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A Externalidade Negativa da Vacinação Obrigatória

É indubitável que a vacinação em massa gera externalidades positivas: se um indivíduo está vacinado, não só ele se protege, como evita a transmissão para terceiros. Eis o fulcro do argumento favorável à vacinação obrigatória.

Contudo, é desnecessária a vacinação obrigatória se a população adere voluntariamente a ela. Mais ainda, não haveria por que não se vacinar, comprovada a eficácia da vacina. Assim, se os indivíduos são racionais, por que não se haveriam de vacinar? (Eis a pergunta fundamental que ninguém responde!).

Pois é, aparentemente a vacinação contra o Covid-19 virou obrigatória, como quase todas as demais medidas de proteção que vêm sendo adotadas, muito provavelmente porque a vacina não despertaria a confiança desejada na população, a ponto de desencadear uma adesão em massa a ela. Isso se deveu, conjecturo, em função da velocidade pela qual a vacina foi desenvolvida, gerando inúmeros questionamentos sobre sua eficácia. Nada obstante, muitas pessoas declaram-se favoráveis à vacinação obrigatória, inclusive recusando-se a discutir com quem é contra, sob o argumento de que a vacinação gera externalidades positivas, como se não pudessem existir efeitos adversos ou custos a serem considerados. É o mesmo equívoco cometido quando se determinou o confinamento horizontal.

De fato, o contrato entre a União e a Pfizer, na cláusula 5.5 revela a verdade:

5.5. Reconhecimento do Comprador

O Comprador reconhece que a Vacina e os materiais relativos à Vacina, e seus componentes e materiais constitutivos, estão sendo desenvolvidos rapidamente devido às circunstâncias de emergência da pandemia de COVID-19 e continuarão sendo estudados após o fornecimento da Vacina para o Comprador de acordo com este Contrato. O Comprador ainda reconhece que a eficácia e os efeitos a longo prazo da Vacina AINDA NÃO SÃO CONHECIDOS e que PODE HAVER EFEITOS ADVERSOS da Vacina QUE NÃO SÃO CONHECIDOS ATUALMENTE. Ainda, conforme aplicável, o Comprador reconhece que o Produto não será serializado.”

Isso significa que o argumento de externalidade positiva a favor da obrigatoriedade da vacinação fica prejudicado ante à constatação de que:

  1. Desconhece-se sua eficácia;
  2. Desconhecem-se seus efeitos adversos/colaterais;
  3. Desconhecem-se seus efeitos de longo prazo.

Apesar dessa constatação, ouve-se com uma frequência até excessiva que a vacina é eficaz, que é segura e que não haveria necessidade de mais de duas doses. O problema é que nada disso parece ser a verdade plena, pois a França acaba de decidir que a vacinação completa só é válida com duas doses para quem se vacinou há menos de sete meses; quem se vacinou há mais de sete meses precisa da terceira dose para ter seu passaporte vacinal válido.


Contudo, é aparentemente inegável que a vacinação diminuiu consideravelmente a mortalidade oriunda do contágio do Covid e tem o condão de reduzir a transmissibilidade, embora não se saiba bem qual é esse índice e se desconfie que seja baixo com a variante ômicron.

Pois bem, a questão a discutir aqui é a seguinte: a decisão de ser favorável à vacinação obrigatória gera externalidades negativas, talvez de efeitos mais deletérios que a alternativa, a saber, a vacinação voluntária a par de uma campanha de esclarecimento e convencimento sobre sua necessidade.

(Na minha opinião, e é só uma opinião, a falta dessa campanha revela a própria falta de convicção de seus benefícios em relação aos custos pelos produtores e governantes. Todavia, não é esse o ponto deste texto, que também não se precisa restringir à vacina do Covid especificamente, mas analisa a conduta adotada potencialmente para qualquer vacina ou medida obrigatória de um Estado e apoiada por sua população).

A defesa de medidas obrigatórias quanto a vacinação (e outas medidas adotadas durante a pandemia como o confinamento horizontal) por parte de formadores de opinião, da elite e das autoridades em geral revela a faceta autoritária das pessoas e dos governantes. Em suma, os eleitores estariam dispostos a reduzir sua liberdade em troca de uma pretensa segurança sanitária, oriunda da externalidade positiva da vacinação obrigatória em massa.

