Opinião

Sua liberdade de expressão é do tamanho do seu palanque

A atleta Carol Solberg resolveu lacrar em entrevista à Sport TV, e soltou um “Fora Bolsonaro!” ao vivo e em cores. A Confederação Brasileira de Vôlei soltou nota de repúdio e estuda punição. A atleta e seus apoiadores defendem a “liberdade de expressão”, e acusam a CBV de usar dois pesos e duas medidas, na medida em que teriam permitido que os atletas Wallace e Mauricio fizessem propaganda para o então candidato Bolsonaro em uma foto da seleção brasileira de vôlei em 2018. Reproduzo abaixo a foto, a nota da CBV à época e a nota da CBV a respeito da manifestação da atleta Carol.

Nota da CBV sobre a postura de Wallace e Maurício, em 2018
Nota da CBV em relação à postura de Carol Solberg, em 2020

O que dizer?

Pra começo de conversa, liberdade de expressão é inegociável. Todo ser humano tem liberdade para expressar suas opiniões, desde que não seja apologia a crime. Não posso, por exemplo, defender o assassinato do Lula ou do Bolsonaro, isso está fora da esfera de “liberdade de expressão”.

Pois bem, tendo pacificado este ponto, resta saber se há outras limitações à liberdade de expressão. Sim, há. A palavra “expressão” tem como pressuposto alguém falar e alguém ouvir. Robinson Crusoé tinha uma liberdade de expressão absoluta, mas era inútil, pois não havia ninguém que o escutasse. Exercer a liberdade de expressão só faz sentido se há outras pessoas que escutem a sua opinião.

Esta é a chave para entender a limitação intrínseca da liberdade de expressão: a expressão de sua opinião tem efeitos diferentes a depender do palanque de que você dispõe.

Um exemplo: eu tenho uns 2 mil seguidores nessa página do Facebook. O que eu falo aqui atinge essas duas mil pessoas e talvez um pouco mais, a depender de quantos compartilhamentos são feitos. Esse é o meu palanque, eu falo o que eu quero. Ao mesmo tempo, trabalho em uma empresa de investimentos, onde escrevo os relatórios para os clientes. A empresa tem milhares de clientes. Posso escrever o que eu quero? Obviamente não. O palanque não é meu, é da empresa. Foi ela que construiu essa audiência. A minha expressão, ao me comunicar com essas pessoas, é a expressão da empresa. Os clientes são dela, não meus.

Portanto, a liberdade de expressão é limitada pelo palanque que cada pessoa conseguiu construir. Felipe Neto, por exemplo, fala todas as bobagens do mundo para os seus milhões de seguidores, e a ninguém ocorre limitar a sua liberdade de expressão. Afinal, esse palanque é dele, ele é que decide o que vai e o que não vai falar.

Vamos ao caso da moça do vôlei e a nota da CBV. Atletas, de maneira geral, só estão lá porque existe toda uma estrutura montada na base de patrocínios. Se a Carol gritasse “Fora Bolsonaro!” em sua página no Instagram, a polêmica seria zero. Mesmo porque, poucos teriam ouvido. O palanque construído pela atleta é muito pequeno. O que ela fez? Usou a audiência construída pela CBV para expressar a sua opinião. É óbvio que não dá. A CBV pode sim puni-la, pois é ela que manda no seu palanque.

O paralelo com o caso Wallace/Maurício é adequado, ainda que tenha sido distorcido pela atleta. A CBV não “defendeu a liberdade de expressão” dos dois atletas e ficou por isso mesmo. O que a CBV fez, à época, foi dizer que os atletas podem falar o que quiserem em suas redes sociais, mas não usar o palanque da seleção brasileira para fazer política. Ambos foram punidos com advertência, provavelmente o que vai acontecer com Carol Solberg.

Entidades esportivas não costumam gostar de ceder o seu palanque para manifestações políticas. Por sua própria natureza, a política separa em campos opostos, e a última coisa que essas entidades querem é divisão e boicote de patrocinadores e espectadores. Por isso, senhores atletas, usem seus perfis pessoais para manifestações políticas e evitem usar os campeonatos organizados pelas entidades esportivas. Esses palanques não lhes pertencem.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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