AtualidadesEsporteOpinião

Precisamos falar sobre NoVax Djocovid

Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada

H. L. Mencken

Um tema clássico do cinema de aventura é quando o planeta sofre uma ameaça mortal e todos os países deixam suas diferenças de lado e se unem para enfrentá-la em conjunto, numa ação coordenada à altura da seriedade da situação.

Só que, na vida real, o enfrentamento a grandes ameaças mundiais são mais parecidas com as do filme A Chegada, que meu colega de Papo de Boteco Marcelo Guterman usou como referência em seu imperdível texto O que é um ser humano?, em que cada país desconfiava dos demais e agia seguindo seus próprios interesses, ou como foi satirizado no filme Não Olhe Para Cima, em que dentro de um mesmo país existem pessoas e grupos com opiniões opostas e interesses incompatíveis entre si.

Este último filme é emblemático. O roteiro originalmente pretendia satirizar o comportamento em relação à ameaça das consequências do aquecimento global, porém se adapta perfeitamente ao que temos acompanhado nestes 2 anos em relação à pandemia de Covid19. E, ao contrário de quem o cita politicamente, a zoação não poupa ninguem: políticos populistas, cientistas deslumbrados pela fama, imprensa não isenta atrás de audiência a qualquer custo e população em comportamento de manada.

O Djokogate:

A vida real tem péssimo hábito de proporcionar histórias ainda mais inverossímeis que os roteiros de filmes. O Djokogate é uma dessas. Ela resume quase tudo que aconteceu de errado pelo mundo nestes 2 anos:

O tenista Novak Djokovic chegou em Melbourne em 5 de janeiro para disputar o Aberto da Austrália. Como não possui o comprovante de vacinação exigido pela Australia para viajantes de vôos internacionais, requereu e recebeu uma licença especial de entrada no país por isenção médica, apresentando um teste de resultado positivo para Covid-19 realizado em 16 de dezembro. Porém, ao desembarcar no aeroporto, foi detido pelas autoridades de imigração por ter tido esta licença suspensa. Seus advogados apelaram na Justiça australiana e ele aguardou a decisão em um hotel da cidade, que é palco de protestos de ativistas australianos pela libertação de outros refugiados do mesmo edifício em que estão presos há anos, em detenção indefinida pelas regras de imigração da Austrália. Alguns dias depois, recebeu a decisão favorável de um juiz federal para entrada no país, em função de erros técnicos dos funcionários do aeroporto. Porém, na sexta-feira dia 14, o ministro da Imigração, Cidadania, Serviços a Imigrantes e Relações Multiculturais australiano determinou monocraticamente o cancelamento do visto do tenista, sob autorização da Lei de Migração, por “motivos de saúde e ordem, com base no interesse público“, alegando que “o governo está firmemente comprometido em proteger as fronteiras da Austrália, em relação à pandemia de covid-19”. A defesa do sérvio apelou novamente e estima-se que uma decisão será divulgada pelo judiciário no domingo, véspera da abertura do Grand Slam australiano.

Esta decisão do ministro australiano foi uma colher de sopa de fermento no bolo das pessoas que se declaram contra a obrigatoriedade da vacina contra a Covid19.

Djokovic tem um passado que não é o ideal, incluindo seu histórico de declarações contra a obrigatoriedade da vacina, mas a atitude ditatorial do político australiano contra ele o vitimizou, o tornando não apenas um bode expiatório peloo potencial da sua presença promover um sentimento anti-vacina, mas também um símbolo conhecido, que representaria todas as pessoas do mundo de mesma opinião, com imagem positiva perante milhões de fãs, não um bolsonaro ou trumps . Eric Clapton poderia ter sido este rosto quando se manifestou, meses atrás, mas foi cancelado.

O contexto australiano:

A Austrália é um dos países do mundo que optaram por política mais rigorosa no combate à pandemia. Como resultado disso, teve sucesso por apresentar um alto percentual de população vacinada e baixíssimos números acumulados de casos e óbitos pela doença durante estes 2 anos.