Haverá estudos no futuro que mostrarão que as medidas autoritárias tomadas hoje eram desnecessárias frente à letalidade da doença. Mas, esses estudos só existirão se nenhum regime totalitário emergir com o consentimento da população favorável à obrigatoriedade da vacinação; a censura voluntária das mídias sociais revela o animus a respeito desse tema.

Eis aí a grande contradição desses que são favoráveis à vacinação obrigatória: ao mesmo tempo que alegam haver externalidades positivas pela vacinação obrigatória, não reconhecem ou se esquecem das externalidades negativas que geram pelo apoio à sua obrigatoriedade.

Sim, eu entendo que a pandemia é algo bem mais concreto que a uma ameaça potencial (futura) à liberdade. Mas hoje já observamos o que acontece no Canadá e Austrália, com prisões por falta do passaporte vacinal, e na Austrália, com a expulsão do tenista número um do mundo por falta de vacinação, mesmo tendo-lhe sido assegurado que isso não seria um problema.

O exemplo da Austrália é revelador: o problema não era exatamente sanitário, pois o tenista não estava contaminado e não tinha como contaminar alguém; o problema é o exemplo do tenista para a população da Austrália: aquilo podia gerar uma reação adversa da população australiana contra o governo. Portanto, trata-se de uma questão de controle.

Nenhum país democrático do mundo vai-se tornar totalitário do dia para a noite. Além disso, não é possível fazer um experimento duplo-cego, aleatório no controle e no placebo, avaliado por pares e publicado em periódico de alto impacto sobre os efeitos da conduta de obrigatoriedade e adesão a essa obrigatoriedade pela população. Será só observacional. Nesse caso, pode-se apelar à história e encontrar exemplos de países que se tornaram totalitários com medidas gradualmente mais autoritárias com a aquiescência/omissão da população, geralmente hipnotizada pela propaganda governamental, achando que o Estado é sua salvação.

O posicionamento favorável à vacinação obrigatória parece ser racional e supostamente coloca o indivíduo no lado do bem; é como ele se alivia da responsabilidade de reagir à falta de bom senso. Olvida-se que esse exemplo pode ser usado no futuro para proteger o indivíduo de si mesmo por consumir açúcar ou qualquer outra substância que a ciência apontar como prejudicial. Corolário imediato e sintomático desse “autoritarismo do bem” é juiz sugerindo a denúncia de pais que não vacinarem seus filhos de 5 a 11 anos com a potencial perda de sua guarda. Você já ouviu histórias parecidas, lembre-se delas.

Em resumo temos o seguinte então:

  1. Este texto não discute a necessidade da vacinação em massa;
  2. Este texto discute a decisão de o indivíduo ser favorável à obrigatoriedade da vacina, sob o argumento da externalidade positiva que gera, ante à alternativa de vacinação voluntária acompanhada de esclarecimentos e convencimentos, como ocorreu com outras vacinas.

Os sinais de que algo está errado no mundo democrático estão aí:

  1. Nunca se vacinou tantas vezes em tão pouco tempo;
  2. Nunca se viu uma imprensa, inclusive em âmbito mundial, majoritariamente alinhada com o discurso oficial;
  3. Nunca se viu a censura das redes sociais, em alinhamento com o discurso oficial, mesmo ante evidências científicas contrárias ao discurso oficial;
  4. Nunca se viu tanta desinformação pela imprensa e o tempo desmentindo uma a uma;
  5. Nunca se viu na história recente a condenação de questionamentos legítimos sob a pecha de negacionismo ou fake news.

É uma distopia.

O resultado último disso tudo é pais querendo vacinar seus filhos de 5 a 11 anos, achando que estão tomando a melhor decisão, mas sem estar completamente informados sobre os efeitos adversos e de longo prazo da vacina. Ninguém discute o poder dos pais de fazerem o que acham melhor para seus filhos, o que se alerta é que a informação para a decisão não é completa.

