De acordo com o Worldometers, o Brasil atualmente já é o 14⁰ país em óbitos por milhão do mundo.
No entanto, essa visão é enganosa, porque a população aqui tem um perfil muito mais jovem do que a Europa, portanto a letalidade incidente é bem mais baixa.
Desse modo é natural que a Europa, com um pirâmide populacional achatada, tenha um número de óbitos por milhão elevado, de forma comparativa a outros países, caso não seja aplicado nenhum fator de correção.
Ao coletar os dados de óbitos por faixa etária no Brasil , obtém-se a taxa de óbitos por milhão de habitantes por faixa etária e aplica-se essa métrica (óbitos por milhão por faixa etária), em cada faixa etária da população da Europa como um todo, obtendo-se o número de óbitos hipotéticos que teríamos se a população brasileira tivesse a pirâmide etária europeia.
Na conta abaixo, todas as métricas são corrigidas para a base de valor do Worldometers:
Óbitos por faixa etária / Número de habitantes por faixa etária no Brasil * Número de habitantes por faixa etária na Europa
Fiz o mesmo com o México e Peru. Para os EUA gerei, de forma simplificada, um fator de correção, a partir da diferença de projeção do Brasil para os EUA e Europa, só para se ter uma ideia. No caso de Argentina e Chile, usei o mesmo fator do Brasil como aproximação. Para a Colômbia e a Bolívia usei o mesmo fator do Peru.
Verifiquei que nenhum país fora dessa lista ameaça as 10 primeiras posições do planeta, nem a Índia, que está vivendo um recorde de casos diários em termos absolutos. O mesmo vale para Filipinas, Indonésia, África do Sul, Iraque, Irã, Bangladesh ou Paquistão
Após esses cálculos, o Brasil fica hoje em segundo lugar dentre todos os países do mundo e ultrapassará o Peru porque os óbitos aqui estão acontecendo em ritmo mais intenso, de forma relativa.
Para quem quer auditar os cálculos, no final do post dou todos os números que eu usei para projetar os óbitos do Brasil para o perfil de idade da Europa.
Ranking de óbitos novos por milhão
O Brasil (sem correção por fator de faixa etária) é hoje o 8⁰ país do mundo em óbitos novos por milhão de habitantes, sendo que média móvel de óbitos está artificialmente baixa porque o registro de óbitos em feriados é prejudicado.
Os 10 primeiros países do mundo atualmente em novos óbitos por milhão, incluem 4 países da América Latina e 6 países da Europa Oriental .
O primeiro país dessa lista é o Belize (na América Central), seguido da Hungria, Bósnia e Uruguai. Com a correção do fator de faixa etária, o Brasil passa para 3⁰ lugar do mundo, só atrás de Belize e Uruguai.
Os países com mais óbitos por milhão por COVID-19
Dos 20 países com mais óbitos por milhão com correção por faixa etária; 8 são da América Latina, 8 são da Europa Oriental, 2 são micropaíses e mais a Bélgica e os EUA.
Quais são os culpados dessa liderança do Brasil?
Esse é um tema complexo. Não há uma resposta simples. Como tudo que importa na vida, há múltiplos fatores intervenientes. Não há um posição final e trata-se de um tema opinativo.
- Penso que o governo federal teve um papel relevante nessa triste colocação. Ele fomentou a desunião e a discórdia, sempre que pode; subestimou a COVID-19 e suas possibilidades de transmissão; não deu o devido foco a vacina (se não fosse a antes desprezada vacina chinesa, estaríamos na pior!), postergando decisões e negociações e deu um péssimo exemplo pessoal para seus fãs a partir de declarações e atos.
- Grande parte dos governos estaduais e municipais só se preocuparam em usar a pandemia como meio de ganhar dinheiro. Pouco foco em ações e muito foco em desvios.
- O péssimo nível cultural médio do brasileiro. Muitos hoje se “informam” quase apenas por redes sociais, aplicativos de mensagens e diz-que-me-diz. Isso vale, provavelmente, para boa parte da América Latina.
- As pessoas que evitam usar máscaras sempre que possível e praticamente não adotam qualquer medida de distanciamento social caem, de forma didática, em 3 grupos:
ㅤㅤa) Uma parcela da juventude que não enxerga muito risco para si,
ㅤㅤㅤ esquecendo-se dos parentes e amigos mais velhos;
ㅤㅤb) Pobres que não se podem dar ao luxo de seguir regras ou não
ㅤㅤㅤ acreditam nelas;
ㅤㅤc) Bolsonaristas que acham que a doença é mais para fracos, que boa
ㅤㅤㅤparte é invenção da mídia. Assim esse tipo de pessoa não
ㅤㅤㅤtoma, em geral, maiores cuidados. Quem pensa que estou
ㅤㅤㅤexagerando, saibam que conheço vários casos assim, direta ou
ㅤㅤㅤindiretamente, mesmo com alto nível cultural e sócio-econômico;
- As regras adotadas por estados e municípios não seguiram nenhum tipo de padrão razoável e envolvem restrições sem muito lógica, que, ainda assim, não eram fiscalizadas em grande parte (exceto em alguns núcleos de classe média para cima), e que as pessoas, em grande parte, ignoravam por convicção, por saturação ou por necessidade. O tempo excessivo de duração da pandemia faz diversas pessoas “relaxarem” demais.
