Opinião

O quarto poder

Das minhas pretensões.

Ocupo esse espaço na condição de cidadão comum, de um observador do que ocorre no mundo, mas em particular em meu país, especialmente por conta desse momento de grande polaridade.

Não sendo jornalista, é como leitor que tratarei sobre jornalismo.

Minha abordagem sempre será da posição de quem recebe a informação. Registro aqui então os entendimentos de alguém que consome “um produto” e que por conta disso tem algumas expectativas, entre elas inexoravelmente, honestidade.

De antemão registro que não pretendo analisar governos, personalidades ou ações. Não avançarei sobre méritos, mas sobre como, em geral, o jornalismo vem sendo usado como ferramenta de proselitismo político.

Com pesar, noto um crescente descompromisso com a verdade em detrimento narrativas. Ainda que velado (ou nem tanto assim), para mim fica claro o desejo de induzir o leitor a conclusões que nem sempre, ou quase nunca, mantém correlação com a realidade concreta dos fatos.

“Call to action”, formação de um mosaico a serviço de interesses políticos, de tudo um pouco? O que move esse “jornalismo”?

Estrelado por Dustin Hoffman, de 1997, o filme “O quarto poder” ilustra bem esse jornalismo que oscila entre estar a serviço dos mais sórdidos interesses mercantis ou a favor de uma agenda, sem nem passar por perto da veiculação transparente dos fatos.

Sabendo que esse não é apenas um fenômeno brasileiro e sem a possibilidade de cravar uma resposta exata, deixo a critério do leitor fazê-lo. Uma coisa é certa, é fácil demonstrar esse “modus operandi” e é o que pretendo mais adiante.

Toda generalização por si só nasce condenada, assim, sempre haverá exceções em qualquer que seja a situação.

Nesse sentido chamo a atenção para uma tendência, sem ter a pretensão de condenar todo um segmento e por consequência todos os profissionais que atuam nessa área. Contudo, vale lembrar: quem cala consente.

Juramento do Jornalista

Diz assim o juramento:

“Juro, no exercício das funções de meu grau, assumir meu compromisso com a verdade e com a informação.

Juro empenhar todos os meus atos e palavras, meus esforços e meus conhecimentos para a construção de uma nação consciente de sua história e de sua capacidade.

Juro, no exercício do meu dever profissional, não omitir, não mentir e não distorcer informações, não manipular dados e, acima de tudo, não subordinar em favor de interesses pessoais o direito do cidadão à informação.”

O que se vê em geral no jornalismo, converge com o juramento da profissão?

É isso que iremos ver a seguir.

Da imparcialidade

Substantivo feminino, segundo o dicionário Michaelis, Imparcialidade significa: caráter ou qualidade de imparcial; equanimidade, justiça, neutralidade.

O termo imparcialidade é recorrentemente associado a dois campos, o da Justiça e do Jornalismo.

Imparcialidade é muito mais um conceito do que uma realidade possível, afinal, todos nós somos a soma de inúmeros fatores que nos compõem como indivíduos, desde traços genéticos, passando pelos valores que herdamos daqueles que nos educaram até a cultura e a organização social ao qual estamos expostos. Resultado da combinação de tantas variáveis, quase que vai contra nossa natureza sermos isentos.

Assim se em conceito é possível se falar em imparcialidade, na prática trata-se muito mais de um norte, uma direção a ser seguida, de uma convicção, do que um exercício exato e concreto, afinal cada um de nós vê o mundo pelo seu próprio olhar.

No jornalismo existem caminhos que reproduzem opiniões, que são a expressão do entendimento de uma ou um grupo de pessoas. É o caso dos editoriais, assim como o de artigos e colunas.

Nesses tipos de publicações, pratica-se o que se pode chamar de jornalismo opinativo, aquele no qual o autor agrega a sua percepção crítica. Esse é um importante segmento, pois pode oferecer ao leitor inúmeras perspectivas sobre um mesmo fato, devendo ficar a seu critério a formação de seu juízo sobre o que se coloca em questão.

Através de notícias ou reportagens, existe também o jornalismo que tem (ou deveria ter) como missão informar, apresentando os fatos como ocorridos sem que uma opinião crítica seja apresentada. Contudo, como diz a sabedoria popular: o Diabo mora nos detalhes.

