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Oscar no Divã

Eu vou fazer uma previsão: a entrega do Oscar do próximo domingo, 25 de abril, terá a menor audiência de todos os tempos. E os discursos e justificativas jogarão toda a culpa na pandemia da Covid19 , na consequente quarentena que suspendeu a produção e lançamento da maioria dos títulos e em como os políticos negacionistas são responsáveis por tudo isto.
É uma meia verdade, claro. Na real, este é apenas um sintoma da consolidação de um processo de declínio de audiência, perda de interesse e relevância do Oscar junto aos amantes do cinema que já vêm acontecendo nas últimas décadas.


Você só está aí, lendo este texto, porque tem a palavra Oscar no título. Se eu tivesse escrito festival de Veneza, Cannes ou Berlim, você não teria a menor curiosidade em ler a respeito. A não ser que fosse um cinéfilo descolado, daqueles que não perde uma edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, principalmente os filmes que passam no Espaço Cultural da rua Augusta.


O Oscar, de um tempo pra cá, sofre de uma crise de identidade esquizofrênica: quer ser “levado à sério”, como a santíssima trindade dos mais badalados festivais de filmes de arte do mundo, portanto escolhe como indicados aqueles que mais tem cara de “festival de filme de arte”.
Só que quem se interessa em assistir a premiação de Hollywood não são os cinéfilos, mas sim gente como a gente, que curte ir no cinema em multiplex, com pipoca, por diversão e entretenimento, não para sofrer durante 2 horas assistindo um filme cabeça chato, com pretenção intelectual.


Faço um desafio: Examine o poster oficial da 85ª edição do Oscar, em 2013, genial sacada do artista Olly Moss, e tente reconhecer qual foi o vencedor de cada ano. Aposto que você acertará grande parte deles, principalmente os que assistiu no cinema, por ocasião do lançamento.

Poster Oficial 85º Oscar, 2013 – Olly Moss

Agora, um teste: pra atualizar o poster acima, tente se lembrar, sem ir no Google, quais foram os filmes vencedores de 2013 pra cá.

  • 2013: A _ _ _
  • 2014: 1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
  • 2015: B _ _ _ _ _ _
  • 2016: S _ _ _ _ _ _ _ _
  • 2017: M _ _ _ _ _ _ _ _
  • 2018: A _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
  • 2019: G _ _ _ _ _ _ _ _
  • 2020: P _ _ _ _ _ _ _

E aí .. conseguiu ?
Não , né?


ALERTA DE SPOILER

Ok. Olhe a cola abaixo:

Vários deles foram filmes muito bons! Alguns, até, eram mesmo os melhores entre os indicados em seus respectivos anos.
O problema é que o Oscar conquistou sua fama, importância e relevância, ao longo das décadas, com audiência estimada na casa do bilhão de espectadores no mundo inteiro, não por causa de filmes com o perfil dos 8 acima.
O europeu fica acordado na madrugada de domingo pra segunda, o asiático liga a TV na segunda-feira de manhã não para assistir fiascos como “And the academy award for best picture is .. La La Land … I’m sorry, there’s a mistake … Moonlight, you guys won best picture … This is not a joke … They read the wrong thing.

Não é por filmes como Moonlight que o Oscar é o Oscar.
O verdadeiro segredo da longevidade do seu sucesso pode ser explicado em 1.000 palavras, ou resumida em 1 imagem: o mais famoso selfie da história.

Desde sempre ,
o que nos atrai no Oscar são suas estrelas!
A essência da nossa motivação é ver nossos atores, atrizes e diretores favoritos e torcer para os concorrentes que assistimos ao longo do ano anterior e achamos que foram os melhores!

O Oscar e os festivais de filmes de arte tem uma semelhança e uma diferença em comum: os concorrentes refletem o zeitgeist do ano e os vencedores são escolhidos por votação.
No caso dos festivais, através do júri de notáveis escolhidos pelos organizadores para a edição daquele ano, o que já produz um viés: os vencedores tendem a ser aqueles alinhados com o estilo do presidente do júri e com o dos jurados mais atuantes nas discussões.
Já no Oscar a votação é entre os milhares de filiados da academia de artes e ciências de Hollywood, o que não deixa de ter também um viés de “concurso de popularidade”: Além da qualidade do trabalho dos candidatos, a sua fama junto à comunidade de eleitores também tem seu peso, assim como o lobby dos produtores dos filmes.
O que nos leva à palavra mais recorrente quando pensamos na história dos premiados:

Injustiças

Podemos dizer que o Oscar passou por 3 fases de “injustiças” nas suas premiações.

A primeira foi em relação aos diretores . Alguns considerados clássicos e geniais ao longo da história, com filmografia consistente de altíssimo nível, incrivelmente nunca foram premiados como melhor direção: Charles Chaplin, Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, Fellini, Bergman.
E a Academia ainda teve requintes de sadismo: com exceção de Kubrick, os outros ganharam Oscar honorário pelo conjunto da obra, um prêmio de consolação constrangedor, no fim da vida. 
Uma exceção que confirma a regra: Steven Spielberg, só foi premiado após 20 anos de carreira, e por A Lista de Schindler , um filme “sério” que era um ponto fora da curva de sua assinatura autoral de filmaços de entretenimento. Mesmo Martin Scorcese, tem 1 Oscar na estante, mas pelo filme errado….

