Opinião

Compartilhamento responsável: exercício de cidadania.

Algum tempo atrás escrevi aqui sobre informações que nos chegam distorcidas por intermédio de veículos de imprensa. Na ocasião, propondo uma reflexão, perguntei ao final de meu texto quanto dessa tendenciosidade impacta na formação de nosso juízo de valor sobre os mais diversos assuntos.

Texto sobre o “quarto poder” ao qual me refiro acima.

Como sempre, sem ter a pretensão de esgotar o tema, agora quero avançar sobre o mesmo fenômeno, a construção de um entendimento, tendo as redes sociais como pano de fundo.

Cada vez mais as redes fazem parte de nosso cotidiano, se tornando, entre outras tantas coisas, em um novo formato de veículo de informação.

Se em alguma medida esse processo avançou na geração de conteúdos com um acesso mais democrático, a contrapartida é um fluxo caótico de “informações” que nem sempre são reflexo da verdade e não raro nos chegam à serviço de narrativas movidas pelos mais diversos tipos de interesses.

Como a maioria das pessoas, tenho perfis nas redes sociais, além de fazer parte de vários grupos de “whatsapp”. Os grupos são os mais diversos, vão desde o de amigos do tempo de escola, passando pelo de torcedores do mesmo clube e da turma do poker, até os de caráter profissional.

São raros os grupos que estão de fato blindados da polarização pela qual passa o país. Em uns mais, em outros menos, de forma mais profunda ou superficial, a política acaba sendo mote para debate. Por conta da diversidade desses grupos, seja por faixa etária, gênero e orientação política, acabo sendo exposto a toda sorte de “memes”, “matérias”, “prints” etc.

Sempre acreditei que compartilhar informações (ainda mais em escala) é um ato de cidadania e que exige muita responsabilidade. Não há como acolher tudo que recebemos como se fosse verdadeiro e “passar pra frente”. Há sempre que se ter um senso crítico, especialmente quando a informação que nos é enviada cai sob medida para reforçar nossas convicções.

Quão mais uma informação seja conveniente em relação ao que acreditamos, mais crítico a ela se devemos ser. O contraditório tão fundamental no debate público, deve ter como ponto de partida nós mesmos. Deve começar em nosso íntimo o questionamento sobre aquilo que nos chega, por mais “saborosa” que seja a informação que nos está sendo “entregue”. Sempre devemos ser prudentes, afinal é fácil nos tornarmos aquilo que abominamos. Dar ouvidos apenas ao que nos convém é caminho certo para o erro.

Nessa semana, em menos de 24 horas, recebi no “whatsapp” informações que me chamaram atenção e que me fizeram gastar alguns minutos (nem tantos assim) pesquisando um pouco mais a fundo sobre a veracidade daquelas “informações”.

Foram duas ocorrências ligadas à política, que a princípio descreverei em linhas breves, para avançar posteriormente com mais detalhes.

O primeiro caso diz respeito a uma fala atribuída ao Senador Luiz Eduardo Girão, enquanto o segundo caso é sobre uma foto de Bolsonaro com seu Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

A FALA DE GIRÃO

Tenho acompanhado a CPI do COVID e a meu ver o Senador Girão tem se pautado pelo equilíbrio e independência. Tido para muitos como governista não é raro ver o Senador fazer críticas ao Presidente.

Existe uma citação circulando na Internet lhe atribuindo a fala grifada na imagem a seguir.

Imagem que recebi em um grupo no whatsapp.

Assisti a sessão do dia 8 de junho e assim que me deparei com essa “citação” tinha a certeza de que se tratava de uma desonestidade e que a fala do Senador não tinha sido aquela que estava (e segue sendo) compartilhada.

A fala poderia ser naturalmente entendida como um engano, afinal era presumível que na verdade ele estivesse falando do tratamento precoce e poderia apenas ter trocado as palavras.

Explorar esse possível equívoco, fora de contexto já seria mesquinho, muito desonesto, contudo, inventar, atribuir a alguém algo que não foi dito é pior, muito pior.

A autora do tweet Lana de Holanda (veja nas imagen) é militante de esquerda e mentiu sobre a fala do Senador. Sua mentira vem sendo compartilhada como sendo verdade, NÃO É.

Perfil da autora da postagem sobre a fala do Senador Girão
Tweet mentiroso que atribui ao Senador Girão uma fala que ele não fez

Compartilhar informação é um ato de cidadania que demanda responsabilidade, é muito ruim compartilhar “fake news” e ainda pior emitir juízo de valor baseado em uma informação sem checagem.

Vejam no vídeo a seguir o que de fato disse o Senador.

