Prognósticos para os Jogos de Paris
Escrevi este mesmo artigo nas vésperas das Olimpíadas de Tóquio, e atualizo agora, quando estamos para iniciar os Jogos de Paris.
Sou daqueles que acompanham esportes olímpicos somente durante as Olimpíadas. E, mesmo assim, somente as finais de alguns esportes, quando participam as feras. Seria muita pretensão de minha parte fazer uma análise bottom-up, esporte por esporte, para inferir as chances de medalhas do Brasil nestes Jogos Olímpicos de Paris. Por isso, resolvi fazer uma análise top-down, com base no número de medalhas obtidas pelos atletas nacionais ao longo do tempo. Ao contrário da Copa do Mundo, em que a análise estatística do passado diz pouco sobre o que acontecerá na próxima edição, as Olimpíadas, por envolverem um grande número de esportes e atletas, guarda uma regularidade que permite fazer inferências estatísticas de maneira relativamente simples.
Antes de analisar propriamente as chances do Brasil, vamos fazer uma viagem no tempo. Os Jogos Olímpicos refletem, como poucos outros fenômenos, as idas e vindas da história do século XX e, como veremos, deste tumultuado início de século XXI também.
Um pouco de história
Como sabemos, a primeira edição dos Jogos Olímpicos modernos aconteceu em Atenas, em 1896. De lá para cá, foram 29 edições, somente interrompidas pelas duas Guerras Mundiais. O número de modalidades esportivas também aumentou de maneira relevante ao longo do tempo, como podemos observar no gráfico a seguir, o que permite inferências estatísticas mais precisas.
Podemos observar que os jogos de Paris terão um número de medalhas um pouco inferior ao que tivemos em Tóquio, 329 contra 340 no país do sol nascente.
Para tornar os números comparáveis ao longo do tempo, vou sempre me referir ao percentual de medalhas conquistadas em cada edição.
Os EUA, o grande bicho-papão dos Jogos Olímpicos
Desde o início, os EUA se destacaram como a grande potência dos esportes olímpicos, tendo poucos desafiantes à altura ao longo do tempo. No entanto, como podemos ver no gráfico a seguir, esta superioridade veio decaindo ao longo do tempo, com a diversificação do número de países competitivos.
Podemos observar que, até 1968, os EUA sempre ganhavam entre 20% e 30% das medalhas de ouro em disputa. O número da Olimpíada de 1904, 85%, está distorcido porque cerca de 90% dos atletas eram norte-americanos, pelas dificuldades de locomoção da época. Em 1924 e 1932, o total de medalhas passou de 30%. A partir de 1972, no entanto, este número baixou de 20%, ficando entre 10% e 15% até os dias de hoje.
O número zero de 1980 se deveu ao boicote à Olimpíada de Moscou por parte dos norte-americanos, enquanto o número acima de 30% em 1984 se deveu ao boicote promovido pela URSS. Este fenômeno deve se repetir neste ano, ainda que em menor medida, em função do banimento dos atletas da Rússia de todas as competições esportivas do planeta depois da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Para estimar o efeito dessa ausência nesses Jogos, precisamos recordar o duelo entre Estados Unidos e União Soviética durante boa parte do século passado.
O grande duelo do século XX
Durante o século XX, EUA e URSS rivalizaram durante muitos anos. Mais especificamente, desde 1952 até 1992, último ano em que a Rússia e as ex-repúblicas soviéticas disputaram os Jogos sob a mesma bandeira. Dessas onze edições, a URSS chegou na frente dos EUA em nada menos do que sete, só perdendo em 1964, 1968 e 1984, quando boicotou os Jogos de Los Angeles, como podemos observar no gráfico abaixo.
A partir de 1996, no entanto, a Rússia, sem a ajuda da Ucrânia, Cazaquistão e das outras antigas repúblicas da URSS, não conseguiu ganhar mais do que 10% das medalhas em nenhuma das edições, tendo vencido apenas 6% nos Jogos do Rio e de Tóquio. Assim, supondo que os atletas russos ganhariam 6% das medalhas também neste ano, podemos inferir que todos os outros países poderiam aumentar o seu número de medalhas em 6%. Isso significa que os EUA, por exemplo, que ganhariam 10% das medalhas, podem ganhar 10,6% nestes Jogos. Claro que essa análise não leva em conta quais as modalidades em que os russos se dariam melhor, o que poderia mudar a conta na margem.
