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Aquecimento Global sem politização – parte II

Continuando minha série de artigos sobre o tema (a parte I está aqui), esse, bem mais curto, descreverá como cientistas e a mídia abordam o tema, com exageros e deformações dos 2 lados da moeda.

A maioria das pessoas que compõe a mídia, quando aborda ciência, o faz sem conhecimento de causa porque o jornalista médio não tem preparo para isso e, se tem, existe, na média, pouco interesse genuíno ou tempo de pesquisar como se deve, ou, a opinião “científica” do mesmo é influenciada pela ideologia prévia do escriba, qualquer direção que seja.

O Aquecimento Global pode ser deformado de 2 formas:

a) viés catastrofista: onde se exagera, inventa ou se aumenta a acurácia difusa das previsões feitas e, especialmente, nas suas consequências nefastas para a humanidade.

b) viés negacionista; onde se nega o Aquecimento Global, ou se atribui a causas naturais, ou se minimiza todas as possíveis consequências. Alguns vislumbram que o cavalo branco da tecnologia disruptiva chegará por encanto, salvando o dia.

Detalharemos um pouco cada um dos vieses. No primeiro caso, coletando uma lista de exageros ditos por aí, no segundo caso contando uma histórica específica.

Para quem não leu meu primeiro artigo, quero deixar claro que acredito 100% no aquecimento global antropogênico, e a lenta, mas progressiva elevação da temperatura média, do nível do mar, do degelo, etc.; só não acho que o exagero seja uma arma válida de divulgação. A verdade já é suficiente, ainda que não tão impressionante como a iminência de destruição do planeta propalada por alguns.

a) As catástrofes naturais presentes e futuro pelo AG?

A imagem que ilustra a chamada do artigo é real e relativa a uma vista à distância (Salem, Oregon, EUA) de um incêndio ligado a uma onda de grandes incêndios ocorridos em setembro de 2020 em Oregon. Não tem relação nenhuma, mas serve como ilustração típica de uma visão apocalíptica do Aquecimento Global .

Como exemplo ligado à abordagem a), tomo como base o bom artigo (embora não concorde com parte dele) do renomado economista Robert Wade, que, diga-se de passagem, acredita no AG.

Essa abordagem não é apenas comum em boa parte da mídia, mas também adotada por muitos cientistas.

A mentalidade de reforço ao AG a qualquer custo, é que ela estimula o exagero da linguagem da ameaça muito além da ciência confiável, de modo que o futuro não pode ser discutido exceto em termos de uma escolha entre “desastre”, “catástrofe”, “extinção planetária” de um lado, contraposto à premência de reformas incrivelmente rápidas de como a humanidade vive, trabalha e governa; do outro.

As piores previsões do IPCC, que tem baixa probabilidade, são tomados por muitos como a previsão mais provável e apresentadas para o leitor como verdade absoluta.

Além da previsão furada do fim da neve no topo do Kilimanjaro do artigo anterior, outros exemplos típicos, podem ser citados.

Aqui estão exemplos de pessoas e organizações que afirmam que a catástrofe para a humanidade e a biosfera está por vir, se as pessoas dos países desenvolvidos e em desenvolvimento não fizerem mudanças radicais logo:

O New York Times relatou após a Cúpula do G7 em junho de 2021 que “o Sr. Biden foi mais uma vez parte de um consenso unânime de que o mundo precisa tomar medidas drásticas para prevenir um desastre climático”.

O enviado climático dos EUA, John Kerry, emitiu um alerta terrível em 12 de maio de 2021 sobre “os custos crescentes … do aquecimento global e de um clima mais volátil”. A contagem de 2020 de “22 furacões, inundações, secas e incêndios florestais quebrou o recorde anual anterior de 16 desses eventos, e isso foi estabelecido apenas 4 anos atrás”

Christiana Figueres, ex-secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e figura central do Acordo de Paris, declarou em 2020: “Somente nos próximos 10 anos daqui até 2030 poderemos influenciar o que vai acontecer. O assustador é que, após 2030, basicamente não importa o que os humanos façam. Corremos o risco de esses pontos de inflexão terem um efeito dominó uns sobre os outros e perderemos o controle total. ”

Kevin Drun, 2019: “[The Green New Deal] só mudaria as datas para o suicídio planetário em cerca de uma década. Não está nem perto o suficiente, mesmo se fizermos isso ”.

