Opinião

Qual a letalidade da covid-19?

Qual a letalidade da covid-19?

Este é um número muito difícil de estimar. Por dois motivos: o primeiro é que, para calculá-lo, é preciso saber quantas pessoas foram contaminadas. O segundo, é porque depende da própria dinâmica do tratamento da doença. Quanto mais gente conseguimos tratar, menor é a taxa de letalidade. Se mais gente se contamina em menos tempo, mais gente tende a morrer da doença. Então, não existe um número mágico, ESTA é a taxa de letalidade. Ela depende da resposta do sistema de saúde.

Não temos como avaliar este segundo ponto, a não ser supondo que os países mais ricos têm mais recursos para tratar a doença do que os países mais pobres. Mas mesmo isso pode não ser suficiente. No início da pandemia, o estado de Nova York chegou a apresentar a aterradora estatística de 50 óbitos/milhão/dia. Para ter uma ideia, o pico no estado de São Paulo foi de 6 óbitos/milhão/dia. Então, às vezes o problema não está na falta de dinheiro, mas de organização. Enfim, vamos deixar essa variável de lado por enquanto.

Temos então o problema de saber quantos foram contaminados, assumindo que sabemos quantos morreram de covid-19. (Um parênteses: vamos usar as estatísticas de morte por covid-19. Não vou aqui entrar no mérito se morreram “de covid” ou “com covid”. Já comentei isso em outro post: se a covid antecipou a morte de uma pessoa, a morte é “de covid”, independentemente de outras comorbidades. Esse é o critério médico usado para indicar a causa mortis e é o que indica o número de mortes em excesso, do qual falarei mais adiante. Fecha parênteses).A taxa de letalidade, dada pela divisão do número de óbitos pelo número de casos, será tanto menor quanto mais casos tiverem sido detectados. E os casos são detectados quanto mais testes são feitos. Assim, a taxa de letalidade de países com muitos testes tende a ser mais confiável do que a taxa de letalidade de países que fizeram poucos testes.

Vamos a um exemplo prático. Nos EUA, cerca de 72% da população já foi testada. Lá, a taxa de letalidade é de 1,8%. Ou seja, de todos os casos detectados, 1,8% das pessoas foi a óbito. Por outro lado, no Brasil, apenas 12% da população foi testada. Aqui, a taxa de letalidade está em 2,6% dos contaminados. A taxa de 1,8% é certamente muito mais confiável do que 2,6%.Mas vamos verificar a letalidade em países campeões de testes. Por exemplo, a Islândia. O pequeno país do Ártico testou nada menos do que 124% da população. Ou seja, já testou vários habitantes mais de uma vez. Qual a taxa de letalidade na Islândia? Exatos 0,49%.

Existem outros países que testaram mais do que 100% da população. Abaixo, podemos ver a taxa de letalidade nesses países.

Tabela de letalidade. Fonte: Worldometer, 22/12/2020.

Observe que a menor taxa é de 0,33% nos Emirados Árabes, enquanto a maior é 1,65% em Malta. Em todos esses países não há a desculpa de poucos testes. Portanto, devem ser números confiáveis. A diferença pode estar justamente no preparo do sistema de saúde para lidar com a doença no início da pandemia ou algum outro fator não conhecido, como genética.

O fato é que a letalidade da covid-19 parece ser algo mais próximo de 0,5% do que de, digamos, 0,2%, um número que tem sido citado por aí para minimizar a letalidade da doença.

Mas, digamos que a letalidade fosse de apenas 0,2%. Se não houver uma forma de parar o vírus, a epidemia só vai parar quando for atingida a imunidade de rebanho. Digamos, por hipótese, que esta imunidade seja atingida quando 70% da população for contaminada. No Brasil, isso significaria um número de mortes igual a 300 mil (210 milhões x 70% x 0,2%). Já foram 180 mil, faltariam ainda 120 mil vítimas antes de atingirmos a imunidade de rebanho.

Por outro lado, se a letalidade estiver mais próxima de 0,5%, como eu acredito que seja, o número de óbitos atingiria 735 mil. Faltariam ainda mais de meio milhão de mortes antes de o vírus parar o seu curso. Considerando uma média de mil óbitos por dia, teríamos praticamente mais dois anos de mortes por covid. Não seria tudo isso de mortes adicionais, pois, estatisticamente falando, um percentual dessas mortes ocorreria independente da covid durante esses dois anos. Mas considerando que temos, segundo cálculos do meu amigo Victor H M Loyola, aproximadamente 150 mil mortes adicionais neste ano de 2020, seriam mais 300 mil mortes adicionais nos próximos dois anos.

Enfim, depois de todo esse cálculo, só tenho uma coisa a dizer: tomara que essas vacinas realmente funcionem. É o meu desejo para 2021.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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