Economia

O nível certo de inflação

A coluna de Alex Ribeiro, ontem, no Valor, traz a visão do ex-diretor do Banco Central, Sérgio Werlang, a respeito da meta de inflação de 3%. Segundo Werlang, esta meta seria muito baixa, incompatível com o problema fiscal brasileiro. Outros países emergentes, que adotam a mesma meta, não teriam o nosso nível de dívida e déficit, e uma inflação mais alta seria a maneira de “queimar” essa dívida. Na verdade, Werlang fala explicitamente em reduzir os salários dos funcionários públicos via inflação, uma vez que é constitucionalmente ilegal reduzir salários no Brasil.

Bem, esse raciocínio está errado de três maneiras.

A primeira e mais óbvia é encontrar o nível de inflação que seja suficiente para sustentar o nosso déficit. Afinal, por que, digamos, 4,5% seria uma inflação melhor do que 3%? Por que não 6% ou 10%? Werlang acusa o governo de ter reduzido a meta de inflação sem mostrar um estudo convincente sobre a adequação da meta. Pergunto: onde está o estudo que demonstra o nível “ótimo” de inflação no Brasil?

Pra falar a verdade, esse nível é até fácil de calcular. Tudo o mais constante, se o déficit hoje é de 2% do PIB e precisamos gerar um superávit de 1% para estabilizar a dívida, uma inflação de 3% resolveria o problema, desde que todos os gastos do governo permaneçam congelados.

Aí é que está o problema, e que nos leva à segunda falha no raciocínio. A inflação resolve o problema do déficit no primeiro momento. Como se trata de um jogo continuo, os agentes econômicos (funcionários públicos incluídos) aprendem e exigem a reposição da inflação em seus ganhos no momento seguinte. Assim, seja a inflação de 3%, 4,5%, 10% ou 100%, se permanecer constante neste nível, já não tem efeito sobre a dívida pública, pois os gastos do governo acompanham a inflação.

Qual o truque então? Produzir surpresas inflacionárias. Uma inflação que os agentes econômicos não estavam esperando. Assim, o que queima dívida pública de maneira permanente não é a inflação, mas uma sucessão de surpresas inflacionárias.

Poderíamos recordar os tempos da hiperinflação brasileira para ilustrar o ponto. Naquele tempo, a inflação não só era altíssima, como dava saltos de tempos em tempos. Era a única forma de queimar o déficit público. Mas não precisamos ir tão longe. A gestão de Tombini frente ao BC nos deu um exemplo mais próximo de como isso funciona. Na época, a meta de inflação era de 4,5%, a qual, segundo Werlang, seria mais adequada para um país como o Brasil. No entanto, a condução leniente da política monetária fez com que a inflação ficasse constantemente acima da meta, sempre próxima do teto de 6,5%. No início, quando o BC tinha alguma credibilidade, o truque funcionou. Inflações mais altas eram verdadeiras surpresas em relação à meta que supostamente estava sendo perseguida pelo BC. Com o tempo e a repetição do jogo, os agentes aprenderam que aquela meta era fake e ajustaram as suas expectativas para cima. Resultado? Foi necessária uma inflação ainda mais alta para surpreender os agentes. Em determinado momento, a inflação explodiu na cara de todo mundo, ultrapassando de longe o teto da meta. Esta é a lógica do jogo, independentemente da meta de inflação.

Portanto, o nível da meta pouco importa. Se o problema da dívida e do déficit públicos não forem resolvidos, qualquer inflação será sempre insuficiente. Aliás, causa-me espécie que economistas bem formados ainda advoguem pela inflação como “solução” para o déficit público. Inflação não é solução para nada, é apenas a febre que indica a presença de uma infecção.

Isto nos leva à terceira falha no raciocínio. A surpresa inflacionária não somente “queima” déficit público. Ela serve também para desorganizar a vida da sociedade e dificultar investimentos, prejudicando o crescimento econômico no longo prazo. Muitas pessoas pensam que um pouco mais de inflação é justificável para manter o crescimento econômico e a criação de empregos. Apesar de esta relação ser verdadeira no curto prazo (são os ciclos econômicos), no longo prazo o controle da inflação permite um crescimento maior e mais estável.

E não custa lembrar que a inflação é o mais pernicioso dos impostos, tributando os mais pobres (que não têm como se defender) para transferir recursos que financiam o déficit do governo. O controle do déficit público que permite uma inflação mais baixa ao longo do tempo é o programa mais potente de distribuição de renda. O resto é populismo barato (ou caro).

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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