Opinião

Existe discriminação contra feios?

Um texto da Folha intitulado Preconceito contra os feios ganha nome e pode ser alvo até de proteção legal, me inspirou e terminei gestando esse artigo.

Em nossa sociedade existe mais uma minoria (ou será maioria?) que está ganhando destaque na mídia: o grupo dos feios, que são alvo de discriminação em várias áreas incluindo processos seletivos de empresas, clientes diante de vendedores, relacionamentos em geral etc.

Em inglês isso é denominado lookism. Em português, seria aspectismo, em uma tradução questionável.

Isso levado ao extremo, se constituiria a unatractifobia, que é o pavor a pessoas feias.

Outros entram nesse território sem problemas. O tatuador Michel Prado, conhecido como Diabão fez diversos procedimentos, o último deles foi extrair um dedo.

Reprodução: Instagram
Literalmente infernal

O que os estudos dizem

Racionalmente pessoas feias deveriam ter as mesmas oportunidades, mas nossa sociedade vai muito além do racional.

Um estudo finlandês constatou que um aumento de um desvio padrão em uma certa medida de beleza está associado a um aumento de 20% no número de votos para o candidato parlamentar, isolada de outras variáveis (A aparência de um vencedor: beleza e sucesso eleitoral – 2010).

Um outro estudo de pesquisadores holandeses analisou empresas de publicidade holandesas e descobriu que aquelas com executivos mais bonitos faturam mais (Sucesso nos negócios e o efeito da beleza – 2000).

Uma pesquisa conduzida na Alemanha verificou que a distribuição de salários entre homens e mulheres é sim influenciada pelo quesito beleza (Mito ou fato? O prêmio de beleza em toda a distribuição de salários na Alemanha – 2015).

Existe um antigo estereótipo que infere que O que é bonito é bom, que nasceu de um artigo seminal norte-americano de 1972. Esse artigo descreve como uma pessoa tida como bonita é mais fácil ser vista como uma pessoa bem resolvida. de bom caráter etc, o que não é verdadeiro na prática.

Como conta o ditado: Por fora bela viola, por dentro pão bolorento. Em suma, pessoa bonitas enganam as outras mais facilmente, em diversos aspectos da vida.

Como ligeiro contraponto, um estudo norte-americano antigo, mas muito citado, é  Quando a beleza atrapalha (When the beauty is beastly). Esse estudo de 1979 conclui que a beleza favorece ambos os sexos em uma corporação, mas, no caso das mulheres, só para cargos que não envolvam liderança, e que nesse caso, a relação se inverte.   

Um estudo norte-americano mais novo (Revisitando ‘Quando a beleza atrapalha’ – 2016)  confirma esses achados, mas só para cargos de liderança normalmente associado a homens. (Sim, é machismo, ele existe ainda, já que não acaba por decreto).

A visão intuitiva de que a maioria dos homens dá mais importância à percepção de beleza física do que as mulheres é um ponto confirmado por diversos estudos, como descrito no artigo A beleza está na mente de quem vê (2011) da Association for Psychological Science.

Apesar desse tipo de estudo parece estar se tornando tabu no meio de acadêmico, movido por agendas politicamente corretas; de fato, tudo indica que a chance de uma pessoa tida como bonita pela média das pessoas ter mais sucesso que o resto das pessoas; é mais elevada.

Algo nessa percepção é uma retroalimentação: em uma métrica de sucesso é difícil separar a beleza de outros atributos conquistados a partir dela (ou seja, em virtude de todo o histórico da pessoa). A pessoa mais bonita tende a ser mais autoconfiante, ter melhores relacionamentos sociais etc. Tudo isso apoia-a depois para ter mais chances na vida.

Também acontece o contrário: tendemos a achar mais bonitas do que no início as pessoas sobre as quais passamos a ter maior afinidade. Enfim, nossa percepção é algo dinâmica.

Beleza tem uma pegada evolucionista

Os atributos humanos que estão associados à beleza têm uma marcada conexão com o instinto de procriação da espécie, sob o ponto de vista evolucionista.

A visão evolucionista da psicologia das pessoas é chamada da psicologia evolucionista e pode ser considerado uma vertente da psicologia social (que foca o comportamento, atitudes e motivações do ser humano “médio” na interação com a sociedade e outras pessoas), que trata os mesmos pontos da psicologia social, conectado aos processos de seleção natural atuando na raça humana.

Essa visão (da qual sou simpático) é, em geral, politicamente incorreta. Ela defende que o homem é ainda um pouco daquele troglodita da idade da pedra, algo disfarçado com um verniz de cultura que emana da sociedade moderna.

Um bom livro para introduzir esse enfoque já começa com um título provocativo: Why Beautiful People Have More Daughters (2007), livro foi escrito por Satoshi Kanasawa (o autor se envolveu depois em polêmicas idiotas ao escrever artigos preconceituosos, mas isso não invalida o cerne da psicologia evolucionista) e Alan Miller, psicologo social falecido em 2003.

