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Impunidade é a bola da vez

Dias Toffoli: antes e agora

A recente decisão de Dias Toffoli anulou as provas da Lava-Jato (e todas as suas decorrências) que partiram do acordo de leniência com a Odebrecht , é mais um passo na sucessão de atos que enterraram a Lava -Jato.

Na mesma ocasião, Toffoli declarou que a prisão do Lula foi um erro histórico: ““um dos maiores erros judiciários da história”), contradizendo suas próprias declarações em 2018, quando ele declarou que a prisão de Lula (e também o impeachment da Dilma) como “impasses resolvidos pelas vias institucionais democráticas, com total respeito à Constituição e às leis”.

O Lula ter nomeado o Dias Toffoli é apenas um detalhe.

Basta olhar a biografia dele (“tímida” demais, como é o caso de André Mendonça ou Cristiano Zanin) e, especialmente, de que pessoas e organizações Dias Toffoli foi advogado, fato que se repete agora com Zanin.

E depois de intenso namoro do Toffoli, desde os primórdios, com Lula e os seus, no governo Bolsonaro chegou a rolar um caloroso abraço entre Toffoli e Bolsonaro. Depois da era Bolsonaro, o antigo relacionamento caloroso foi retomado. Que fofo, que autenticidade, que coerência!

Toffoli abraça Bolsonaro - Reprodução/CNN

A decisão do Dias Toffoli é apenas a cereja do bolo do enterro da Lava Jato e da impunidade oficial do Lula e da futura impunidade de todos criminosos de colarinho branco.

Vamos retroceder um pouco:

STF e Lula: antes e depois Bolsonaro

Depois da posse do Bolsonaro, todas as decisões do STF foram, por larga maioria, favoráveis ao Lula.

Até 2018 o quadro era diferente. Só em 2018 levantei 3 decisões do STF (Abr/18, Mai/18 e Set/18), todas contra o Lula.

Lula: legalmente agora ele é inocente como um bebê….

A anulação por parte do STF dos processos do Lula faz com que os respectivos processos tenham que ser conduzidos de novo desde o início, o que, na prática, inocenta o Lula, pela questão da prescrição dos supostos crimes.

Os outros processos, correndo em São Paulo e Brasília, na prática não irão gerar quaisquer efeitos, porque tudo já prescreveu.

….mas as provas estão aí

Reiterando que, ainda que Lula tenha se livrado das condenações pela virada de mesa, as dezenas e dezenas de provas coletadas estão intactas.

Apesar do Moro ter errado muito pelo teor dos contatos entre ele e MPF, não houve nenhum tipo de remota evidência que qualquer prova tenha sido plantada.

Como já reiterei por diversas vezes, as provas vão muito além das delações premiadas, que é o discurso típico do PT, além da tal perseguição ao rico pai dos pobres, que poderia virar o best-seller “Pai Rico, Eleitores Pobres”.

Relativo ao Triplex e ao sítio de Atibaia, houve um encadeamento lógico consistente de fatos, coincidências, contradições flagrantes dos depoimentos de Lula entre si e desses com os textos publicados do Instituto Lula, dezenas de testemunhas, interceptações telemáticas, documentos, recibos etc.

Incompetência de foro via STF é juridicamente crível?

A anulação dos processos de Curitiba, muito tardiamente, diga-se de passagem, considerou o foro de Curitiba , como inapropriado para os processos que transitaram lá, eliminando assim uma sentença lavrada em 3 instâncias, incluindo o 5 a 0 do STJ.

Por mais que tenha pesquisado, não encontrei precedente de um processo que foi anulado pelo STF ou STJ por incompetência de foro, relativo à jurisdição.

A competência pelo lugar da infração é relativa. A exceção de incompetência deve ser interposta no prazo da defesa preliminar, é diferente de uma situação de suspeição ou incompetência do grau jurisdicional, como preconiza o artigo 108 e o artigo 386-a  §1o do Código de Processo Penal. Não haverá nulidade declarável por incompetência em razão do local da infração caso não exista prejuízo, mesmo havendo arguição oportuna.

Reparem que a reprovável comunicação do Moro com integrantes do MPF, não caracteriza prejuízo aos processos, já que a gravação divulgada pela Intercept, foi obtida de forma ilegal.

