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– Aquilo no Carrefour foi racismo?

Um diálogo fictício

– Não sei.

– Ué, mas, como é que você não sabe? Você nega o racismo?

– Não. De jeito nenhum. O racismo no Brasil apesar de aparentemente ser suave, está mais presente do que muitos imaginam.

– Para mim, o Brasil tem racismo estrutural!

– Não gosto muito da expressão. Parece ser um tipo de condenação a um país. É um termo que a esquerda adora, aquelas expressões de sociologia do oprimido. Ainda assim, algo faz sentido no termo, porque, de fato, na prática, existe um modelo em nossa sociedade, ainda que inconsciente, que possibilita a perpetuação dessa situação no Brasil.

O negro, ao contrário do imigrante, saiu da escravidão sem nada nos bolsos e não tinha ninguém lá em cima para apoiá-los. A pessoa pobre naturalmente já tem grande dificuldade de ascender socialmente. A pobreza gera mais pobreza e ser negro não facilita as coisas, ainda que não exista tanto o racismo de ódio por aqui.

– Mas então porque você diz “não sei”?

– Por que não dá para extrapolar um conceito genérico para uma situação particular. Dizem que o paulista muitas vezes é um cara trabalhador, pode até ser, mas essa generalização nada diz sobre um paulista em particular!

Fatores raciais podem influenciar o assassinato de um negro ou não. E há várias motivações possíveis para um assassinato. Não se pode usar sociologia para se explicar um caso específico, sem que os fatos em si sejam melhor entendidos e esclarecidos. As pessoas prejulgaram o caso. Antes da primeira gota de informação precisa e verificada, já tacaram a sentença, o rótulo, a culpa corporativa e a depredação.

– Ué, mas está óbvio que ele fosse um cara com jeito de bacana isso jamais aconteceria.

– É bem provável, mas não é o fato do cara ser negro (na verdade, pardo), mas acredito que ajuda a vítima aparentar ser pobre. Muitos fazem associação entre pobre e negro: quando há um negro e um branco, ambos vestidos de forma simples, imaginam o branco como descolado ou alternativo e o negro como pobre.

– Então, isso não é racismo?

– Não exatamente, porque de fato há muito mais chance de um negro ser pobre do que um branco ser pobre, ainda que vestidos da mesma forma. Assim, inconscientemente pode-se tomar um atalho para chegar a conclusões, que podem ser erradas.

– Continuo achando que isso é racismo…

– Não é racismo. É o que acontece na prática. Basta olhar estatísticas cruzando raça e classe social. Há uma diferença gritante entre vários extratos.

– Não importa. Se ele não fosse negro, isso jamais teria acontecido.

– Pode ser, mas não dá para afirmar assim de forma tão convicta, depende de muitos fatores que não temos acesso no momento, mas o fato da vítima ser pobre o torna um alvo mais fácil.

– Isso é então um preconceito socioeconômico?

– Sim e não. O preconceito socioeconômico, assim como o racismo, é muito forte em nosso país. Ser pobre é difícil. É claro que ser negro e pobre pode ser ainda mais complicado. De todo o modo, para mim, o fator mais importante para um segurança estourado perder a cabeça (ele tinha acabado de receber um soco da vítima) é ele acreditar que ficará impune. E vamos admitir: na cabeça de muitos, um pobre é uma vítima perfeita. Só que o segurança, felizmente, estava errado nesse caso.

– Concordo, mas sempre aparecem aqueles que alegam: ah, mas nesse caso X, o segurança matou um branco burguês. O que dizer para eles?

– Não se pode derivar conclusões sobre fatos isolados. Óbvio que existem brancos ricos assassinados por seguranças, mas se você fizer uma estatística, especialmente fora do ambiente de boates (que é algo muito particular e que, dependendo do lugar, nem existem pobres: existem muitas drogas e álcool); devem existir muito mais incidentes desse tipo envolvendo pessoas pobres do que pessoas não pobres e provavelmente muitos desses são negros ou pardos. Poucos terminam em morte.

– Ah. Tem mais é que boicotar o Carrefour!

– Discordo. Pode-se e deve-se cobrar um posicionamento duro da empresa. Pode-se e deve-se investigar se o Carrefour facilita tais práticas. No entanto, não se pode, a priori, culpar toda uma instituição por atos praticados por indivíduos na ponta e muito menos depredar. Não é esse o caminho, a meu ver.

– Ué, mas o Carrefour não tem uma cultura racista?

– A reação do presidente do Carrefour tem sido positiva e contundente. Pode ser mera estratégia dele, mas não se pode negar isso. Quem tem experiência corporativa, sabe que é impossível controlar 100% o que acontece em dezenas ou centenas de filiais. Quanto à cultura racista é um termo vago e genérico. Em todo o caso, não dá para afirmar isso sem se aprofundar. Seria uma mera ilação sem base, baseado em um fato isolado.

Sempre haverá falhas e incidentes de toda ordem acontecendo. O que diferencia uma empresa da outra, é que uma boa empresa deve agir como se age em um acidente de avião ou Fórmula 1. Aproveitar a tragédia como fonte de aprendizados para que se possa evitar a próxima tragédia.

– Muitos estão dizendo que João Alberto mereceu morrer porque ele batia na mulher, era violento, que o pai foi acionado por insulto racial etc. Isso é ridículo!

– Sim, claro. Taí um caminho muito perigoso. Justificar o assassinato do João Alberto por atitudes condenáveis dele ou de parentes. Por pior caráter que eventualmente ele tenha, nada poderia tornar justo um assassinato covarde dessa natureza. Se ele, de fato, ameaçou agredir uma funcionária (ainda falta apurar isso), o segurança deveria conduzi-lo com energia para fora da loja e não mais do que isso. Quando o segurança recebeu o soco da vítima, ele deveria ter reagido, neutralizado o agressor, mas não matá-lo e, eventualmente, chamar a polícia.

– E o que você diria àqueles que se referem a outros tantos negros assassinados que a mídia não deu destaque.

– A imprensa não noticia algo apenas porque X ou Y morreu. O caso precisa ter algo simbólico para atrair a atenção. E não podemos negar que era esse o caso. Dezenas de pessoas morrem por causa de brigas de gangue, guerra de tráfico, assaltos, atropelamentos, dívidas. Mesmo a morte de policiais em serviço ou não (negros ou brancos) já está banalizada demais para ter destaque.

– Verdade…

– Como usual, grande parte da mídia vai atrás de audiência, cliques e anúncios e essa história tem todo potencial de causar. O destaque a esse caso foi descomunal e desproporcional. Foi manchete principal do G1 durante o dia inteiro e parte do outro dia; bem mais do que o acidente de ônibus que matou 41 pessoas em Taguaí, São Paulo.

De um lado acidentes de trânsito já fazem parte da rotina do brasileiro, do outro temos uma situação onde branco mata pardo asfixiado , tudo filmado, quase na frente das pessoas, em um lugar público, de classe média. Há todos ingredientes para uma espetacularização.

O caso, com toda a reverberação das mídias e redes sociais terminou, de forma quase previsível, gerando diagnósticos definitivos e instantâneos, além de um clamor quase incontrolável: começou nas manifestações , mas que, em alguns pontos, chegou a depredações ou ameaças, obrigando o Carrefour a fechar temporariamente algumas lojas. Ou seja, descambou para um exagero que não se pode achar normal.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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