Economia

Minha casa, minha loteria

O editorial do Estadão saúda a volta do Minha Casa Minha Vida, Faixa 1 (90% de subsídio). Mas alerta: as casas precisam ser de “boa qualidade” e “próximas de serviços urbanos”. E, a pedido de Lula, precisam ter varanda, segundo matéria de alguns dias atrás.

Quanto custaria uma casa com esses requisitos? Entre comprar terrenos que não estejam em periferias sem serviços e materiais de boa qualidade, posso chutar uns R$ 3 mil o m2? Para uma casa decente, com varanda como o pobre merece, tem que ter uns 50 m2 no mínimo. Então, cada casa com esses requisitos custaria R$ 150 mil.

Segundo o editorial, a fundação João Pinheiro estima em 6,9 milhões de residências o déficit habitacional no país. A um custo unitário de R$ 150 mil, precisaríamos de nada menos que R$ 1 trilhão para acabar com o problema da moradia no Brasil. O governo Lula separou R$ 9 bilhões para o programa esse ano. Se esse mesmo montante fosse aplicado todo ano, o déficit habitacional estaria resolvido em 115 anos.

Isso, falando só da entrega. Não consideramos a manutenção dos imóveis, que, obviamente, está acima da capacidade de renda de seus moradores. O resultado é a deterioração, o que faz com que, depois de alguns anos, essas famílias estejam engrossando novamente as estatísticas da fundação João Pinheiro de sub-moradias. Quando não vendem suas unidades para poderem comer, o que as joga novamente nas estatísticas da fundação.

Alguns dirão que é melhor isso do que nada. Sim, é o chamado “efeito loteria”. Diz uma teoria que as loterias têm uma função social: manter a esperança do povo, nem que seja com uma probabilidade muito pequena, probabilidade esta, via de regra, superdimensionada pela população. O mesmo com o programa habitacional do governo Lula: poucos sabem que seriam necessários mais de 100 anos para atender a todos, portanto o programa cumpre a sua função de manter a chama da esperança do povo acesa.

Na década de 90, Paulo Maluf, então prefeito de São Paulo, lançou um programa habitacional chamado “projeto Cingapura”, supostamente inspirado em algo semelhante feito na ilha asiática. A diferença, claro, é que a renda per capita lá era algumas vezes maior do que a brasileira, e o déficit habitacional local era imensamente maior. Assim, o projeto de Maluf, cujo maior símbolo foi um Cingapura que serviu de “tapume” para uma favela que dava de frente para o eixo de escritórios de alto padrão na Berrini, foi intensamente criticado por ser “cosmético” e não endereçar o problema de maneira séria. Eram os tempos em que a opinião pública exercia um ceticismo saudável.

Hoje, quaisquer R$ 9 bilhões, que servem somente para montar um palanque para Lula, são aclamados como a redenção da população pobre. Que os mais necessitados continuem tendo esperança de que serão sorteados na loteria estatal é compreensível. O que foge à compreensão é como pessoas esclarecidas, que sabem fazer conta, continuam a acreditar nesse engodo.

PS.: na minha série sobre a economia na era PT, escrevo um artigo que desmonta o Minha Casa Minha Vida, que, apesar de todas as suas promessas grandiloquentes, não mexeu a agulha no déficit habitacional brasileiro. Link aqui.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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