O segundo tipo de “injustiça” na premiação diz respeito ao preconceito que os votantes tem em relação aos candidatos a melhor ator e atriz. Basicamente, nas últimas décadas, astros protagonistas de filmes de grande bilheteria raramente são reconhecidos na premiação. Nomes como Harrison Ford, Tom Cruise, Jim Carrey, tiveram diversas performances excepcionais que foram esnobadas. Uma exceção a esta regra, que até virou meme, foi o Leonardo diCaprio.
Com atrizes, o sadismo é ainda mais cruel. Em geral, não perdoam se a atriz, além de talentosa, também for bonita. Charlize Theron, Nicole Kidman, Hale Berry, Cate Blanchett e a maravilhosa ruivinha Juliane Moore só conseguiram vencer por papéis que as representavam com aparência que iam do desglamurizado até o monstruoso.
A categoria de “coadjuvantes” teve sua função descaracterizada, servindo como um prêmio de consolação para os grandes nomes: Brad Pitt, George Clooney, Sean Connery, Anne Hathaway, Angelina Jolie.

A terceira injustiça é a versão ampliada do preconceito contra grandes bilheterias e o principal tiro no pé que o Oscar sistematicamente vem dando ano após ano. Dentro deste viés de pretender ser uma versão californiana dos festivais europeus, os block-busters são sumariamente descartados e o resultado é que o público não sente identificação nem se interessa por uma premiação disputada por filmes de bilheteria fraquíssima, que poucos assistiram.
Os organizadores até detectaram esta obviedade e tentaram dar um migué: após o fiasco que foi em 2008 quando esnobaram Batman – O Cavaleiro das Trevas, nas últimas edições ampliaram o número de indicados a melhor filme para até 10 títulos e deram um “jeitinho” de enfiar entre eles algum de grande bilheteria que, obviamente, nunca ganha.
O Senhor dos Aneis – O Retorno do Rei, em 2004, Gladiador, em 2001 e Titanic, em 1998, foram as últimas vezes em que houve esta ligação entre o gosto do público nos cinemas e os votantes do Oscar.
Infelizmente, apesar de trabalharem na indústria do entretenimento, na hora de votar esquecem o principal mandamento de quem quer ter sucesso no seu negócio: O cliente sempre tem razão.
Mas, será que esquecem mesmo ou mudou o “cliente” que querem agradar?

Justiça Social

A edição de 2014 entrou para a história porque, pela primeira vez, um afro-descendente recebeu o premio de melhor filme: Steve McQueen, que como produtor ergueu a estatueta por “12 Anos de Escravidão”. 
Porém, na edição seguinte, o Oscar foi chamado de “preconceituoso” e “machista” e, em 2016, uma hashtag virou trending topic mundial e mudou a história do Oscar daí pra frente:

#OscarSoWhite

Por que #OscarSoWhite?
Por causa da foto abaixo.
Entre os 20 candidatos a melhores atores e atrizes, principais ou coadjuvantes, apenas brancos.

Eram realmente os melhores daquela edição, pelas suas atuações?
Não importa.
A narrativa já tinha sido vendida e foi considerado um pecado mortal na bolha politicamente correta da República da California.
A partir daquela hashtag , as palavras de ordem passaram a ser:

Diversidade, Representatividade, Inclusão


As reportagens sobre os filmes deixaram de falar sobre termos cinematográficos, como direção, roteiro, montagem, atuação ou fotografia.
Ficaram parecidas com censos demográficos:

  • Os filmes tem personagens negros em número e importância?
  • Tem personagens femininos com poder de decisão?
  • A comunidade LGBTQIA+ é representada adequadamente?
  • Ocorre apropriação cultural?
  • A equipe técnica tem diversidade étnica?
  • Algum membro de maioria privilegiada invade o lugar de fala de uma minoria?

O New York Times publicou uma coluna do seu crítico de cinema Kyle Buchanan intitulada Will People of Color Win All Four Acting Oscars This Year? traduzida e reproduzida abaixo pelo Estado de São Paulo ( Atores não brancos vão ganhar os quatro prêmios de atuação do Oscar este ano?), que em nenhum momento faz uma análise qualitativa e artística dos indicados, mas apenas uma estatística racial.

E assim chegamos ao Oscar 2021.
Obviamente , por conta da pandemia, a safra seria fraca.
A lista oficial dos indicados está aqui.
Meus highlights são:

Mank, é o melhor filme entre os indicados.
Mas, não cativou os corações do público, não gerou empatia.

