Brasil

Qual a importância dos debates no 2° turno?

No próximo dia 16 teremos o primeiro de uma série que pode ser de até quatro debates nesse segundo turno entre os candidatos presidenciais finalistas, e muitos se perguntam qual a relevância desse tipo de evento quando tudo que pode ser dito, entre verdades e mentiras, é disseminado aos quatro cantos do mundo em tempo real pelas redes sociais.

Em uma eleição que se projeta apertada como essa, a ser decidida na margem de erro, eu diria que no caso de um candidato ir muito bem ou mal na visão dos eleitores indecisos ou ainda predispostos a uma mudança de voto, é possível que o debate possa influenciar o resultado final, mas essa é uma situação atípica, por ser muito difícil algum dos contentores destoar das expectativas, de tão treinados que já estão  para desviar  das armadilhas a serem colocadas em seus caminhos.

Enquanto o formato dos debates no primeiro turno os convertem em espetáculos produtores de memes, com interferência próxima de zero no rumo das eleições,  nessa fase se dá muito mais liberdade aos candidatos, que terão tempo suficiente para expor suas ideias e propostas.

Lula não se sente confortável com entrevistadores que o confrontam e já acusou o golpe algumas vezes quando o tema corrupção é colocado sob os holofotes, seu maior calcanhar de Aquiles após 13 anos de exercício de poder e uma temporada atrás das grades. Bolsonaro, por sua vez, já mostrou ser presa fácil quando provocado, não precisa muito para perder as estribeiras e ser deselegante. Ambos, portanto, tem seus pontos fracos. Como serão preparados para contorná-los é uma questão de estratégia e treinamento com suas equipes de apoio.

Uma parte da audiência já definiu o ganhador de todos os debates, antes mesmo de começarem. Os maisl fiéis eleitores de Lula e Bolsonaro jamais admitiriam que seu candidato foi mal, e o mesmo se pode dizer de alguns articulistas da imprensa. Já posso até imaginar os comentários de Kennedy Alencar, Miriam Leitão, Augusto Nunes e Ana Paula Henkel, entre outros. Mas o fato é que pouco importa a opinião de quem já definiu o voto sobre quem ganhou o debate. O candidato Lula, por exemplo, pode ganhar todos por nocaute, eu jamais votarei nele. Há milhões que pensam como eu ou exatamente o oposto a mim…

Além disso, é sempre importante lembrar que nesse caso as opiniões geralmente carregam os vieses de quem as emite, é um exercício muito difícil se despir deles quando temos um assunto tão polêmico e polarizado.

Na verdade, o resultado do debate somente será importante no caso dos indecisos e de quem ainda se predispõe  a mudar e mesmo assim, conforme escrito acima, há que se ter uma grande diferença de desempenho entre os candidatos para que haja uma influência decisiva; do contrário, é razoável supor que a divisão de votos ainda indefinidos ocorra de maneira aproximadamente equivalente.

Eu entendo que a campanha nas ruas, nas redes, os apoios nas cidades e nos estados contam mais que os debates. Porém, em se tratando de uma disputa tão parelha, cada voto importa e esses eventos se tornam mais relevantes . Pelo histórico dos candidatos, suas gafes e frases certeiras, tudo pode acontecer, inclusive nada.

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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Um Comentário

  1. Victor, Concordo com sua leitura sobre os debates. Infelizmente, perde-se uma excelente oportunidade para discussões de propostas que pudessem separar um pouco os dois candidatos. Como você menciona no seu artigo que jamais votará no Lula – e entendo perfeitamente – tomo a liberdade de replicar aqui um texto publicado no Estadão de 13.10.2022, pois seu conteúdo representa muito bem aquilo que sinto e percebo do atual presidente. E me encoraja a reforçar meu voto em Lula, apesar de entender que ele não é inocente em nenhum dos crimes em que foi condenado. Perdão por molestá-lo. Segue…

    A machadada totalitária de Bolsonaro
    O Estado de S. Paulo.13 Oct 2022
    Nicolau da Rocha Cavalcanti – Advogado

    Opresidente Jair Bolsonaro convocou seus apoiadores para irem às ruas no 7 de Setembro e eles o obedeceram em massa. No primeiro turno, obteve 51 milhões de votos. Qual é a mágica do bolsonarismo?

    Bolsonaro falhou no exercício institucional da Presidência. Na pandemia, deixou o trabalho árduo para os governadores e prefeitos. Na relação com o Congresso, foi um desastre. O projeto mais relevante de autoria de seu governo aprovado pelo Congresso consistiu em alterar a lei de trânsito. A reforma da Previdência e o marco do saneamento, para citar dois projetos significativos, estão situados temporalmente neste mandato, mas não são criação intelectual do governo nem resultado de sua articulação política.