Passou ileso pela cepa original, de Wuhan, e pelas variantes seguintes:

  • Alpha, identificada no Reino Unido
  • Beta, identificada na África do Sul
  • Gama, originária do Brasil, que fez com que fossemos o mais castigado pela doença no primeiro semestre de 2021. Deixou terra arrasada, centenas de milhares de mortos, mas hoje está extinta no país
  • Delta, originária na Índia, e responsável pela grande maioria dos óbitos pelo mundo dos últimos meses

Porém, de dezembro pra cá, com o surgimento da variante Ômicron, a Austrália tornou-se um dos países com maior número de casos proporcionalmente à população no mundo e, pior, também com aumento no número de óbitos.

A ironia da situação é que, hoje, estar na Austrália é um perigo muito maior para o Djokovic e demais participantes do Grand Slam (e esta semana já foram noticiados vários casos de outros tenistas que testaram positivo e tiveram que entrar em quarentena) do que o sérvio para os australianos, já que ele não é mais um Vetor Transmissor, por ter tido a doença semanas atrás, e a variante Ômicron estar endêmica no continente, com alto valor de R-zero.

A Ômicron:

Nossos colegas de Papo de Boteco Paulo Buchsbaum e Victor Loyola postaram no Facebook inspiradas definições sobre a Ômicron:

O fato é que o SARS-CoV-2, ao sofrer as mutações que resultaram na variação batizada como Ômega, seguiu a linha evolucionária esperada para um vírus, tornou-se muito mais contagioso, porém bem menos letal. Seu novo mecanismo de atuação faz com que uma pessoa contaminada o espalhe para um número muito maior de pessoas, burlando a proteção tanto de uso de máscaras quanto a imunidade das vacinas atualmente aplicadas. Em compensação, dentro do corpo humano, sua ação se restringe às vias aéreas superiores (boca, nariz e garganta), sem descer até os pulmões, que foi a principal causa das formas mais graves e letais da doença, provocando a maioria das 5,5 milhões de vítimas pelo mundo.

A política australiana dos últimos 2 anos, tendo como meta zerar casos de covid, infelizmente pode ter tido como efeito colateral indesejado uma maior vulnerabilidade da população à nova variante atual.

Já os governos de países europeus tem flexibilizado as regras de enfrentamento à Covid19 visando manter hospitais, escolas e serviços de emergência funcionando, mudando a abordagem até agora em relação à pandemia. A intenção é acompanhar com parâmetros semelhantes aos das epidemias de gripe, sem registrar todos os casos e sem testar todas as pessoas que apresentam sintomas.

Sobre crianças e passaportes … :

No Brasil, ao contrário da Austrália, estamos em um momento que aparentemente combina uma imunidade de rebanho obtida mezzo inteligentemente, pela vacinação da grande maioria da população, e mezzo burramente, pela terra arrasada deixada pela gravidade da variante Gama do primeiro semestre de 2021. Tanto que o país já passou relativamente ileso pelos meses em que a Delta era a variante majoritária e agora o mesmo se repete com a Omicron.

Dentro deste contexto, não faz sentido estarmos no país com polêmicas sobre dois assuntos, a exigência do “passaporte vacinal” e a vacinação de crianças de 5 a 11 anos.

A adesão à vacina no país foi uma das maiores do mundo, quem tinha que se vacinar, foi vacinado, espontaneamente, não tem porque exigir o tal “passaporte vacinal”, como comprovação de vacinação, para frequentar lugares, até mesmo porque a variante predominante atual escapa da imunidade proporcionada pelas vacinas usadas. Temos os exemplos dos cruzeiros de verão pela costa litorânea brasileira como comprovação da inutilidade desta comprovação como ferramenta de prevenção de novos surtos.

A mesma alta adesão à vacinação entre adultos se reflete nas pesquisas de intenção de pais levarem seus filhos menores de 11 anos para serem vacinados. Apesar de que, como descrito acima, a Pfizer pediátrica aparentemente não irá evitar que crianças vacinadas sejam contaminadas pela Ômicron, nem que, consequentemente, continuem atuando como vetores de transmissão.

