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Multicausalidade é algo mal entendido

Muitas vezes há um fato na nossa vida ou da sociedade como um todo, em que, por algum atalho mental, tendemos atribuir uma causa única. Invariavelmente, estamos sendo superficiais.

Identificar uma causa nos dá uma sensação de controle que nos conforta, principalmente quando isso se coaduna com nossas crenças e/ou nos isenta de culpa.

Indo para a política, no tempo de Bolsonaro eventualmente aparecia algum bom indicador na economia ou uma queda de indicadores de violência. Seus defensores corriam para as rede sociais para assumir que tudo era mérito dele, rasgando todos os compêndios das respectivas ciências.

Tem chamado atenção, que a despeito do PT com todas as sua mazelas, o IBOVESPA alcançou a sua maior pontuação da história, o dólar tem caído, a inflação está sob controle e até a violência continua a cair em assassinatos por 100.000 habitantes.

Não, não é exatamente consequência do governo Lula, é mais complexo que isso.

No caso da queda da violência no governo Bolsonaro, muitos atribuíam, a princípio, tudo à gestão do Moro. Quando este caiu em desgraça, aí a atribuição passou a ser mais genérica, talvez conectando às medidas de relaxamento ao porte de arma. E aí a violência continua a cair. Confuso, não?

O principal gestor da segurança pública são os estados e o resultados revelam muita diferença de números no detalhe, emulando um pouco o que acontece no paradoxo de Simpson da estatística, em que os dados abertos podem distorcer o todo.

Além disso, nem mesmo os estados são os únicos responsáveis pelos resultados de segurança pública no que tange a assassinatos por 100.000 habitantes. Há muitas dinâmicas envolvidas, incluindo o grau de corrupção da polícia e a disputa de territórios, que varia muito de estado para estado.

Em relação à economia, os sectários ignoram qualquer contexto internacional ou mesmo fatores econômicos locais que atuam independente do governo vigente.

Agora em tempos de Lula, tudo se repete. Os apoiadores do “sapo barbudo” dizem que tudo é por conta do governo do Lula e/ou da saída do Bolsonaro.

Pois é! Ambos grupos estão errados. Muito errados. Nunca é tão simples.

E, dessa vez, espero que as pessoas razoavelmente bem informadas entendam para todo sempre que acontecimentos, em geral, têm múltiplas causas e fogem bastante dos grilhões ideológicos, em que tudo de bom é obra do governo “amigo” e tudo de ruim é culpa do governo “inimigo”

Sobre o dólar, vale ponderar que, perto do fim de janeiro de 2020, ainda sem o impacto da pandemia, o dólar estava em R$ 4,28 e hoje está a R$ 4,91, Como a inflação no EUA de fevereiro de 2020 a novembro de 2023 foi de 17,7%, e no Brasil foi de 26,3%, a inflação relativa do Brasil em relação aos EUA foi de 6,9%, o que jogaria a cotação de R$ 4,28 para R$ 4,60, gerando um aumento real de 7%, o que não é tão significativo assim pelo tamanho do período.

Veja que muita coisa pode acontecer no Brasil e no mundo. Ou seja, tudo pode mudar para pior. Ou não. E, novamente, haverá sempre muitos fatores condicionantes.

***

No entanto, é óbvio que, em longo prazo, a despeito dos esforços até surpreendentes do ministro da fazenda Fernando Haddad, o PT tem uma tradição de gastança de longa data, sob o argumento que o Brasil não pode esperar, o que parece justo a princípio, mas infelizmente más decisões cobram sua conta: a falta de um compromisso sério com o equilíbrio fiscal tem um efeito econômico muito deletério que sempre eclode alguma hora, mas nem sempre em prazo curto.

Isso já se faz sentir, mesmo sem reflexo notável ainda no dólar. Por exemplo, há uma queda significativa, já nos primeiros meses do governo do PT, dos investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil em 2023.

O IED representa basicamente investimentos produtivos e não especulativos e é um bom indicador, embora não tenha a visibilidade de outras métricas como inflação, dólar, PIB ou taxa básica de juros.

Ele é um indicativo importante de percepção de credibilidade, estabilidade e respeito a regras de um país.

O FED nos EUA está bastante elevado (5,25 a 5,5% ao ano) e isso, em tese, desestimularia investimentos no exterior, embora ainda haja uma inflação residual por lá.

Em 2022, o Brasil teve um aumento do IED de 63% sobre 2021 contra um aumento médio na América Latina e Caribe de 55,2%. O Uruguai, com um governo de centro-direita, o IED está voando. Em 2022 teve um aumento de 155%!

Infelizmente, em 2023, com a ascensão do PT o IED no Brasil já caiu 22,8% até outubro em relação a 2022, o que reflete insegurança internacional sobre a gestão das contas públicas no Brasil, inflamado por algumas declarações de Lula.

Governo com tintas de esquerda da América Latina, mas mais pragmáticos, estão com um cenário melhor: no México do presidente Obrador, os 9 primeiros meses registraram um aumento de 30% no IED, acelerando o número de 12% de aumento de 2022. No Chile do presidente Boric, os 8 primeiros de meses de 2023 registraram um aumento de 7% sobre 2022.

***

De todo o modo, voltando ao ponto inicial, a questão de fatos relevantes em diversas áreas terem múltiplas causas é algo que deveria ser óbvio, mas nem sempre isso é reconhecido dessa forma e, assim, é algo importante para ser reiterado, mesmo para pessoas com boa formação.

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Imagem do Freepik

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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3 Comentários

  1. Paulo, bom artigo, porque nos provoca a fazer uma análise mais holística das coisas, mas na maioria das vezes não somos técnicos o suficiente para entendermos todas as possíveis causas que levariam à diminuição da inflação ou aumento da insegurança pública. Como você menciona no seu texto, as coisas são complexas e cada bolha usa pequenos fragmentos do todo para puxar a sardinha para o seu lado.

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