Deve ser a primeira vez na história do Brasil que um julgamento em 3 instâncias (incluindo o 5 a 0 no STJ) seja anulado por incompetência de foro! O STF só notou esta incompetência de foro muitos anos depois da instauração dos mesmos.

Como eles são distraídos…

Se excluirmos que a decisão de anulação dos processos de Lula foi por questões amparadas pela lei (o que não parece crível) , só resta especular sobre os motivos extralegais.

Por que a incompetência de foro?

Como há um impeditivo jurídico de usar as escutas ilegais das conversas do Moro com o MPF como base para decisões de anulação , o STF não usou este pretexto. Seria ainda mais escandaloso porque o próprio STF já anulou anteriormente provas ilegais e seus efeitos em dezenas de julgamentos.

Contestar o local do processo foi uma estratégica muito “conveniente” porque derrubou também a sentença da juíza Gabriela Hardt, sucessora de Moro, sobre o sítio de Atibaia, que jamais foi flagrada em conversas com o MPF.

Se fosse alegado que a anulação dos julgamento se deu pelas conversas inapropriadas do Moro (obtidas de forma ilegal), só a condenação dele teria sido revertida e Lula permaneceria condenado e inelegível.

Psicologia da ressuscitação do Lula pelo STF

Há muitas razões possíveis para a mudança de rumo do STF a partir de 2019 em relação ao Lula, mas acho que um componente possível, ainda que especulativo da minha parte, se deve ao desejo de retaliar o Bolsonaro ressuscitando a detestável figura do Lula, figura que eles viam como meio de barrar a pretensão de barrar o anseio provável do Bolsonaro pelo segundo mandato.

Isso seria porque o Bolsonaro é de direita, e os ministros do STF seriam de esquerda? Acho muito simplista essa explicação, que inclui figuras como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e também não explica a guinada ocorrer apenas em 2019.

Para mim, é preciso estudar as questões psicológicas que envolvem essa situação.

É comum que pessoas inflem seus egos diante do advento de poder. Não há como negar que a nomeação de alguém para ministro do STF torna esta pessoa muito mais poderosa do que antes. É um cargo praticamente vitalício e os ministros são inexpugnáveis para efeitos práticos.

É fato que, certo ou errado, o ego interfere nas decisões em nossa vida. Não é algo saudável e, muitas vezes, resvala contra a ética, mas somos todos seres humanos.

A guerra do Bolsonaro (e agregados) contra o STF foi explícita e deflagrada. Desde o Eduardo Bolsonaro e sua célebre frase de 2018: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo” .

Nesta linha há dezenas de insultos, ameaças e declarações, não apenas de Bolsonaro, mas de dezenas de aliados, por anos a fio.

Com certeza, isso deve ter gerado um sentimento pessoal de repulsa contra o Bolsonaro por parte da maioria do integrantes do STF. Não é correto que isso influencie decisões do STF, que deveriam ser 100% técnicas. Mas o que temos é o mundo real, com todas as suas falhas.

Com isso, quaisquer diferenças do STF com o Lula ( quem também foi flagrado em alguns insultos) foram deletadas, face aos atritos muito mais pronunciados, que resvala para o lado pessoal.

Responsabilidade, culpa ou nada disso?

Para mim aqui responsabilidade ou culpa são palavras vazias, e carregadas de questões morais, que não é a minha abordagem aqui. Prefiro, na visão pragmática do filósofo norte-americano John Dewey, me limitar a dizer que atos têm consequências.

Se minha hipótese (de que as falas de Bolsonaro e dos seus ajudou a atiçar o STF), em nenhum momento isso absolve as ações do STF . Se isto procede, considero o STF venal ao deixar fatores extrajurídicos influenciar suas decisões.

Reparem que este pode ser apenas um dos motivos. Fatos podem ter motivos concomitantes. Um motivo válido não exclui outras razões. Os fatores causais se reforçam mutuamente. Em ciências humanas, eventos que acontecem raramente tem um motivo único.

O exemplo mais contundente dos arroubos verbais de Bolsonaro se deu em 7 de setembro de 2021, quando ele falou, dirigindo-se à multidão embevecida, alguns dos trechos abaixo:

Agora chegou o momento de nós dizermos a essas pessoas que abusam da força do poder para nos subjugar, dizer a esses poucos que agora tudo vai ser diferente …. não podemos mais admitir que pessoas que agem dessa maneira continue no poder exercendo cargos importantes (STF) …. temos um ministro do Supremo que ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair…, acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha …. qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá…. A paciência do nosso povo já se esgotou … e dizer aqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá. Dizer aos canalhas que nunca serei preso … Ou o chefe desse Poder [Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos.