Professor Frank Fenner, microbiologista, ANU, 2010: “Vamos nos extinguir. O que quer que façamos agora é tarde demais ”

John Davies, geofísico, pesquisador sênior do Cold Climate Housing Research Center, 2014: “Com negócios como de costume, a vida na Terra está em grande parte condenada”.

James Hansen, ex-diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, testemunhando em uma audiência do Congresso sobre o aquecimento global em 2008: “Estamos fritos se não seguirmos por um caminho muito diferente. Esta é a última chance ”de evitar extinções em massa, colapso do ecossistema e aumento dramático do nível do mar. “Nós [cientistas] vemos um ponto de inflexão ocorrendo bem diante de nossos olhos“. O Ártico é o primeiro ponto de inflexão e está ocorrendo exatamente da maneira que dissemos que aconteceria. ” Em cinco a 10 anos [em 2013-2018], o Ártico estará sem gelo no verão.

James Hansen, testemunho em audiência no Congresso, 1988: “maior especialista em clima do mundo [Hansen] prevê a baixa de Manhattan debaixo d’água em 2018”

Dr. Michael Mann, Penn State: “Estamos falando sobre literalmente desistir de nossas cidades costeiras do mundo e nos mudar para o interior”

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 2005: “Cinquenta milhões de refugiados do clima até 2010”.

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 2011: “60 milhões de refugiados ambientais até 2020”

O Guardian publicou uma matéria de primeira página em 2004 com a manchete: “Agora o Pentágono diz a Bush: a mudança climática nos destruirá”. A assinatura diz: “Relatório secreto alerta sobre distúrbios e guerra nuclear. A Grã-Bretanha será ‘Siberiana’ em menos de 20 anos. A ameaça ao mundo é maior do que o terrorismo ”. O texto continua: “Um relatório secreto, suprimido pelos chefes de defesa dos EUA …, adverte que as principais cidades europeias serão afundadas sob a elevação do mar enquanto a Grã-Bretanha está mergulhada em um clima ‘siberiano’ em 2020. Conflito nuclear, secas homéricas, fome e generalização tumultos vão explodir em todo o mundo. ”

De outro artigo, também interessante, peguei outros exemplos, todos ditos recentemente.

Bill McKibben sugeriu que os incêndios causados pelo clima na Austrália tornaram os coalas “funcionalmente extintos”. Extinction Rebellion disse “Bilhões morrerão” e “A vida na Terra está morrendo.” Vice afirmou que o “colapso da civilização pode já ter começado”.

“O mundo vai acabar em 12 anos se não resolvermos as mudanças climáticas.” Diz Greta Thunberg em seu novo livro: “Por volta de 2030 estaremos em posição de desencadear uma reação em cadeia irreversível além do controle humano que levará ao fim de nossa civilização como a conhecemos”.

***

Caso se busque afirmações catastrofistas nos relatórios do IPCC, não será possível encontrar muita coisa, de verdade, fora de conjeturas possíveis, mas ainda longe de ser provadas. O tom médio dos relatórios é sóbrio.

Existe o fato que as chuvas tendem a aumentar com o Aquecimento Global uma vez que temperaturas maiores induzem a uma evaporação maior, formação de nuvens e chuva, e isso não apenas aumenta a quantidade total de chuvas, como se eleva o número de episódios de chuvas mais torrenciais em alguns lugares.

Tirando as chuvas torrenciais, que raramente são boas, apenas o aumento da quantidade de chuvas é difícil ser carimbado como ruim ou bom de forma absoluta, porque deverá ser ruim para alguns lugares, mas bom para outros.