É surpreendente que o indivíduo favorável à vacinação obrigatória não enxergue sua contradição e as externalidades negativas que está gerando, na medida que ameaça o vizinho de perda de liberdade. É nesse ponto que o sujeito favorável à vacinação obrigatória, sem perceber, iguala-se a quem critica por não tomar a vacina. É surpreendente que não se sinta pior com menos liberdades para ir e vir. É surpreendente que o indivíduo não enxergue a falta de bom senso de muitas medidas autoritárias sendo tomadas pelos governantes e reaja rejeitando-as peremptoriamente. É surpreendente que os pesos e contrapesos estejam falhando, com a omissão e/ou adesão de autoridades que deveriam defender quem diverge. É surpreendente que os valores democráticos ocidentais, construídos ao longo de décadas, estejam sendo solapados tão rapidamente. É surpreendente que haja tão poucos defensores das liberdades individuais como valor maior que a própria vida, depois das duas guerras que vivemos no século passado e dos exemplos dos regimes totalitários que existiram e ainda existem.

As pessoas terão que perder a liberdade para entender os riscos que estão correndo agora?

Convém neste ponto lembrar que o voto representa, de fato, uma externalidade negativa como argumenta Bryan Caplan. O voto é a materialização de uma decisão, portanto é análogo a ser favorável ou contra a determinada política pública. Por isso, o posicionamento a respeito da vacinação obrigatória representa uma externalidade pelo legado autoritário que deixa.

Enfim, é claro o tradeoff aqui: imunidade de manada por vacinação obrigatória (embora de eficácia discutível) versus restrição das liberdades individuais. De novo, eu entendo existir uma questão concreta, a pandemia, e uma questão de percepção, a ameaça totalitária. Mas, lembro que discussão análoga aconteceu no início das medidas de confinamento horizontal: a suposta necessidade de confinamento para achatar a curva, baseada em modelos equivocados, sem considerações sobre os efeitos adversos dessas medidas em termos de saúde mental, física e econômica. E quem questionou na época foi praticamente cancelado.

Sabendo a letalidade baixa do presente caso, considero que menos liberdade individual é pior que mais proteção por vacinação obrigatória. É possível quantificar isso? Minha resposta é a seguinte: será possível no futuro; e como no caso do confinamento horizontal, apostaria que tudo indicará que a vacinação obrigatória não passa no crivo de benefício-custo.

Enfim, aparentemente o crítico de quem não toma a vacina não percebe a contradição que se posiciona, a menos, claro, que seja favorável a um Estado autoritário e contra as liberdades individuais. Mas, nesse caso, não pode usar o argumento de externalidade.

E se eu estiver errado? Este texto terá sido ocioso, felizmente!

Rodrigo De Losso

Rodrigo De Losso tem Ph.D em Economia pela Universidade de Chicago e é professor do Departamento de Economia da USP. A ideia aqui é mostrar como teoria econômica pode ser aplicada a temas do cotidanos, às vezes polêmicos, sem deixar de falar dos outros assuntos que o interessam com música, vinhos, literatura, cinema e política.

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4 Comentários

  1. Enquanto não vacinarmos a África continuaremos tendo variantes a granel. Enquanto não acharmos um tratamento para desafogar o sistema de saúde continuaremos vendendo a ideia de vacinação a cada 6 meses – e isolando países, e continentes, inteiros.

    Quando a circulação de mercadorias ficar comprometida pelo colapso encontram uma solução para o problema.

  2. Qual a externalidade negativa? Mesmo se houvesse, os dados vão contra o seu argumento: o custo individual seria menor que o custo social, é mais indivíduos estariam se vacinando que o ótimo. Os dados mostram o oposto, mais um ponto em favor da externalidade positiva da vacinação. O texto e apenas sobre defesa de liberdade individual.

    1. Não se discute que a vacina gera externalidades positivas.

      A discussão é entre vacinação voluntária x vacinação obrigatória (CF x F).

      A vacinação obrigatória seria desnecessária se todos estivessem convencidos da eficácia da vacina.

      Daí que a vacinação obrigatória não vem sem um custo/externalidade POTENCIAL de supressão de liberdades. Se a supressão de liberdades for temporária, tal custo se dissipa. Se permanente, o custo não se dissipa e pode ser muito alto, mas certamente difícil de calcular.

      Qto aos dados, para avaliar uma situação e outra (CF x F), acho que nem existem ainda ou não são suficientes.

  3. Enquanto a África não estiver imunizada estaremos nessa paranoia. Como os países de lá ficarão sempre no fim da fila para receber vacina, então preparem-se: ou o esquema de mobilização não acabará nunca, ou acabará com muita briga.

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