Opinião

Produção de energia: não existe almoço de graça

Rindo até 2100, quando o planeta estará 3oC mais quente e o mundo tal qual o conhecemos terá acabado.

A capa da Economist traz, para quem acompanha esta página, exatamente o que venho falando aqui nos últimos anos.

Pode ser uma imagem de fogo e texto que diz "The Economist How the pandemic ends Latin America's growth opportunity Will there be wage price spiral? More threats to free speech The energy shock"

Copiando e colando o início da reportagem:

Since May the price of a basket of oil, coal and gas has soared by 95%. American petrol prices have hit $3 a gallon. Blackouts have engulfed China and India. Britain has turned its coal-fired power stations back on. And Vladimir Putin has just reminded Europe that its supply of fuel relies on Russian goodwill. The panic is testament to how much modern life depends on abundant energy: without it, bills become unaffordable, homes freeze and businesses stall.

Vou traduzir a última frase, que é chave: “O pânico atesta o quanto a vida moderna depende de energia abundante: sem ela, as contas se tornam impagáveis, as casas congelam e os negócios param”.

Venho chamando a atenção para a impossibilidade prática de transformar a matriz energética sem mudar uma vírgula de nosso estilo de vida. O (triste) fato é que a energia limpa é mais cara que a energia suja, por ser intermitente. Se fosse mais barata, não seriam necessários congressos e mais congressos sobre o clima. Não houve congressos para a substituição das carroças pelos automóveis, nem da máquina de escrever pelo computador. A tecnologia melhor naturalmente substitui a pior. No caso, a energia limpa é economicamente pior que a suja. Claro, sempre se pode dizer que a energia suja é mais cara se forem considerados seus efeitos sobre o clima, mas o seu custo não está sendo corretamente precificado. Pois então, a reportagem da Economist é sobre isso: começamos a precificar corretamente a energia suja. O resultado é o aumento brutal dos preços, afetando a atividade econômica. Um mundo de energia limpa é um mundo mais pobre, pois gastamos mais com energia. Um mundo com uma qualidade de vida pior.

Governos se reúnem em congressos, de onde tiram metas ambiciosas de redução de gases de efeito estufa. Investidores pressionam empresas para que assumam a sua parte nesse bom propósito. No entanto, ninguém ainda teve a coragem de contar para o distinto público que tudo isso significa mais inflação e menos crescimento econômico. Estamos agora todos “descobrindo” isso, e não acho que a maioria esteja gostando do que está vendo.

Aos espíritos mais sensíveis, explico que minha risada que abriu esse post não é, de maneira alguma, de escárnio. Trata-se apenas de uma reação a uma certa ingenuidade que parece perpassar toda essa discussão, como se houvesse um pequeno grupo de governos e empresas muito maus que estivessem segurando as mudanças que beneficiariam a maior parte da humanidade. Estamos descobrindo, horrorizados, que é a maior parte da humanidade que vai pagar a conta da transição.


Um P.S. que não constava do post original no Facebook, onde este texto foi originalmente publicado.

Muitos apontam a energia nuclear como aquela que reúne o melhor de dois mundos: não emite gases de efeito estufa e é confiável, não intermitente. Sem dúvida. O problema é que ninguém quer ter uma usina nuclear no quintal de casa.

Em reportagem do último dia 03/10, ficamos sabendo que existe lixo radioativo armazenado no bairro de Interlagos, em São Paulo.

A estatal Indústrias Nucleares do Brasil busca outro local para os dejetos, mas as cidades candidatas a receberem o material, Itu e Caldas, se colocam contra. Ninguém quer ter material radioativo no quintal de casa.

As usinas nucleares de Angra dos Reis começaram a ser construídas em uma época em que a opinião do povo contava pouco. Hoje, se fôssemos escolher um lugar onde construir uma nova usina, onde seria? Se próximo de grandes centros populacionais, teríamos o problema de convencer os moradores. Se distante, provavelmente seria em algum santuário ecológico no meio do nada, o que também dificultaria a sua aceitação.

São poucos, bem poucos, os acidentes em usinas nucleares ao longo da história. Podemos dizer que é mais fácil um avião cair do que ocorrer um acidente em uma usina nuclear. E nem por isso as pessoas deixam de viajar de avião. O problema é que uma viagem de avião é voluntária, vai quem quer. Já no caso de uma usina, ser vizinho de uma é involuntário, a não ser que se decida mudar de cidade.

Enfim, usinas nucleares parecem ser uma solução ideal, que une a sua capacidade de gerar energia sem emissão de gases com a sua confiabilidade de fornecimento. O problema é a produção de dejetos radioativos e o cenário de cauda de um acidente catastrófico. Não existe almoço de graça.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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