Ao invés de copiar estes recursos que foram adotados por alguns países europeus e regiões dos Estados Unidos, visando alcançar sua população de refratários à vacina superiores aos brasileiros, faria muito mais sentido corrigir o que é um problema tipicamente brasileiro: 145.151.664 de pessoas receberam as 2 doses ou dose unica da vacina, contra 161.836.379 apenas com a primeira dose. Temos quase 17 milhões de brasileiros que não apareceram para tomar a segunda dose. É nesta população que os governos deveriam concentrar esforços.

Nole e os “Negacionistas”:

E quem diria que, de uma hora pra outra, Novac Djokovic tanto se tornou ídolo de milhões de pessoas que nunca assistiram uma partida de tênis na vida, como foi cancelado por outro tanto de milhões que eram fãs dele até dias atrás…

Seu filme também está queimado entre seus pares:

Tanto quem passou a venerá-lo, como quem o cancelou, foi pelo mesmo motivo: ele tornou-se o símbolo dos Negacionistas, para o bem e para o mal.

Negacionista” provavelmente é a palavra mais usada no planeta nestes 2 anos de pandemia.

Negacionista é a pessoa que nega ou não aceita como verdadeiros conceitos comprovados cientificamente.

O diabo mora nos detalhes. E, neste caso, a palavra “comprovados” é o detalhe que faz toda a diferença, que separa de um lado narrativas e opiniões e do outro lado os conceitos cientificamente comprovados. O fato é que foram poucas as vezes que existiu comprovação científica sem sombra de dúvidas nos aspectos relacionados à doença. O que a OMS orientava num mês, podia mudar no mês seguinte. O governo do país X dava uma orientação contrária ao do governo do país Y, ambos baseados em seus “comitês científicos”. No Brasil, tivemos semanas em que os “especialistas de internet” chamavam de “sommeliers de vacina” criticando as pessoas que exerciam seu direito de querer escolher qual vacina preferiam tomar, enquanto bradavam o slogan “vacina boa é vacina no braço”, só que quem se desse ao trabalho de analisar as características de cada uma facilmente de daria conta que cada uma seria mas adequada a públicos distintos. Num momento seguinte, o próprio governo desdisse seu slogan e divulgou uma tabela de qual marca de vacina ser a indicada como dose de reforço.

99% das vezes a palavra Negacionistas foi usada por motivo político. Pejorativamente, na maior parte das vezes (quase sempre com razão). Orgulhosamente, numa minoria de vezes (quase sempre sem razão).

Minha opinião é que todo mundo foi negacionista em algum momento durante estes dois anos.

Quem se recusa a usar máscaras em aglomerações é negacionista. Quem usa máscara sozinho dentro do carro, ou caminhando ao ar livre sem ninguem perto também é negacionista, por estar tendo comportamentos irracionais frente às caracteristicas de transmissão da doença.

Quem se recusou a tomar vacina, por não confiar na sua segurança atestada por inúmeras agências de saúde de diferentes países é negacionista. Quem acha que a vacina protegerá contra a Ômicron ou que crianças não vacinadas são um perigo epidemiológico também é negacionista, porque isso vai contra todas as evidências estatísticas coletadas em países diferentes do mundo.

Quem se recusou a seguir orientações de consenso é um negacionista individualista, por se achar acima dos demais. Quem obriga a todos seguirem as orientações indiscriminadamente, sem respeitar os direitos individuais, é um negacionista autoritário.

Novac Djokovic foi negacionista entre março de 2020 e dezembro de 2021, por inúmeras atitudes e declarações contra o uso de máscara, subestimar a importância das vacinas e estimular aglomeraç˜ões. Só que, em janeiro de 2022, é o governo australiano que está sendo negacionista, ao autoritariamente barrar sua entrada no país, sob alegação dele não ter sido vacinado, sendo que isso não alteraria absolutamente nada frente as características atuais da Covid19 causada pela variante Ômicron no país.

Gui

Sou o Gui. Fiz arquitetura, pós em marketing, MBA em comércio eletrônico. Desde criança , quando adorava ler Julio Verne, eu gosto de explorar, descobrir novidades. Aqui no Papodeboteco vou conversar contigo sobre descobrir como podemos explorar nosso tempo livre.

Artigos relacionados

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
Send this to a friend