Tenet é um filmaço! Foi o melhor filme de 2021, disparado.
Disruptivo, cerebral e entretenimento simultaneamente, à altura da genialidade de seu criador Christopher Nolan, que corajosamente bancou seu lançamento nas telas grandes, para preservar a experiencia cinematográfica de sua concepção.
Mas, apesar de ter um ator afro-descendente como personagem principal, foi esnobado para as categorias relevantes (pergunta provocativa: será que foi pelo fato da cor da pele do protagonista ter zero repercussão no roteiro?).

Peter Dinklage, arrasou na interpretação no filme Eu Me Importo!
Mas, talvez tinha olhos azuis demais e pele com melanina de menos para cavar uma vaguinha entre os 5 indicados a melhor coadjuvante (quem mandou escalarem um anão, digo , um ator verticalmente diferenciado, para um papel em que esta sua característica física é irrelevante?).

Daniel Kaluuya merecia ganhar o Oscar de melhor ator, por Judas e o Messias Negro.
Porque é negro, porque o filme sobre os Panteras Negras é militante, alinhado com o zeitgeist do ano do Black Lives Matter?
Não. Porque sua interpretação foi arrebatadora!
Cinematograficamente arrebatadora.
Porém, ele nem concorre nesta categoria, e quem irá ganhar será o falecido Chadwick Boseman, por A Voz Suprema do Blues.
Merece vencer na categoria em que está concorrendo, ator coadjuvante, apesar de que, se o Oscar fosse justo, este prêmio teria que ir pra casa do nosso inesquecível Tyrion Lannister

Daniel Kaluuya , Judas e o Messias Negro.

One Last Thing:
Se você chegou até aqui, é porque gostou deste post.
Nunca te pedi nada, mas faz uma coisa por mim?
Assista a Professor Polvo, na Netflix.
É o único concorrente que eu estou realmente torcendo pra vencer no Oscar este ano, na categoria melhor documentário.
E, se após assistir, você também nunca mais comer um prato com este adorável bichinho, te serei eternamente grato …

Gui

Sou o Gui. Fiz arquitetura, pós em marketing, MBA em comércio eletrônico. Desde criança , quando adorava ler Julio Verne, eu gosto de explorar, descobrir novidades. Aqui no Papodeboteco vou conversar contigo sobre descobrir como podemos explorar nosso tempo livre.

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4 Comentários

  1. Muito bom! Eu acho que o Oscar tem outro problema: só premia o que passa em salas de cinema. A Netflix coloca alguns filmes no cinema só para não ficar de fora da premiação. Uma malandragem. Em tempos de streaming, o Oscar começa a perder o sentido. Por mim, deveriam fundir o Oscar com o Emmy.

    1. Oi, Arnaldo.
      Este ano, por conta da pandemia, abriram as regras pra concorrentes que so passaram em streaming.
      Acho que o filme que mais “perdeu”, por não ter sido visto na tela grande, foi o Mank.
      Ele foi formatado pra sala de cinema, até porque a fotografia emulou propositalmente a do Cidadão Kane.

  2. Bom rever o Arnaldo depois de tantos anos!!!
    Não sou cinéfila, mas aprecio sem moderação a sétima arte. Sobre o “Oscar”: quantas vezes Ennio Morricone foi indicado? Chegou a perder o Oscar p “arranjos de música já existente”!!!! Claro, perdeu p um norte-americano. Ser italiano é defeito p a academia, mesmo q vc seja Ennio Morricone, que colecione, às dezenas, os prêmios europeus. Ganhou (acho q 2007) pelo conjunto da obra. Qdo viram q ele já tinha passagem marcada p o além, finalmente deram-lhe um Oscar -2016 (nem achei q fosse a melhor trilha sonora dele mas como explicar qEnnio Morricone passaria por esta vida sem levar uma estatueta?). Seria assinar com firma reconhecida q Oscar foi feito para norte-americanos e ponto final.
    Alguém se lembra de alguma trilha de faroeste q não seja dele? Qtos filmes q ganharam Oscar de “melhor filme estrangeiro” (italianos) tinham a trilha sonora de Ennio? E qtos filmes americanos ganharam o prêmio máximo tendo marcante trilha sonora dele? Melhor que Oscar é ser gravado por Yo-Yo Ma. Isto sim é reconhecimento.
    Abraços 🤗

  3. Ótimo post, Guilherme. Infelizmente, tenho visto mesmo essa questão de representatividade passar por cima de análise qualitativa. Esse ano foi até curioso, porque filmes com representatividade negra bons de verdade esse ano não foram esses indicados, teatrais demais na minha opinião (se bem que não vi ainda “Judas”), foram o da série Small Axe da BBC, antologia do Steve McQueen (que está mil vezes melhor que em 12 Anos de Escravidão) sobre imigrantes caribenhos no Reino Unido nos anos 1970, principalmente os longas “Mangrove” (que achei melhor que Os 7 de Chicago, com um tema semelhante) e “Lovers Rock” (que me fez dançar aqui no quarto, com uma mega nostalgia). Mas esses permaneceram como filmes de TV e não se habilitaram para o Oscar. Se não viu, não perca, estão disponível no Globoplay!

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