Opinião

O direito à vida.

Estatuto do Desarmamento, um breve histórico.

Hoje o porte de armas no Brasil é um tema polêmico e é regido pelo Estatuto do Desarmamento através da Lei 18.826 de 22 de dezembro de 2003. Em seu Capítulo VI no 35º. Artigo, em seus incisos I e II, diz assim o texto da lei:

“CAPÍTULO VI

DISPOSIÇÕES FINAIS

        Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei.

        § 1o Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.

        § 2o Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral”.

O referendo previsto na lei foi realizado em 23 de outubro de 2005, sendo esse o resultado: 63,94% NÃO (contra o artigo) e 36,06% SIM. (Veja abaixo matéria da época)

O instituto do Referendo é assim descrito pelo Tribunal Superior Eleitoral em seu website:

“Plebiscitos e referendos

Plebiscito e referendo são consultas ao povo para decidir sobre matéria de relevância para a nação em questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.

A principal distinção entre eles é a de que o plebiscito é convocado previamente à criação do ato legislativo ou administrativo que trate do assunto em pauta, e o referendo é convocado posteriormente, cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta.

Ambos estão previstos no art. 14 da Constituição Federal e regulamentados pela Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. Essa lei, entre outras coisas, estabelece que, nas questões de relevância nacional e nas previstas no § 3º do art. 18 da Constituição – incorporação, subdivisão ou desmembramento dos estados –, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo. Nas demais questões, de competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados em conformidade, respectivamente, com a Constituição estadual e com a Lei Orgânica”

Assim como plesbicito e eleição, o referendo é uma ferramenta da Democracia, o registro da vontade soberana popular, devendo seu resultado ser respeitado como acontece com as eleições para cargos executivos e legislativos.

Nesse caso o resultado do Referendo nunca foi respeitado num flagrante desrespeito da vontade soberana e legítima da população.

Eleição presidencial e a volta do tema à pauta.

Na última eleição presidencial o então candidato Jair Bolsonaro prometia em seu programa de governo (disponível no site do TSE) reformular o Estatuto do Desarmamento, veja na imagem abaixo.

Como prometido em campanha, em 12 de fevereiro passado próximo, o Presidente da República publicou o Decreto 10.629 flexibilizando o uso e compra de armas de fogo. As principais alterações contidas no decreto dizem respeito: ao aumento de armas permitidas por cidadão; a autorização expressa de até duas armas para o mesmo porte; laudo psicológico emitido por profissional reconhecido pelo CRP (não exclusivamente por credenciado pela PF); e aumento de permissão para compra de munição.

Veja a íntegra do Decreto:

https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.629-de-12-de-fevereiro-de-2021-303712419

A essa altura, considerado o resultado do Referendo de 2005 e a promessa de campanha do candidato vencedor, parece óbvia a legitimidade do Decreto publicado. Contudo, sem ter a pretensão de esgotar o mérito da questão, podemos avançar sobre o tema.

A Defesa da Vida.

O direito à vida é um valor universal, inalienável à existência humana e assim tratado na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu 3º. artigo:

“Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

Impedir que as pessoas possam se defender é um ato de opressão, um flagrante desrespeito aos Direitos Humanos.

A questão da autodefesa, da família e da propriedade privada também está consagrada na Bíblia de onde podemos destacar:

1 Timóteo 5:8
“Se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente de sua própria família, negou a fé e é pior que um infiel”

Êxodo 22:2
“Se o ladrão for achado a minar uma casa e for ferido de modo que morra, o que o feriu não será réu de sangue”.

O Código Penal brasileiro que também trata sobre a legítima defesa em seu 23º. Artigo, inciso II, sobre Excludente de Ilicitude diz assim:

“Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito”.

Nossa Constituição prevê que todas as pessoas são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Os brasileiros e os estrangeiros residentes no país têm a garantia de proteção ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Assim se por um lado é obrigação do Estado oferecer proteção aos seus cidadãos, nem por isso esses deixam de ter o indiscutível direito de acesso aos meios necessários mínimos para protegerem suas famílias, propriedades e a si mesmos.