É sobre o jornalismo travestido de informação que distorcendo os fatos induz a um caminho que não passa pela verdade que quero ponderar.

Se não há melhor forma de educar que não pelo exemplo, creio que não é diferente quando se pretende chamar atenção para um fato ou uma tendência.

É nesse sentido que comento a seguir alguns fatos ocorridos apenas na última semana como exemplo de um jornalismo militante e sob encomenda.

1 ) No dia D, na hora H.

Uma amostra de como foi tratada a fala do Ministro

Vivemos uma pandemia sem precedentes.

Por mais que possam ser adotadas medidas de profilaxia e restrições elas não tem se mostrado suficientes para conter o avanço da doença, que se encontra no pico de uma segunda onda, tornando ainda mais urgente o início do processo de imunização.

Ainda que o Brasil figure em 25º lugar no ranking de mortes por milhão de habitantes, em um cenário como esse é natural que exista uma grande ansiedade para que vacinas estejam disponibilizadas o quanto antes, afina trata-se de uma espera que não se pode medir em semanas ou meses, estamos falando de horas e dias. Cada minuto conta.

Recentemente foi veiculado por toda imprensa com grande repercussão nas redes sociais uma fala do Ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello.

O ministro disse que a vacinação começaria no “Dia D, na hora H”.

Muito comum no meio militar, a expressão “Dia D, na hora H” em geral nos remete ao dia 6 de junho de 1944, quando durante a Segunda Guerra Mundial aconteceu a maior operação militar da História da Humanidade e as forças Aliadas compostas por EUA, Canada e Inglaterra realizaram o desembarque na Normandia no norte da França ocupada por Hitler.

Vale uma curiosidade, ainda que tenha se tornado mais popular por conta da operação realizada na Segunda Guerra, a expressão foi utilizada pela primeira vez na Primeira Guerra Mundial, na ofensiva americana em Saint Mihiel, em Verdun, também na França.

Estampada em manchetes, a notícia sobre a fala de Pazuello foi veiculada de tal forma a induzir o público em geral como se não houvesse uma data ou ao menos uma previsão qualquer. Não foi raro ver críticos do governo reproduzirem a frase do Ministro em tom de sarcasmo.

Retirada de um contexto, ainda assim a frase poderia ser entendida como a orientação de que a vacina seria disponibilizada assim que possível.

Contudo, estaríamos no campo da interpretação, assim era importante encontrar a fala original do Ministro. Foi o que fiz e a encontrei no perfil do Facebook do Governo do Estado do Amazonas.

O vídeo original tem mais de duas horas, mas é a partir de 1h02m21s que o Ministro fala sobre o início da vacinação, oferecendo naquele momento três cenários possíveis, do mais provável ao mais pessimista em datas dentro de um intervalo de tempo entre o fim de janeiro e o início de março.

Veja o vídeo no link abaixo e tire suas conclusões sobre como esse episódio foi retratado pelos veículos de imprensa em geral.

https://www.facebook.com/151211933004/videos/865720500930350

2) Governo admite que ataques à China travam chegada de insumos para vacina.

(https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/01/19/governo-admite-que-ataques-a-china-travam-chegada-de-insumos-para-vacina)

Diante da manchete descrita acima, veiculada pela CNN, confesso minha surpresa.

O governo teria emitido um documento fazendo algum tipo de “mea culpa” junto ao governo chinês? Nossa chancelaria teria emitido alguma nota com esse teor? Alguma autoridade teria dado alguma entrevista nesse sentido?

Não cabe dúvida, a manchete afirma de maneira inequívoca que “o governo admite”.

Ao se ler o conteúdo da matéria (veja link abaixo) se tem uma surpresa. Na verdade, a afirmação de que o Governo havia admitido algo como apontava a manchete, nada mais era do que a afirmação genérica e anônima atribuída a “integrantes do alto escalão do governo” que supostamente haviam dado declarações em “off”.

Falar em “off”, ou seja, dar uma declaração para jornalista pedindo sigilo quanto identidade não é nada novo, é uma prática recorrente, estando inclusive o anonimato da fonte protegido por lei.

