Esporte

Porque me reconciliei com Zico

Não gosto do Zico, todos os garotos da minha turma adoram, mesmo quem não é flamenguista. Tenho 8 anos e meu sonho é ser jogador de futebol lutando pelo Penta, porque o Tetra está garantido nessa Copa, e mesmo eu sendo o garoto contestador que nada contra a maré, também estou confiante no título.

A estreia brasileira contra a antiga União Soviética já mostrou que a defesa não era lá essas coisas, Waldir Perez falhou e o Brasil teve que tirar coelho da cartola para virar o jogo com gols maravilhosos de Sócrates e Éder. Zico fez uma estreia tímida. Houve um pênalti não marcado para os soviéticos quando o jogo ainda estava 1 a 0, e outro lance duvidoso que decretaria nossa derrota, enfim, o Brasil foi beneficiado pela arbitragem e o resultado final foi o que importou. Insisti com os colegas que Zico foi mal e que meu ídolo Roberto Dinamite tinha vaga na seleção.

Vieram jogos fáceis contra Escócia e Nova Zelândia com goleadas contundentes e ótimas atuações de Zico que deram mais confiança ao time. No entanto, o Brasil insistia em tomar gols bobos. Ouvi pacientemente de um amigo rubro-negro toda a descrição do golaço de Zico de meia bicicleta e me resignei, talvez minha implicância seja clubista, por ser vascaíno.

A então campeã Argentina de Maradona era o próximo desafio, Los Hermanos haviam perdido para a Itália (na época o sistema na segunda fase era de um triangular) e nos enfrentariam em um jogo de vida ou morte. A seleção teve a melhor atuação naquela Copa, um 3 a 1, com uma atuação exuberante de Zico. Novamente um pênalti escandaloso de Junior em Maradona quando o jogo estava 1 a 0 para o Brasil não foi marcado. O lance mostrou uma fraqueza brasileira que seria explorada pela Itália no jogo seguinte. Havia um buraco na defesa atrás de Junior que era mais meio campista do que lateral, além disso, a seleção saía jogando na defesa tocando a bola com confiança exagerada e quando perdia (o que não era raro, tomou gols nos jogos anteriores) a defesa estava desarrumada. O gol da Argentina também foi uma bola perdida na defesa por Batista de forma infantil. Meu coleguinha vizinho falou que Passarela queria tirar o Zico da Copa numa entrada violenta e que a voadora de Maradona em Batista decretou o fim da carreira do meia do Inter, exageros de crianças.

O jogo com a Itália foi tratado no Brasil como uma mera formalidade rumo à semifinal.

Muitos culparam Cerezo pela derrota, pela bola mal passada no segundo gol italiano e pelo escanteio cedido no terceiro gol. Uma injustiça enorme. Cerezo errou o passe, mas a zaga estava distraída e Junior adiantado. O primeiro gol foi de um cruzamento no ponto futuro onde Junior não estava pois jogava adiantado em relação aos laterais da época. No escanteio do terceiro gol, Junior deu condição legal para Paolo Rossi marcar. À despeito das críticas, Cerezo fez ótima partida, que seria uma nota 9, não fossem os erros citados. No segundo gol do Brasil de Falcão, Cerezo foi quem puxou toda a marcação italiana, abrindo espaço para o chute certeiro do Rei de Roma.

E Zico?

O Galinho foi poupado pela imprensa.

Vascaíno que sou, culpei Telê que preferiu o atabalhoado Serginho Chulapa ao goleador nato Roberto Dinamite, no auge da carreira. Chulapa entrou na frente do Zico em um lance emblemático do jogo ainda no primeiro tempo e arrematou a bola de forma bisonha.

Culpei o esquema avançado, que a imprensa da época adorava.

Mas também culpei Zico, durante décadas, reforçado pelo pênalti perdido na Copa seguinte de 86. Minha memória era de um Zico sumido no jogo com a Itália, de ter feito apenas a jogada do primeiro gol, e um pênalti sofrido ainda no primeiro tempo (a famosa camisa rasgada). Enfim, eu estaria certo e os outros errados. Zico era jogador de Maracanã, e ao encontrar o coleguinha rubro-negro não perdi tempo em acusar o Galinho.

Por isso, com as reprises de grandes eventos esportivos nessa Pandemia, pude rever os jogos da Copa de 82 e mudar de opinião, pois Zico jogou muito bem, inclusive na derrota, participou de quase todas as jogadas ofensivas mesmo marcado de forma maldosa por Gentille. O primeiro tempo finalizado em 2 a 1 para a Itália foi uma das grandes injustiças das Copas, o Brasil dominou a partida, mas Serginho definitivamente não combinava com um meio campo com Cerezo-Falcão-Sócrates-Zico. Éder também foi muito bem marcado na ponta esquerda pois era destaque da seleção nos jogos anteriores.

No segundo tempo o domínio brasileiro foi completo até o terceiro gol italiano quando aí sim a seleção sentiu e não conseguiu mais produzir.

Telê fazia sempre a mesma substituição, tirava Serginho e colocava Paulo Isidoro (um falso ponta direita). Mas naquele jogo a decisão não foi a mais acertada, o Brasil precisou de um homem de área no final e Sócrates foi deslocado para a posição, desarrumando tudo.

A Itália fez o quarto gol mal anulado e o final do jogo ainda teve um último suspiro com uma cabeçada de Oscar que Zoff defendeu na linha do gol, azar do Brasil e da Copa.

A foto da capa do Jornal da Tarde do garoto de 10 anos, poderia ser minha, mas não é, foi tirada no hoje demolido Estádio Sarriá, em Barcelona, após o fatídico jogo de 5 de julho de 1982 e venceu o prêmio ESSO de jornalismo. O garoto, eu e muitos outros de idade similar foram representados naquela foto.

O futebol depois dessa Copa tornou-se muito mais defensivo e feio.

Zico não teve culpa alguma pela derrota, pelo contrário, foi um dos melhores em campo. Me redimo com o Galinho de Quintino, não gostava do futebol dele por dois motivos, ser o craque do arquirrival e na minha nebulosa memória ter sido ‘um dos culpados” pela derrota em Barcelona.

Depois de assistir novamente a Copa de 82 desejo muito que a seleção jogue como aquele escrete canarinho. Falta material humano mas há de se implantar o esquema de jogo. Laterais que se tornam volantes ofensivos, meias que atacam incessantemente, mas defesa compacta, espremendo o adversário em seu campo.

Este post inicial dessa jornada no Papo de Boteco é um pedido de desculpas e uma singela homenagem ao craque Zico. Obrigado Galinho, pelas suas belas atuações. E obrigado SporTV pelas reprises maravilhosas que nos alegraram nos tempos de isolamento.

Vinícius Perilo

Vinícius Perilo, 47 anos, é engenheiro civil apaixonado por todos os esportes. Tudo começou no Ursinho Misha em Moscou 80, e, a partir daí, acompanhando ídolos como Oscar, Hortência, Bernard, Jacqueline, Ricardo Prado, Joaquim Cruz. Ama futebol como todo brasileiro, faz parte da geração que chorou de tristeza a derrota de 82 e de alegria com o Tetra em 94. Realizou um sonho de criança e conduziu a Tocha Olímpica para a Rio 16. Ainda acredita no Brasil olímpico.

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