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PROTESTO DE PIRRO

Vejo em minha bolha muitos amigos dizendo que se absterão de votar ou votarão nulo ou em branco em um eventual segundo turno entre os dois candidatos que lideram as pesquisas para a presidência deste país. A minha conjectura dessa observação anedótica é que os eleitores adotam essa postura para protestar contra opções que lhes são inaceitáveis.

Em razão da configuração de nosso sistema eleitoral, neste texto argumento que se trata de um protesto sem materialidade, pois não resulta em um rol de candidatos em haja, ao menos, um candidato aceitável. Em segundo lugar, dado que a conduta de um eleitor gera externalidade aos demais, sugiro uma racionalidade para a escolha dos candidatos, ainda que eu esteja desesperançado de sucesso e consciente da legitimidade democrática de o eleitor agir como lhe aprouver.

Reforço de antemão que cada um tem o direito de votar em quem quiser ou não seria democracia. Porém, o voto (ou não voto) de um interfere na vida dos outros; essa externalidade, julgo, permite o questionamento das escolhas eleitorais. Acredito que isso seja a razão da existência de campanhas eleitorais.

VOTO NULO, VOTO EM BRANCO E ABSTENÇÃO: ORIGENS

Vamos estabelecer a diferença de voto nulo, de voto branco e de abstenção na versão mais primitiva das opções.

Quando vota nulo, o eleitor quer expressar sua indignação com o rol de candidatos, dizendo que não aceita nenhum deles e que deveria haver outra eleição. É o voto de protesto. Se o voto nulo fosse considerado válido, uma eleição com mais de 50% de nulos poderia ser refeita (a depender da legislação, poderia ser refeita até com menos de 50%, claro).

Quando o eleitor escolhe o voto em branco, quer passar a mensagem de que não consegue escolher nenhum dos candidatos disponíveis, mas aceita o resultado que os outros eleitores escolherem. É considerado o voto do conformismo. Por isso, desde 1988 o voto em branco é considerado inválido e excluído da conta de proporcionalidade de votos. Anteriormente, esse voto brasileiro somava-se aos votos do candidato vencedor.

A abstenção é mais difícil de classificar, até porque pode ocorrer por questões de doença; pode tanto significar protesto como conformismo. Pessoalmente, eu entendo que a abstenção em regime de voto obrigatório tem um caráter de protesto, logo deveria ter o status de voto nulo; em regime de voto voluntário, é difícil dizer seu caráter, por isso deveria ter o status de voto em branco.

VOTO NULO, VOTO EM BRANCO E ABSTENÇÃO: PRESENTE

Neste país, o legislador subtraiu essa opção democrática de protesto do eleitor, equiparando o voto nulo ao voto em branco, embora signifiquem opções completamente diferentes. Foi assim que percebi por que meu amigo Paulo Buchsbaum pode estar equivocado em defender o voto nulo no seu excelente texto publicado aqui.

A questão é a seguinte: as opções para a presidência da república são repugnantes para boa parte, quiçá a maioria, dos eleitores. Se pudessem expressar seus desejos, prefeririam escolher entre um rol diferente de candidatos, mas simplesmente não podem. De fato, não vivemos numa democracia plena, pois aqui:

  1. O voto é obrigatório;
  2. Nulo + abstenção = branco;
  3. A representação dos eleitores não é proporcional;
  4. Etc.

A Constituição de 1988, dita cidadã, poderia ter corrigido essas ignomínias, mas preferiu ser o lixo que é, e os legisladores que se seguiram foram incapazes de limpar o que fora engendrado, chafurdando enfim na mesma lama.

O CONFORTO DA FALÁCIA QUE JUSTIFICA TUDO (E NADA)


Aprendi que o voto requer escrutínio. Sempre me disseram para avaliar as características do candidato e suas propostas para decidir o voto; e acho que essa é a regra geral de sociedades democráticas. Jamais me disseram para não escolher um candidato. Contudo, por vezes, não há como escolher entre melhores, mas o menos pior, daí a tendência crescente à abstenção, conjecturo, estimulada pelo baixo custo de abstenção.