Cada profissional tem sua trajetória e suas fontes e cabe ao leitor dar crédito a elas ou não.

Nesse caso a desonestidade está na chamada da matéria, que coloca algo como sendo fato (“governo admite”) quando na verdade se trata de um rumor, ou de uma informação que ainda que possa ser verdadeira não é oficial como se leva a crer a princípio.

A manchete como foi elaborada induz ao erro, melhor, mais honesta seria a seguinte: Segundo fontes, governo admite…

É senso comum que a maioria das pessoas leem apenas as manchetes, segundo estudo da Consultoria DNPontoCom de Curitiba (http://bit.ly/39a8K1k) 7 entre 10 pessoas só leem os títulos das notícias e não seu conteúdo.

Se a missão do jornalismo é informar e se a maioria das pessoas leem apenas as manchetes, será que algum objetivo legítimo foi atingido?

De novo a resposta compete ao leitor.

3) Argentina produzirá insumos, mas não enviará ao Brasil

A “exclusão” do Brasil da produção argentina e sua repercussão.

Dias atrás me deparei com a repercussão da notícia de que a Argentina enviaria insumos para a produção de vacinas para todos os países da América Latina, menos para o Brasil.

A “notícia” causou forte comoção.

De jornalistas tradicionais a humoristas, passando por políticos de oposição todos estavam chocados.

No somatório das repercussões, as explicações em geral convergiam para uma desastrosa política internacional adotada pelo Brasil que agora estaria sofrendo algum tipo de represália.

Ainda que a manchete omitisse o verdadeiro motivo, o não envio se daria por dois motivos principais:

  1. Por conta de logística, a AstraZeneca já havia previamente determinado que a capacidade produtiva argentina de 100 milhões de doses seria destinada para atender a América Latina em geral, enquanto o Brasil sendo um país continental, com 210 milhões de habitantes, teria seu fornecimento de insumos oriundo da China;
  • Segundo a FIOCRUZ, ainda que fosse possível solicitar para a Argentina o envio de insumos, os trâmites necessários para esse envio levariam mais tempo que o prazo previsto de entrega da produção chinesa, deixando sem sentido prático o envio argentino.

Na verdade então a “notícia” era uma “não-notícia”, apenas um chamado sensacionalista, uma vez que o que se via na prática nada mais era do que aquilo que estava previamente programado.

Em um momento tão difícil de pandemia que além de nos impor milhares de mortes, implica numa redução de atividade econômica brutal, a quem ou ao que se presta esse tipo de notícia?

Regra de três

Os casos aqui apontados são alguns dos que aconteceram APENAS na última semana e envolveram temas que mobilizaram toda a sociedade.

Quantos mais casos poderíamos agregar a esses exemplos numa análise temporal maior?

Ao longo do tempo, especialmente em meio a uma pandemia permeada por luta política, quanto do que nos foi “informado” também não sofreu esse tipo de tratamento?

Quanto do nosso juízo de valor sobre o que nos cerca é formado por esse tipo de informação que nos chega da maneira tão enviesada e comprometida?

Atualmente tenho me imposto essas questões e é exatamente por conta disso, que confio cada vez menos nos meios tradicionais de comunicação.

É por isso que sempre procuro a informação na fonte, ainda assim com a ciência de que não estou imune a um jornalismo que na verdade é uma avassaladora estrutura de propaganda que progressivamente vai deixando de lado sua nobre missão de informar.

Liberdade não se ganha, se conquista. Seja livre!

Marcelo Porto

Gênio do truco, amante de poker, paraíba tagarela metido à besta, tudólogo confesso que insiste em opinar sobre o mundo ao meu redor. Atuando no mercado financeiro desde 1986, Marcelo Porto, 54, também é Administrador de Empresas e MBA em Mercado de Capitais.

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2 Comentários

  1. Parabéns Marcelo Porto pelo texto! Esse é meu sentimento tb e cada dia que passa este tipo de sensacionalismo e narrativas sao mais frequente criando falsas expectativas , anciedade e corroe as pessoas. Este tipo de profissional precisa reavaliar sua função é e resultado de seu trabalho. Perderam totalmente a credibilidade.

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