    Esse panorama pode levar à interpretação, simplista e equivocada, de que Bolsonaro não exerceu o poder, tendo sido mero refém do Centrão. Não. Ele exerceu um efetivo poder ao longo de todo o mandato. Caso contrário, não teria recebido 51 milhões de votos. Qual foi, então, o seu poder?

    Ele capturou a agenda pública e o imaginário coletivo. Bolsonaro não age no campo formal do Estado. Veja sua produção legislativa enquanto deputado federal. Mas isso não significa que ele não exerça poder. Como disse Barack Obama, “a capacidade de liderar um país não tem que ver com a legislação ou a regulamentação, e sim com moldar atitudes, moldar a cultura, conscientizar”. Bolsonaro está continuamente moldando atitudes, definindo o enquadramento dos temas, criando expectativas e temores. Isso tudo é muito poderoso, com efeitos sobre toda a sociedade.

    Bolsonaro não age no campo formal nem no racional. Sua atuação é afetiva, emocional, visceral. Nada do que ele diz remete à racionalidade do interlocutor. Entre outras consequências, onde ele está nunca há diálogo. Nunca há debate de ideias ou propostas. A meu ver, esse é o dano mais imediato e perigoso do bolsonarismo à democracia e ao funcionamento do Estado.

    Bolsonaro divide. Não há termo médio. É adesão ou rejeição. Ele não dá espaço à indiferença. Quando louva a ditadura, quando homenageia um torturador, quando diz que sonega tudo quanto pode, quando debocha o doente de covid com falta de ar, quando despreza quem passa a fome, Bolsonaro não remete à esfera racional. Está continuamente dando, em chave afetiva, uma machadada na sociedade.

    Ninguém ficou incólume. Todos fomos afetados em todas as esferas da vida familiar, profissional e social

    Ame-o ou deixe-o.

    Talvez esperássemos que todos o deixassem. Mas a vida é mais complexa e as percepções, mais ambíguas. Quando Bolsonaro xinga juízes, quando agride mulheres, quando entoa imbrochável, sua rejeição aumenta. Mas ele também ganha votos.

    Num cenário político-partidário pasteurizado, a machadada de Bolsonaro conferiu-lhe um perfil público único. Deulhe visibilidade. E ele soube aproveitar cada segundo desse espetáculo, para dizer uma barbaridade, para escandalizar, para ferir a sensibilidade dominante. Descobriu para si um “oceano azul” na política, sem nenhum competidor. Desde 1988, Bolsonaro vem tendo sucesso em todas as eleições nas quais concorreu.

    A abordagem visceral serviu a Bolsonaro para não responder a nenhuma pergunta incômoda. Suspeitas de rachadinha, cheques na conta da mulher, relações com milicianos, compra de imóveis com dinheiro vivo, escândalos no MEC – nada disso recebeu uma resposta racional. E duvido que algum dia receba.

    Não foi por acaso que a educação no governo Bolsonaro foi desprezada. Que a ciência e as universidades foram atacadas. Que o jornalismo foi ameaçado. O bolsonarismo é a antítese da racionalidade – aspecto que se conecta com um traço próprio do fenômeno neopentecostal, a depreciação da razão.

    Bolsonaro não tem nada de conservador, de reflexão, de olhar sereno sobre a realidade social. Ele fala palavras com verniz conservador – liberdade, família, pátria –, mas nunca se referindo ao conteúdo racional desses conceitos. É um uso meramente emotivo, simbólico, manipulador. É “apenas” mais uma machadada sobre o imaginário coletivo.

    Pode não se reeleger – corajosamente os mais pobres e miseráveis têm sido, nestas eleições, o esteio da racionalidade e da democracia –, mas Bolsonaro já causou danos profundos e duradouros ao País. Não bastará revogar sigilos contrários à Lei de Acesso à Informação. Não bastará restaurar a vigência da legislação relativa às armas. Não bastará devolver ao Ministério da Defesa sua moldura institucional original. Bolsonaro submeteu o imaginário coletivo a uma sessão de destruição e tortura de quatro anos. Ninguém ficou incólume. Todos fomos afetados em todas as esferas da vida familiar, profissional e social – e por isso sua machadada é totalitária.

    Gilbert K. Chesterton dizia que, ao tirarem a mitra do bispo, arrancaram junto sua cabeça, sua razão. Bolsonaro, ao atirar contra nossa razão, feriu também o nosso coração, o nosso núcleo afetivo mais íntimo. Que os corações voltem a ser livres. É tempo de educar as crianças, de dar a comer a quem tem fome, de reconstruir a racionalidade. É hora de tirar quem, em vez de governar, preferiu vandalizar este solo sagrado que todos levamos dentro. •

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