Entretanto, tenho visto amigos tentando justificar o voto em branco, nulo ou abstenção, dizendo que sua opção não mudaria o resultado da eleição, estatisticamente falando. É verdade. Mas nenhum voto muda, né? Daí que se trata de um argumento que justifica tudo, e creio ser conceitualmente falho. Vejamos.

Primeiro, o argumento presume que quem vota é um parvo, eis que o voto individual de ninguém (dificilmente) muda a eleição. Segundo, sendo assim, a democracia é inviável, vez que o voto de ninguém muda a eleição, de modo que ninguém deveria votar! Terceiro, e pior, levada a sério, essa conduta incentiva grupos minoritários a se organizarem para tomar o poder (claro que ninguém acha que isso poderia ser verdade, né?!) legitimamente pelo voto, se a grande maioria dos eleitores se abstiver de votar, pois não mudam a eleição. Contudo, é exatamente pela repulsa do autoritaritarismo da minoria que estimamos e apoiamos a democracia como forma de expressão da maioria. De fato, é exatamente essa ameaça presente no próximo pleito presidencial que sugere a importância de não se abster.

A constatação estatística talvez seja uma contradição da democracia, mas observa-se que as pessoas não creem que seu voto não muda a eleição, ou só (a) minoria(s) votaria(m). Isto é dizer, como boa parte dos eleitores vota, suspeito que o voto seja uma questão moral e ética em vez de ser uma questão estatística. Com efeito, nem sempre temos um candidato que espelhe nossas convicções e expectativas; daí ser necessário, preferencialmente, estabelecer critérios objetivos de escolha.


Ainda, o argumento de desimportância do voto é inválido por causa do ponto b. Como voto em branco, nulo e abstenção têm o mesmo status de voto inválido, quem não escolhe um dos candidatos está, efetivamente, votando e favorecendo o candidato vencedor. Ou seja, o eleitor, além de ser obrigado a comparecer às urnas, obrigatoriamente vota mesmo se não comparecer, porque fica mais fácil obter 50% + 1 dos votos válidos. Por isso, suspeito que não escolher um candidato é uma ilusão agradável e confortável, que traz uma paz de espírito ao eleitor que assim procede, até emocionante de ver.

VOTANDO

O voto em branco, nulo ou abstenção é uma opção até palatável quando o rol de candidatos sugere avanços em qualquer opção, mesmo que seja um mais pela direita e outro, mais pela esquerda. Por exemplo, difícil dizer ex-ante que, entre McCain e Obama, ambos representavam retrocesso.

Ora, é justamente quando os candidatos são opostos em termos de perspectivas ou ambos sugerem retrocessos que me parece mais racional evitar o mal maior e adotar um critério de escolha um deles. Daí que vejo esse tipo de protesto como sendo sem propósito material, sem possibilidade de um resultado de impacto.

Pensando nisso, sugiro adotar critérios legais e/ou baseados em evidências, para decidir-se entre um candidato ou outro. Na medida do possível, sugiro o afastamento dos critérios mais subjetivos, para evitar que um político simpático tenha mais chance de ser eleito que um político competente. Veja o caso do Suplicy: simpático e tão incompetente na sua função de senador e vereador como fora o PR enquanto deputado federal, mas julgam o atual vereador de São Paulo um bom político. É estupefaciente! E quem acusa o ex-deputado de incompetente, vota(ou) ou votaria no ex-senador, cuja produção legislativa é basicamente nula e, no Senado, muitas vezes contrária aos interesses de São Paulo.


Entendo que o problema, para alguns eleitores, de adotar critérios objetivos é gerar resultados que lhes são inaceitáveis. Conjecturo que é por isso que adotam critérios mais subjetivos, em geral fundamentados em narrativas. Acreditam-se objetivos, mas, inquiridos, suas respostas acabam sendo escamoteios da realidade. Por exemplo, quem é oposição ao atual presidente, costuma justificar seu voto no ex-presidiário alegando a rachadinha do filho do Presidente (sem provas de sua participação ou existência de réu ou processo sobre o caso) ou discursos antidemocráticos (sem conseguir apontar uma medida sequer nessa direção). O curioso é que o ex-presidiário adotou condutas, comprovadamente, antidemocráticas com muito mais intensidade. Logo, a contradição está em usar um critério para não votar, mas não usar o mesmo critério para sua escolha de votar.

