, que faz parte do rol daqueles riscos que compõem o chamado “risco país”. O risco país do Brasil é mais alto do que o de países onde a segurança jurídica é maior, e isso tem implicações importantes.

Sabemos que o investidor exigirá retornos maiores de seus investimentos na medida em que o risco percebido for maior. Isso significa preços mais baixos dos ativos e taxas de juros mais altas. Nunes Marques, ao abrir a possibilidade de “negociação” de um contrato perfeito, está sinalizando que os contratos assinados no Brasil, quando envolvem o poder público, não valem a tinta com que são escritos. Isso se traduz, ao longo do tempo, em uma percepção maior de risco, levando aos efeitos descritos acima.

Os países pobres não são pobres porque não têm riquezas naturais ou um povo trabalhador. Os países pobres são pobres porque suas instituições são fracas. E um dos principais sintomas da fraqueza das instituições é a insegurança jurídica.


Para quem quiser me seguir, inscreva-se no meu blog: https://marceloguterman.substack.com/

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

Artigos relacionados

Um Comentário

  1. Marcelo,
    O país é pobre, porque as instituições são fracas, e acrescentaria a provocação do tema que abordou, que parte da elite, empresarial, sindical e política, também é fraca. Acredito, que tudo isso leva a termos líderes fracos, com tendências messiânicas, autocráticas e egocêntricas.
    Obrigado pelo seu texto.
    William Rachid Junior

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo
%d blogueiros gostam disto:
Send this to a friend