Restrições em transportes coletivos, usualmente geram filas do lado de fora e aglomerações no interior dos mesmos, a despeito das regras. Horários limitados sem planejamento geram ainda mais aglomerações no curto espaço de tempo. Lembro-me de mercados muito lotados porque o fechamento era muito antecipado. Finalmente, fechar o comércio e toque de recolher, geram mais pobreza e desalento do que resultados práticos.
O fato é que quando há muitas restrições diferentes, sem prioridade e foco (todas igualmente importantes), as pessoas na média terminam adotando-as de forma muito limitada e tímida, quando muito.
Por exemplo, atividades ao ar livre sem aglomerações fazem bem para saúde, a despeito do terror das pessoas se contaminaram via aerossol e de muitas proibições que surgiram em vários estados.
- O sistema público de saúde brasileiro é péssimo há décadas e, com certeza, deve ter influenciado na quantidade de óbitos. O SUS em teoria seria a universalização do atendimento, na prática, é muito pior do que no papel.
- Faltaram campanhas governamentais de esclarecimento da população, em todos os níveis da administração pública. A população oscilava entre o terror, isolando-se quando a condição financeira permitia, ou ignorando, quer por não mensurar a gravidade , quer por não poder se permitir.
- Já as campanhas privadas eram muito alarmistas, fora um banho de notícias e previsões tétricas em todos os telejornais. De maneira geral a mensagem que sobrava era “Fique em casa”, o que é inexequível na prática. Muitos conhecidos meus seguiram lavando sistematicamente sacolas de compras, com medo de roupas e calçados na volta para casa e muito mais, quando o foco certamente não são superfícies contaminadas. Outros ficaram reclusos por meses (alguns até hoje) e muitas vezes terminavam pegando COVID-19 de algum parente ou amigo próximo que os visitavam (devido à proximidade prolongada). Muitos, por outro lado, como disse acima, diante de tantas recomendações, todas “primordiais”, optaram por não seguir quase nada….
- Não penso que a falta de tratamento ambulatorial (mesmo se esse funcionasse) fez diferença no Brasil, de forma comparativa a outros países.
Para quem quer auditar os cálculos
Tabela:
Cálculos:
Pop Europa p/ fx etária ajustado p/ W* (Col 3) =
ㅤㅤㅤㅤPop Europa p/ fx etária (Col 2) /
ㅤㅤㅤㅤTot Pop Europa p/ fx etária (Tot Col 2) *
ㅤㅤㅤㅤPop. Europa W (Final Col 3)
Pop BR p/ fx etária ajustado p/ W (Col 5) =
ㅤㅤㅤㅤPop BR p/ fx etária (Col 4) /
ㅤㅤㅤㅤTot Pop BR p/ fx etária (Total Col 4) *
ㅤㅤㅤㅤPop BR W (Final Col 5)
Óbitos BR p/ fx etária ajustado p/ W (Col 9) =
ㅤㅤㅤㅤÓbitos BR p/ fx etária (Col 8) /
ㅤㅤㅤㅤÓbitos BR p/ fx etária (Tot Col 8) *
ㅤㅤㅤㅤÓbitos BR W (Final Col 9)
Óbitos BR p/ faixa c/ pop e faixa etária da Europa (Col 10) =
ㅤㅤㅤㅤÓbitos BR p/ fx etária ajustado p/ W (Col 9) /
ㅤㅤㅤㅤPop BR p/ fx etária ajustado p/ W (Col 5) *
ㅤㅤㅤㅤPop Europa p/ fx etária ajustado p/ W (Col 3)
Mortes / Mi BR Ajustado p/ Europa (penúltimo campo da Col 10)=
ㅤㅤㅤㅤTotal Óbitos BR Ajustado p/ Europa (Tot Col 10) /
ㅤㅤㅤㅤPop Europa W * 1.000.000
Fator de Correção (último campo da Col 10) =
ㅤㅤㅤㅤMortes / Mi BR Ajust Europa (penúlt campo Col 10) /
ㅤㅤㅤㅤMortes / Mi BR W (último valor da Col 8)
(*) W é Worldometers
Dados:
- Worldometers:
https://www.worldometers.info/coronavirus/ - Pirâmides etárias do Brasil e da Europa: https://www.populationpyramid.net/
- Óbitos por faixa etária:
https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid
