Opinião

Não queira saber como são feitas as salsichas e as estatísticas

Manchete nO Estado de São Paulo:

Manchete na Folha de São Paulo:

Manchete nO Globo:

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020 veio com uma novidade: ao contrário de todos os outros anos, os responsáveis pela publicação acharam por bem divulgar os números do 1o semestre do ano. Normalmente, este Anuário é publicado em meados do ano, com os dados do ano anterior. Por algum motivo não explicado, neste ano foi publicado em outubro, com os dados de 2019 e também do 1o semestre de 2020. E, coincidência, os dados vieram piores do que 2019, o melhor ano da série histórica.

Fico me perguntando: por que esta mudança de metodologia, justamente no ano de maior queda de mortes violentas da série? Terá sido a dificuldade de se encontrar uma manchete condizente? A se pensar.

O prefácio do Anuário termina com o seguinte texto:

“… infelizmente, é fato que o Brasil perdeu, entre 2019 e 2020, uma grande oportunidade de transformar a tendência de redução das mortes violentas intencionais observada entre 2018 e meados de 2019 em algo permanente e que servisse de estímulo para salvar ainda mais vidas. O Brasil perdeu-se em múltiplas narrativas políticas em disputa e a população, mais uma vez, está tendo que lidar com os efeitos deletérios e perversos de um modelo de segurança pública obsoleto e que até hoje não foi palco de grandes reformas, mesmo após a Constituição de 1988“.

Bem, podemos ver os “efeitos deletérios e perversos de um modelo de segurança pública obsoleto” nos gráficos a seguir, elaborados a partir dos dados do próprio anuário (assumi que o número de mortes violentas do 1o semestre de 2020 se repetiria no 2o semestre).

No Brasil, depois de atingir o máximo de 30,9 mortes/100 mil habitantes em 2017, este número caiu para 22,7 em 2019 e aumentou para 24,3 em 2020, segundo menor nível da série nos últimos 10 anos.

No RJ, depois de atingir o máximo de 40,4 mortes/100 mil em 2017, este número caiu para 31,4 em 2020, terceiro ano consecutivo de queda.

Em SP, o número de mortes violentes vem caindo consistentemente desde 2014, ano em que ocorreram 13,2 mortes/100 mil, até atingir a mínima de 2019 de 8,9. Em 2020, houve um aumento para 9,5, mesmo número de 2018.

Será mesmo que esses números merecem o lamento das manchetes e da análise do Anuário? Não será que deveríamos investigar o que vem DANDO CERTO no combate à criminalidade e, especialmente, às mortes violentas? Os dados de 2020 mostram um repique no número de assassinatos em alguns estados e no número agregado brasileiro, mas estão longe de demonstrar uma volta a uma tendência negativa. Esta volta pode até acontecer, mas apenas um ponto (na verdade, meio ponto, porque só temos os dados do 1o semestre deste ano) parece pouco para chegar a qualquer conclusão.

A não ser que o objetivo seja criar manchetes negativas. Aí, bora procurar dados que corroborem a tese. Nem que, para isso, se tenha que mudar a metodologia de divulgação. Vale tudo por uma boa manchete.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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