Economia

Suco de PT

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, concedeu longa entrevista à jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globlo, publicada no dia 29/12. Um trecho dessa entrevista eu gostaria de comentar à parte, pois é o indicativo de muitas coisas. Trata-se de seu comentário a respeito da privatização da Eletrobras.

A jornalista Miriam Leitão pergunta se os “jabutis” que foram colocados no projeto de privatização da empresa seriam revistos. Haddad não responde à pergunta. Afirma apenas que “foi um erro” privatizar com os jabutis. Isso é óbvio. Claro que teria sido melhor privatizar sem os jabutis. Mas não é isso o que ele pensa. A continuação da resposta deixa claro que, para o futuro ministro da Fazenda, teria sido melhor não privatizar de forma alguma. Aliás, essa resposta vale por um tratado de como foi e de como será um novo governo do PT.

Haddad começa dizendo que a Eletrobras ”foi vendida por R$ 30 bilhões”. Está errado. Quem pagou R$ 26,6 bilhões (não R$ 30 bilhões) para o Tesouro foi a própria Eletrobras, em um processo chamado de “descotização”. Rapidamente: em 2013, a Eletrobras foi obrigada, pelo então governo Dilma, a aderir aos termos da MP 579, que determinava cotas de fornecimento de energia a preços mais baixos do que aqueles praticados no mercado livre. Foi dessa maneira que Dilma “conseguiu” reduzir os preços da energia elétrica naquele ano. O que a Eletrobras fez agora foi pagar uma outorga para a União, de modo a readquirir o direito de vender a energia de suas usinas sem estar submetida a cotas. Digamos que esse valor tenha sido o “custo PT” para que a empresa pudesse ser privatizada. Portanto, não há que se falar em “preço de venda” neste caso. A venda se deu por uma oferta adicional de ações no mercado, não acompanhada pela União, de modo que esta deixou de ser majoritária. A União não vendeu uma mísera ação, continua sendo dona do mesmo número de ações que tinha antes da privatização. Mesmo assim, recebeu R$ 26,6 bilhões da outorga paga pela empresa. Que Haddad, o futuro ministro da Fazenda, faça esse tipo de confusão é, no mínimo, preocupante.

Em segundo lugar, Haddad afirma que o governo usou esse dinheiro para “comprar votos”. De quem? Dos mais pobres? Quer dizer que, quando o governo do PT faz programa social é por boniteza, e quando outro governo faz é por safadeza?

Por fim, a cereja que vale pelo bolo todo: “dói na alma” do futuro ministro ver uma empresa construída “por muitas gerações” ser vendida. Ele diz que “sabe o trabalho” que isso deu.

Sabe o quê, Haddad? Sabe o quê???

Haddad, você certamente sabe que o governo do PT pegou a Eletrobras com um patrimônio líquido de R$ 67 bi e valor de mercado de R$ 13 bi, e devolveu, em 2015, com um patrimônio líquido de R$ 42 bi e valor de mercado de R$ 9 bi. O prejuízo acumulado da empresa construída “por muitas gerações” nos 13 anos de governo do PT foi de R$ 13 bilhões, um bilhão para cada ano desse desgoverno. Isso sim, dói na alma. Será que foi a esse “trabalho” que Haddad se referia? Esse papinho mole de “trabalho de gerações para construir a empresa” vai bem para dirigente de grêmio estudantil. Na boca do futuro ministro da Fazenda, nos faz rir. De nervoso.

Temos aí, em apenas dois parágrafos, um suco de PT: 1) desconhecimento técnico, 2) mistificação e demonização dos adversários e 3) amor platônico por estatais quebradas pelos governos do PT. Sim, esse é o “mais tucano dos petistas”. Imagine o resto.

PS: hoje a empresa tem patrimônio líquido de R$ 111 bilhões e valor de mercado de R$ 98 bilhões. Ou seja, patrimônio líquido quase 3 vezes maior e valor de mercado mais de 10 vezes maior do que tinha quando o PT deixou o governo.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

Artigos relacionados

2 Comentários

  1. Direto na ferida, Marcelo!
    Penso que não é o Haddad falando (com papo de grêmio estudantil) para a turma do PT. Isso, acredito, está fazendo o Lula.
    No caso do Haddad, é ele expressando o pensamento econômico e político do PT. Ele deve acreditar piamente nisso.
    Por conta dessa – e de muitas outras que virão – é importante sempre estarmos atentos e nos manifestarmos contra essas loucuras do século passado.
    Naquilo que me diz respeito, quero sempre lembrar aos governantes que, amanhã, tomam posse: boa parte daqueles que votaram em Lula no segundo turno não escolheram o PT. Apenas exerceram o direito de escolha e preferiram essa candidatura. É muito importante lembrar os petistas disso.
    Lula…. não, não esquecemos o que vocês fizeram nos governos passados!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo
%d blogueiros gostam disto:
Send this to a friend