Why Beautiful People Have More Daughters
Livro muito interessante de 2 PhDs, todo referenciado

Em português, o título ficou sem pé nem cabeça: Por que homens jogam dados e mulheres compram sapatos?

Psicologia evolucionista é desprezada pela esquerda

Existem 2 falácias ligadas ao tema muito comuns.

A falácia naturalista, termo cunhado pelo filósofo inglês George Moore no início do século XX, tenta fazer o salto do ser para o dever ser. Em resumo, ela defende que o que é natural é bom, ou seja, se a natureza nos fez de um jeito, é assim que devemos ser ou agir.

Afirmações do tipo “A natureza projetou os homens para competir e as mulheres para amamentar, assim as mulheres devem ficar em casa para cuidar dos filhos e deixar a política para os homens”. Ideias assim são afirmativas típicas de setores ultraconservadores e se origina de teses que têm um certo fundo de verdade como pretexto para tentar impor ou justificar atitudes e comportamentos.

O que é não deveria ser, uma vez que o ser humano não é 100% determinado pela genética.

Existem fatores culturais e ambientais fortes que não nos aprisiona em um determinismo tacanho. A genética é uma força motriz importa, mas o ser humano vai muito além disso.

Outra falácia recorrente, essa comum no meio da esquerda, é a dita falácia moralista, termo de Bernard Davis, microbiológico de Harvard, na década de 70 . Essa falácia tenta fazer o salto oposto: do dever ser para o ser. Ou seja, o que é bom é natural, ou seja, corresponde ao que existe de fato.

Um exemplo seria frases como “homens e mulheres devem ser tratados de forma igual, portanto são iguais, e qualquer estudo que aponte diferenças é falso”. Infelizmente, essa linha de pensamento, com diversas nuances, encontrou grande eco no meio acadêmico moderno.

Entretanto, quase nada é 100% determinado pelo ambiente e o homem não nasce como um livro em branco. Então conceitos morais e éticos, seja quais forem, não apagam uma boa parte do que somos desde o nascimento.

Dito isso, fica óbvio que boa parte da psicologia evolucionista é execrada por setores da esquerda, porque eles tentam, de forma inconsciente, por vezes, achar que prescrições morais invadem o campo da biologia.

É verdade que muitas das teses da psicologia evolucionista são estereótipos, que podem resvalar para machismo e outras coisas. No entanto, esses conceitos não devem ser encarados como prescrições, nem generalizações. Trata-se de uma força motriz que atua e deve ser considerada, mas não é a única.

Somos individualmente muito mais complexos e múltiplos do que nossos genes nos legaram.

Atributo de beleza à luz da evolução

O capítulo 3 do livro citado acima é intitulado Barbie, fabricada pela Mattel, projetada pela evolução.

Nesse capítulo os autores descrevem que na chamada idade da pedra, sem querer generalizar, e com reflexos até hoje, homens tendem a buscar mulheres que pareçam mais férteis.

Para entender melhor o conceito, temos que nos imaginar na idade da pedra (e seus reflexos inconscientes até os dias de hoje) e não no contexto cultural da nossa sociedade moderna.

O que significa parecer mais fértil? Os tópicos abaixo foram embasados por dezenas de estudos (em uma época que eram menos restritos pela ditadura do politicamente correto) que são referenciados no livro e tudo isso tem que ser vistos sob o prisma de 20 mil anos atrás ou mais.

  • Juventude: quanto mais jovem, maior a prole que a mulher pode ter, na sua vida útil reprodutiva.
  • Cabelos compridos: na época, cabelos longos com boa aparência, trazem mais chance de boa saúde e, portanto, melhor fertilidade.
  • Cabelos loiros: denotam juventude, porque cabelos tendem a escurecer. Obviamente isso só vale para locais onde eles eram comuns de ocorrer, hoje temos a tintura…
  • Rosto: deve estar próximo a média das pessoas e não muito diferente. Novamente, isso varia muito conforme as características locais.
  • Cintura fina em relação aos quadris: denota melhor fertilidade e saúde.
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Espartillho: Surgiu no século XVI. Ajuda a manter a cintura fina
  • Simetria: está ligado à saúde.
  • Seios grandes: não se sabe exatamente porque, mas há 2 teorias; a primeira é que esse atributo na época do tacape ajudava a aparentar juventude, se eles não estavam caídos, mas há a hipótese de estar relacionado com maior fertilidade.

Parece que o peso em si não era tão importante, até mesmo porque a dieta e oscilação da oferta de alimentos não dava tanta margem para pessoas magras e as mulheres se exercitavam menos que os homens.

Vênus von Wilendorf (Entre 22 e 24 mil anos atrás)

Já as mulheres buscam também homens bonitos, mas os parâmetros são um pouco diferentes e não tão estritos. A questão da fecundação já não é tão relevante: os atributos precisam transmitir força, segurança, inteligência e experiência, porque nessa sociedade tradicionalmente as mulheres cuidavam da prole e os homens saem para caçar. Então juventude não é mais tão importante, mas forma física e altura ganham destaque.

Obviamente, a origem desses elementos está muito longínqua no tempo, mas sua força ainda está entre nós.