Bolsonaro no fatídico discurso em 7 de setembro de 2021.

Estes trechos incluem ameaças veladas, insultos, declarações de desobediência civil e uma forma de incitar o público que o idolatra ou idolatrava.

Não vou nem entrar no mérito se esse tipo de atitude fere ou não a lei ou se isto é apenas liberdade de expressão. O importante aqui são as consequências, diretas ou indiretas.

A sinceridade irrestrita (não apenas do Bolsonaro, mas de qualquer pessoa) costuma ser 100% burrice, especialmente quando alguém enfrenta algo que ele não pode e nem deve enfrentar de forma tão explícita e direta.

Friamente falando, se você tem um inimigo poderoso e não está em um ringue, não o encare de frente. Mire os flancos.

O que ele fez seria similar, em um universo bem menor, a alguém chamar um fisiculturista de FDP apontando o dedo para ele em riste e achar que vai ficar tudo bem.

Não importa quão ilegal ou reprovável seja a agressão do insultado, o que irá doer será a cara do alvo cheia de sangue, depois de um murro bem dado.

Achar que, diante deste tipo de discurso do presidente, o exército iria se exaltar e tomar as rédeas, para intervir no STF a fim de abrir caminho para o Bolsonaro exercer o seu poder sem interferências, ou que a turba enfurecida e motivada iria, em algum momento, destronar o STF, como até tentou timidamente e sem sucesso no episódio de 8 de janeiro; é de uma ingenuidade absoluta.

O poder de um presidente no Brasil é bem mais limitado do que se imagina. presidentes vão e vêm e o STF fica. E o Congresso está de rabo preso e sabe disso. Qualquer reflexão mínima, levaria a alguém minimamente esperto concluir que iria ter retaliação (pelos flancos, claro), ainda que tardia. E isso pode (eu acho) ter ajudado a botar tudo a perder.

Bolsonaro tinha que ter tido a mínima inteligência de agir para conter os seus e jogar água na fervura, mas ele não o fez, ainda que, no caso do discurso daquele 7 de setembro, ele tenha recuado e se arrependido publicamente nos dias seguintes, substituindo o “canalha” pelas palavras abaixo:

Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do ministro ….. nunca teve nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes …. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção devem respeitar.

Só que essa lua de mel fake teve posteriormente várias recaídas.

Impunidade para colarinho branco é a ordem do dia

Ainda que o enfrentamento do Bolsonaro contra o STF possa ter sido um reforço, penso que o enterro da Lava Jato iria ocorrer de qualquer forma. Não é algo que atende a classe política. Até na Itália, pais mais civilizado, aconteceu um reação similar.

Assim temos uma Lava Jato finda e a garantia da não prisão de qualquer réu de colarinho branco que constitua um advogado razoável, exceto se os réus têm inimigos poderosos e/ou se o processo é conduzido diretamente pelo STF.

A ausência de prisão em segunda instância, aliada à implantação do juiz de garantias, agora sacramentada, são a tampa do caixão da punibilidade.

Ainda que a prática de mudar o juiz depois da fase investigativa seja algo correto do ponto de vista teórico, ela se torna, na prática, altamente protelatória pela carência de juízes no país.

Esse kit, junto com outras leis que chegaram nos últimos anos (como a lei de abuso de autoridades), se torna mais um grande aliado da prescrição da pena em crimes sem júri, prescrição que erradamente, do ponto de vista da justiça efetiva e não das leis, conta separada por crime, todos eles com pena baixa, ao contrário do que acontece, por exemplo, com assassinato.

Nesse sentido, a gestão Bolsonaro (aqui, aqui e aqui) e obviamente a gestão do PT estão de acordo: político preso é um descalabro, para os próprios políticos.

Furtar uma maçã na feira pode dar cadeia antes do julgamento, ainda que ilegal. Até alguém notar e soltar o réu, pode passar meses.

Já roubar milhões dos cofres públicos, tudo bem. É do jogo.

***

A charge genial do Jônatas foi adaptada do site Politica Dinâmica.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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