O direito à posse e porte de arma não é uma medida de Segurança Pública, é um direito individual, uma garantia constitucional que em nada desonera o Estado de seu papel de proteger seus cidadãos. Ainda que sendo uma obviedade é importante lembrar, o Estado não é onipresente, assim não é razoável que se tire do cidadão o direito de se defender.

A essa altura da leitura já se pode afirmar que o direito de adquirir de armas é algo amparado na lei por conta do Referendo e que além de legal o Decreto Presidencial é legítimo por ser a concretização de uma promessa de campanha do candidato que foi eleito.

Mais armas, mais violência?

Não raro vem à tona o argumento de que a flexibilização na aquisição de armas necessariamente implicará em mais violência. Será mesmo?

Os defensores do Estatuto do Desarmamento tinham a presunção de que esse conjunto de normas sobre armas (dificultando seu acesso) implicaria numa redução de mortes por arma de fogo. Não foi o que se viu.

No Atlas da violência ao se analisar o período entre 2005, a partir de quando o resultado do referendo passaria a ter efeito prático, até 2017 último ano com dados disponíveis, o que se viu foi um significativo aumento de homicídios por arma de fogo. Veja a imagem abaixo.

Outra comparação que parece contrariar a ideia de que menos armas implicam em menos violência se dá quando se comparam os países pelos critérios de armas por habitante versus homicídios.

Se não é prudente afirmar que os países que tem mais armas tem menos homicídios exclusivamente por conta disso, é razoável crer que mais armas não implicam em mais mortes. As imagens são autoexplicativas.

Veja essa comparação na imagem a seguir. Na parte superior os países destacados por terem mais armas por habitantes, enquanto na parte inferior da imagem, o destaque é pelo número de homicídios. É fácil perceber que uma imagem é quase que um negativo da outra. Ainda que tenham uma diferença de tempo (2007 x 2012) a tendência salta aos olhos.

Reforçando que não tenho a pretensão de esgotar o tema, que todos esses dados podem ser avaliados com mais profundidade, para encerrar temos outra comparação interessante para fazer.

Como se pode ver na imagem a seguir, o registro de novas armas nos dois primeiros anos de Governo de Jair Bolsonaro subiu significativamente, na comparação entre 2018, 2019 e 2020, apresentando entre os primeiros dois anos um aumento de aproximadamente 84%.

Nesse cenário, fosse correto o entendimento original do Estatuto do Desarmamento (mais armas, mais violência) deveríamos registar um avanço nos casos de homicídios em alguma proporção, mínima que fosse, no mesmo período.

Não foi o que aconteceu,

O resultado acumulado no biênio 2019/2020 pelos números disponíveis até o momento apontam para uma redução ao redor de 16% dos casos de homicídios.

De novo, se não se pode atribuir a queda de homicídios a um maior registro de armas, o fato concreto é que um maior número registro de armas não implicou em mais mortes.

Um norte.

Prestes a encerrar esse texto, pondero brevemente sobre uma omissão premeditada.

Há quem defenda que a posse e o porte de arma também se aplicam como um mecanismo de proteção do cidadão contra um eventual Estado tirânico. É muito comum que se ilustre isso tomando como base a guerra pela independência dos EUA. Não é um argumento que se possa descartar em conceito, contudo, a contrapartida é que nos dias de hoje isso me parece menos factível, uma possibilidade mais distante, daí a omissão.

Como dito anteriormente, não pretendi pacificar a questão, nunca teria essa pretensão. O tema pode ser avaliado com muito mais critério e profundidade, procurei apenas reunir elementos que pudessem nos oferecer algum norte.

O assunto é sério, desperta paixões e hoje é pano de fundo para disputa ideológica. Ao final porém, prevalecem os fatos e eles a meu ver parecem apontar para uma direção.

Marcelo Porto

Gênio do truco, amante de poker, paraíba tagarela metido à besta, tudólogo confesso que insiste em opinar sobre o mundo ao meu redor. Atuando no mercado financeiro desde 1986, Marcelo Porto, 54, também é Administrador de Empresas e MBA em Mercado de Capitais.

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