Cumpre ressaltar que está se destacando aqui apenas a atratividade sexual, geneticamente voltada à procriação da espécie.

Mesclando os genes com questões culturais, diferentes idades tem distintos padrões de avaliação de beleza, tanto do ponto de vista de atratividade quanto no sentido de apreciação estética.

Do ponto de vista cultural, que se sobrepõe à camada evolutiva, a visão de beleza teve uma larga variação ao longo da história.

Artistas como Ticiano, Rembrandt e Rubens retrataram a mulher ideal como voluptuosa e redonda. Vênus, a deusa da beleza, era tipicamente retratada com um rosto redondo e um corpo em forma de pera.

santa maria madalena, 1567 por Tiziano Vecellio (Titian) (1490-1576, Italy) | Reproduções De Arte Tiziano Vecellio (Titian) | WahooArt.com
Ticiano: Santa Maria Madalena Penitente (1560-1565 )

A partir do final do século XIX, isso começou a mudar, emagrecendo o modelo ideal da mulher nos principais países do ocidente, e até hoje emergiram várias tendências, não necessariamente mainstream ou universais.

Feiura no mundo real

No meu entender, mesmo com toda boa vontade do mundo, esse é uma questão meio sem solução.

Primeiro, porque a beleza (apesar de ter alguns parâmetros comuns, que dependem de cada sociedade) está nos olhos de quem a vê, então é virtualmente impossível estabelecer um critério objetivo de feiura.

Mesmo que assim fosse por algum algoritmo de machine learning, quem iria querer uma carteirinha de feio para ter acesso a cotas, descontos etc.? Talvez apenas as pessoas assumidamente feias, o que não é tão comum.

Segundo, porque a discriminação citada acima em vários campos da vida não pode ser regulada por lei, nem que isso fosse desejável.

E, finalmente, as pessoas estabelecem relações com outras pessoas por critérios absolutamente individuais e subjetivos, dentre os quais, a percepção de beleza do possível parceiro(a) atua como um fator, que pode assumir diferentes pesos conforme cada indivíduo.

Isso vale para tudo. Por exemplo, por mais que obesos se sintam plenos com sua escolha e afirmem que não querem mudar, não dá para ignorar que a obesidade, na maior parte das sociedades modernas, tende a atrapalhar os relacionamentos, em especial os relacionamentos amorosos, devido à escassez relativa de opções, quando comparado às pessoas não obesas.  

A coisa pode ser tão complicada, que existe até um site de relacionamento bem conhecido só voltado para pessoas feias: The Ugly Bug Ball , que seria bola de inseto feia, em tradução livre.

Modelo corajosa se assumindo para a capa do site.

A busca pela beleza pode ser cara

Finalmente, a busca pela beleza pode levar a exageros e sacrifícios enormes, como pessoas que se submetem a dezenas de procedimentos cirúrgicos.

Andressa Urach (Foto: Editora Planeta / Reprodução | Instagram)
Andressa: antes e depois das 14 cirurgias via Instagram

Andressa Urach fez 14 cirurgias plásticas antes de entrar em coma por uma intervenção para colocar hidrogel em 2015. Depois fez mais 22 cirurgias para remoção dessa substância.

Há intermináveis exemplos do que pode vir a ser uma obsessão.

Existe até uma síndrome, chamada dismorfia corporal, que se estima atingir cerca de 2% da população, onde o doente se imagina eternamente imperfeito e, muitas vezes, ele busca solução para essas imperfeições, que passam por diversos procedimentos ou providências.

Um exemplo conhecido é a socialite suíça Jocelyn Wildenstein, de 79 anos, estima já ter gasto mais de 4 milhões de dólares em tratamentos estéticos e plásticas. A ex-modelo inglesa Alicia Douvall, de 40, chegou a perder boa parte do movimento do rosto após se submeter a mais de 350 cirurgias.

Pelo efeito holofote, onde a pessoa se julga observada e julgada por todos, ela acha que uma pequena imperfeição, como uma pequena mancha ou um nariz um pouco maior, vai ser percebido como um grande defeito por um monte de gente.

Então, o que pode ser feito diante disso?

A única coisa que vale dizer é que as pessoas deveriam se conscientizar que a correlação entre beleza e boas qualidades é, de modo geral, falsa, e isso pode levar a terríveis enganos e até a casamentos fracassados. 

Esse estereótipo é bastante alimentado em muitos filmes e séries, especialmente os mais antigos.

Os mocinhos dos clássicos de Hollywood quase sempre têm boa aparência.

Liga da Justiça: Retorno de Henry Cavill como Superman é provocado em nova imagem dos bastidores - Combo Infinito
Rosto simétrico e harmônico, alto e musculoso.

Já os personagens ruins (bad guys) dos filmes pipoca têm  usualmente uma aparência tenebrosa, como mostra a ilustração base do artigo.

Não podemos mudar como a sociedade como um todo lida com isso. No entanto, podemos nos conscientizar para separar as coisas. Beleza é uma coisa, o resto é o resto. Não se pode misturar as estações.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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