A fala de Girão na CPI.

Esse é um dos tantos exemplos de como se constrói uma narrativa, como se distorce a realidade, como se desqualificam pessoas sem o menor pudor, tudo por conta de uma causa e que em seu nome tudo é permitido.

Esse é apenas um entre tantos casos, algo mais recorrente do que se possa imaginar.

É por isso que leio veículos de imprensa sempre com uma prudente dose de desconfiança, além de sempre procurar me informar na fonte para poder ser capaz de formar meu próprio juízo, para não ser manipulado e nem usado como vetor de mentiras. Se não se trata de algo simples, nem por isso deixo de tentar fazer disso um hábito.

Assustador que mesmo pessoas presumivelmente esclarecidas sejam “hospedeiras” desses “parasitas”.

“SÓ LEGENDA” ou “FOTOS PREMONITÓRIAS”

No mesmo dia em que recebi a foto que atribuía ao Senador Girão uma fala falsa, recebi também uma foto do Ministro da Saúde cumprimentando o Presidente da República. A imagem, associada ao breve texto em que fora postada no Facebook induzia o leitor a concluir que haveria um mal-estar entre ambos e que o Ministro teria seus dias contados em sua pasta.

Estaria estremecida a relação do Presidente com seu Ministro da Saúde?

Será mesmo?

Uma foto é um recorte de um movimento, um segundo é composto por 24 quadros, um frame portanto dura 0,0417 segundos.

Analisar uma foto, por si só, sem entender seu contexto é pelo menos ingênuo.

Tomando como base a postagem original da foto me dei conta que ela havia sido postada por seu autor, o renomado fotógrafo político Orlando Brito. A foto e a postagem ganhavam força, afinal não restava dúvida sobre sua veracidade, faltava avançar para verificar seu contexto.

Foto disponível para download no site do fotógrafo.

Foi no site do fotógrafo que encontrei a data e a ocasião da foto.

Tratava-se de uma cerimônia no Palácio do Planalto por ocasião da Sanção do PL que amplia o tipo de doenças detectáveis no “teste do pezinho”.

A cerimônia pode ser vista aqui em sua íntegra.

https://youtu.be/G3zPKzd46nQ
Cerimônia onde se encontraram o Presidente e o Ministro da Saúde.
Estaria selado o futuro do Ministro?

Ao final do evento, Presidente e seu Ministro se cumprimentaram novamente e de forma bem diferente da imagem compartilhada pelo fotógrafo.

Essa imagem da mesma ocasião é bem diferente daquele que pode sugerir uma rusga entre o Presidente e seu Ministro da Saúde.
Aqui a imagem em destaque.

Não que tenha sido a intenção do autor da foto, mas se no caso do Senador havia uma mentira flagrante, dessa vez a coisa foi um pouco mais sofisticada. A imagem foi compartilhada nas redes sociais como uma insinuação, se baseando na apresentação de uma imagem pinçada de um contexto, sugerindo uma conclusão.

Esses dois casos são apenas ilustrações de uma prática comum que não é exclusividade de nenhuma corrente ideológica.

Se como disse no início desse texto não tinha a pretensão de esgotar o tema, a contrapartida é que não abro mão da pretensão de que ao final da leitura o leitor se proponha uma reflexão sobre o quanto de suas opiniões podem estar baseadas em informações manipuladas.  Da mesma forma espero que se torne um comportamento padrão e que cada um de nós passe cada vez mais a ser responsável com o compartilhamento das informações recebidas.

Marcelo Porto

Gênio do truco, amante de poker, paraíba tagarela metido à besta, tudólogo confesso que insiste em opinar sobre o mundo ao meu redor. Atuando no mercado financeiro desde 1986, Marcelo Porto, 54, também é Administrador de Empresas e MBA em Mercado de Capitais.

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4 Comentários

  1. Muito boa reflexão.
    Ando cansada dessas falsas informações.
    Vai levar tempo para que esse tipo de conduta seja alterada.

  2. Grande trabalho investigativo, Porto. No fundo, as pessoas não são manipuladas. Elas buscam notícias que confirmem as suas convicções. As fake news só prosperam porque as pessoas buscam confirmações. Mesmo uma notícia verdadeira é “interpretada” de acordo com a vontade do freguês. Dificilmente alguém muda de opinião quando vê uma notícia. Eu, pelo menos, não conheço. O que, obviamente, não serve de desculpa para espalhar mentiras.

    1. Ó amado Mestre, agradeço a generosidade de suas palavras e é isso mesmo que você apontou, ainda que quixotescamente eu siga lutando pelo amor de Dulcinéia.

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