Aliás, e por falar na antiga União Soviética, os esportes olímpicos sempre foram a grande vitrine das virtudes do comunismo. Havia um investimento brutal (e, dizem as más línguas, métodos não ortodoxos) com o objetivo de ganhar medalhas e demonstrar a superioridade do comunismo sobre o capitalismo. A história das medalhas olímpicas mostra, portanto, a ascensão e a queda do comunismo, como podemos ver no gráfico a seguir.
Este gráfico mostra o total de medalhas de ouro obtidas pelos países da antiga Cortina de Ferro mais Cuba. Vamos tirar os pontos de 1980 e 1984, distorcidos pelos boicotes de americanos e soviéticos. Podemos observar que o ponto alto dos países comunistas ocorreu em 1976, com a conquista de nada menos do que 60% das medalhas de ouro em jogo. Depois disso, vemos uma tendência de deterioração constante, chegando a menos de 20% nos Jogos do Rio e de Tóquio. Tratava-se, obviamente, de algo artificial, que não se manteve em pé.
Mas, se a antiga União Soviética não existe mais, e a Rússia não é mais páreo para os EUA, surge um outro rival para os americanos: a China.
O grande duelo do século XXI
Como podemos observar no gráfico a seguir, a China era um zero à esquerda em termos de Jogos Olímpicos até 1980. A partir de 1984, os chineses começam sua ascensão, atingindo o pico em 2008, nos Jogos de Pequim.
Depois de 2008, a performance chinesa decaiu, voltando ao nível de 2000/2004, mas o suficiente para quase empatar com os EUA em número de medalhas em Tóquio. É provável que seja o único país com potencial para desafiar os norte-americanos nos próximos anos.
O fator “casa”
Todos os países, quando sediam uma Olimpíada, têm performance superior à sua média histórica. É o que podemos observar no conjunto de gráficos a seguir.
Com as raras exceções da Grã-Bretanha (Londres 1948), Finlândia (Helsinque 1952) e Canadá (Montreal 1976), em todos os outros casos a equipe da casa obteve o seu melhor resultado em olimpíadas. Mesmo no caso dos EUA, o país não conseguiu bater a sua performance em Atlanta 1996 (última Olimpíada no país) até o momento.
Assim, é possível esperar que a França tenha uma performance superior aos dos Jogos anteriores, no mínimo 5% das medalhas, senão mais. Isso significaria um mínimo de 16 medalhas de ouro, mas deve ser mais do que isso.
E o Brasil?
O Brasil vem de duas Olimpíadas muito boas. A do Rio, pelo fator casa, foi a recordista, com o país conquistando 2,3% das medalhas de ouro. A de Tóquio foi a segunda melhor da história, com 2,1% das medalhas de ouro. Se conseguirmos ficar neste nível pela terceira Olimpíada seguida, podemos esperar algo entre 6 e 7 medalhas de ouro em Paris.
Como se trata de um número muito pequeno de medalhas, os erros de amostra são maiores. Por isso, também coloquei o número total de medalhas no gráfico abaixo.
No Rio e em Tóquio obtivemos quase 2% de todas as medalhas em disputa, o que significaria, em Paris, um total aproximado de 20 medalhas.
Guardem estes números, e vamos torcer para os brasileiros nos Jogos de Paris!
Prognóstico da tabela de medalhas
Para projetar a tabela de medalhas, assumi as seguintes premissas:
1) Ponderei o percentual de medalhas obtidas nas 3 últimas Olímpiadas, dando peso 1 para os Jogos de Londres, peso 2 para os Jogos do Rio e peso 3 para os Jogos de Tóquio. A ideia é que o preparo dos países tem maior correlação com a última Olimpíada do que com as anteriores.
2) Eliminei as medalhas da Rússia (que não vai competir) e distribuí igualmente entre todos os outros países, proporcionalmente às medalhas que cada um tinha antes.
3) Diminuí arbitrariamente em 2 pontos percentuais o número de medalhas de ouro do Japão e acrescentei à França pelo “efeito casa”. Fiz o mesmo para o total de medalhas, mas acrescentando e subtraindo 1 ponto percentual.
O resultado está na tabela abaixo. Façam as suas apostas e bons Jogos para todos!
Marcelo,
Mais um artigo bem embasado. Muito bom. Esclarecedor, claro e direto.
Parabéns!