Relativo a desastres naturais, o próprio IPCC diz “Há evidências robustas de desastres deslocando pessoas em todo o mundo, mas evidências limitadas de que as mudanças climáticas ou o aumento do nível do mar são a causa direta”

b) A pretensa nova glaciação

Relativo ao item b), o texto abaixo descreve um exemplo típico onde grandes jornais e até revistas de divulgação científica desempenharam um papel lamentável e irresponsável, repetidas vezes.

O Globo por exemplo publicou uma matéria intitulada “Cientistas dizem que Terra poderá viver ‘mini Era Glacial’ na década de 2030” .

Toda essa celeuma teve início em Julho de 2015, quando a cientista russa Valentina Zharkova, radicada no Reino Unido, deu uma conferência na Sociedade Real de Astronomia, onde ela defendeu que provavelmente haverá uma baixa significativa das manchas solares a partir de 2030, com duração de cerca de 30 anos.

Esse fenômeno corresponderia a um Mínimo de Maunder, que ocorreu pela última vez entre 1645 e 1715, onde aconteceu uma mini era do gelo, que estudos modernos dizem que teve intensidade variável em diferentes pontos da Terra e esteve relacionado também com a intensificação da atividade vulcânica no período.

Para aumentar o alarde, foi divulgado amplamente fotos do Sol que a NASA tirou entre 14 e 18 novembro de 2015, mostrando o sol praticamente sem manchas, dando um certo aval às previsões da Valentina Zharkova.

Só que muitas pessoas esquecem que o Sol atravessa a cada 11 anos um ciclo de manchas solares que tem seu máximo e seu mínimo, como pode ser conferido na foto abaixo. Nada de novo no planeta….

Parecem 2 sols diferentes. Só que não.

Parte da mídia se apressou a dizer que esse período a partir de 2030, corresponderia a uma pequena era glacial, ainda que Valentina Zharkova não tivesse dito em nenhum momento na conferência citada que isso aconteceria.

A revista de divulgação científica IFLScience foi uma delas, em reportagem ilustrada de forma sensacionalista com uma paisagem com muita neve e gelo.

A ilustração da reportagem vai bem no clima de uma nova era glacial.

No entanto, a IFLScience se redimiu e em outra reportagem desmentiu tais afirmações, depois de procurar a própria Valentina Zharkova. Ela especulou que os jornalistas devem ter usado o Wikipedia para associar um Mínimo de Maunder com uma pequena era do gelo, destacando que o erro não está no verbete do Wikipedia, mas nas ilações feitas pelos jornalistas.

Aqui temos alguém apavorado com o frio. Olhem para os seus olhos.

Não satisfeita, a mesma revista IFLScience publicou um terceiro artigo sob o título “O caso da mini era do gelo é uma gigantesca falha de divulgação científica”, que critica também a divulgação oficial falha da conferência. Esta afirma erroneamente que a atividade solar no período após 2013 cairá 60%. Na verdade, a diminuição de 60% se refere às manchas solares, o que é bem diferente.

A revista se comunicou novamente com Valentina Zharkova, que citou um artigo de 1995 da Judith Lean. Esse artigo estima que a queda do TSI foi cerca de 3W/m² durante o Mínimo da Maunder em relação aos dias atuais, o que representa um potencial pequeno de redução de temperatura. O valor médio de radiação solar entrante, a quarta parte, seria apenas 0,75 W/m² a menos.

Para finalizar, a própria Valentina Zharkova, citada repetidamente pelos negacionistas da mudança climática e reverberada em diversas reportagens desde julho de 2015, deixa claro que ela acredita no AG e até defende que providências devem ser tomadas para minorar o problema.

Cumpre notar que um período de dezenas de anos não é nada do ponto de vista geológico. Ainda que uma nova era glacial possa vir um dia, tal transição costuma durar milhares de anos para chegar e não meros 20/30 anos.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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