Quando se adota uma percepção subjetiva das coisas, a sensação de conforto parece justificar a opção. De fato, suspeito que a discussão objetiva simplesmente assusta esse eleitor, pois tende a mostrar que suas convicções são inconsistentes com o que acham de si mesmos. O que surpreende, de certa forma, é que alguns eleitores acostumados com avaliações objetivas prefiram esse caminho na hora do voto; mas, acho que isso caracteriza o ser humano.


Esclareço e reforço: votar no pior candidato, considerando critérios objetivos e razoáveis socialmente aceitos, ou votar em nenhum candidato é totalmente legítimo, afinal a percepção do eleitor mediano pode estar distorcida e seu voto pode ser um erro, caso também aceitável.

 
Contudo note este experimento mental: considere inaceitável um candidato condenado criminalmente exercer um cargo público. Trata-se de algo bem razoável e socialmente desejável e consensual.


(Imagino que esse critério possa ser estabelecido por qualquer eleitor, mas acho mais provável entre os eleitores com mais escolaridade.)


Na nossa realidade, haveria somente uma escolha no segundo turno, considerando os dois líderes da pesquisa do momento. É justamente aí que os eleitores mais esclarecidos defrontam-se com suas percepções subjetivas e se assustam com si mesmos. A antipatia do eleitor escolhido por esse critério revela sua inconsistência sensorial. Um viés comportamental, pode-se dizer; conjectura minha que carece de evidências comprovadas, claro.

Os critérios estariam errados? Ou esse eleitor estaria errado? Ou ainda, há algum erro nisso?


Quando esse fenômeno acontece, basicamente a razão vai para o buraco. Nenhum argumento lógico funciona mais, mesmo quando se diz que o sujeito de uma forma ou outra está votando no outro candidato que objetivamente também não o agrada.


No caso deste país, a menos de antipatia pessoal, aposto que inexiste critério ou critérios razoáveis, morais, éticos e socialmente aceitos que sugiram a escolha de um ex-presidiário. (Inteligência é um critério, mas alguém aí viu o teste de QI dos candidatos?) Só por isso, os potenciais candidatos do segundo turno já deveriam ser incomparáveis. Aliás, a rigor, nem deveria existir no segundo turno com um ex-presidiário não absolvido; mas existe porque o eleitor mediano talvez não seja tão sofisticado assim.


É claro que usando critérios subjetivos ou mesmo aleatórios, justifica-se qualquer escolha, mesmo uma que potencialmente prejudica o próprio eleitor. O meu espanto é o eleitor mais sofisticado não usar de objetividade para escolher um dos candidatos como sempre ouviu falar e aprendeu. Nesse caso diria que a antipatia “figadal” ou ideologia obscurece a razão, talvez com uma pitada de dissonância cognitiva.


Não importa, a subjetividade da escolha pode significar o prenúncio do caos. Nada disso sensibiliza o eleitor que escolhe votar no pior candidato sob critérios socialmente razoáveis, em branco, nulo ou abster-se. Tenho dificuldades para entender por que isso ocorre. Por quê?

CONCLUSÃO

Talvez seja a subjetividade da escolha que prevaleça no voto. Se for, usar argumentos supostamente racionais para justificar sua escolha parece-me contraditório e impreciso.

Rodrigo De Losso

Rodrigo De Losso tem Ph.D em Economia pela Universidade de Chicago e é professor do Departamento de Economia da USP. A ideia aqui é mostrar como teoria econômica pode ser aplicada a temas do cotidanos, às vezes polêmicos, sem deixar de falar dos outros assuntos que o interessam com música, vinhos, literatura, cinema e política.

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4 Comentários

  1. Parabéns por, de forma clara, incentivar quem quer anular o voto a se decidirem pelo atual presidente. Até pq ele, ainda, não é um ex-presidiário.

  2. Que texto! Gostaria de tê-lo lido ontem. No entanto, começar a semana com essas palavras, me parece promissor! 🙂

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