Opinião

Mais perdão, menos lacração – meus desejos (poéticos) de ano novo

“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora a fazer um novo fim” (Chico Xavier).

Contam que Nelson Mandela, já na qualidade de Presidente da África do Sul, encontrou em um restaurante um de seus torturadores do tempo de prisão. O homem tentou se esconder de todos os jeitos, mas Mandela fez questão de ir até a mesa onde ele estava e apertar amistosamente sua mão. Mais tarde alguém perguntou a Mandela porque tinha tido uma atitude tão respeitosa com alguém que o torturou e humilhou durante tanto anos. A resposta foi algo do tipo “Se eu procedesse com ele do mesmo jeito que ele fazia comigo, eu estaria sendo igual a ele. E não se constrói uma nação com vingança, mas sim com tolerância”. Se vivesse no Brasil e conhecesse o brilhante poeta Emicida, provavelmente repetiria com ele “prá que amanhã não seja só um ontem com novo nome”. Simples e profundo.

Onde quer que estejam, tenho certeza que o grande Mandela e o nosso bom Chico devem estar muito tristes ao ver que as sementes que generosamente plantaram não deram muitos frutos. Pelo contrário, estamos em uma época de ódio e revanchismo como eu nunca vi em meus 68 anos de vida. Não existem mãos estendidas, apenas punhos cerrados. O perdão está “off”; todo mundo quer vingança, nada é desculpável, os teclados viraram espadas sedentas do sangue dos infiéis, seja o assunto política, racismo, religião ou até o inocente futebol. Lembrando o imortal Lupicinio Rodrigues, “só vingança, vingança, vingança, aos santos clamar”. Pobres dos santos, habituados a outro tipo de linguagem…

Aproveitando a virada do ano, peço aos “migues” uma reflexão sobre como é perigoso este comportamento. E proponho trocar a seriedade trevosa dos profetas do caos que andam circulando pelas redes anti-sociais pela leveza dos poetas e escritores, os verdadeiros mensageiros de Deus.  Ou vocês pensam que Alceu Valença estava brincando quando falou “A voz do anjo sussurrou no meu ouvido”? Pensei em algumas citações que me parecem coerentes para os tempos em que estamos vivendo. Afinal, de poeta e profeta todo mundo tem um pouco, E cheguei ao decálogo abaixo.

Dez desejos para o Ano Novo

1 – Que nossa atitude melhore a partir de hoje, independente do calendário. Porque “é dentro de você que o ano novo cochila e espera desde sempre”, conforme profetizou Carlos Drummond de Andrade.

2 – Que sejamos capazes de resistir à tentação de revidar o mal com o mal. Porque “al malo solo el cariño, lo vuelve puro e sincero”, conforme profetizou Violeta Parra.

3 – Que nunca deixemos de perdoar, porque certamente no fim dos tempos haverá “uma chuva de pétalas, como se o céu vendo as penas, morresse de pena e chovesse o perdão”, conforme profetizou Chico Buarque.

4 – Que não esqueçamos que perdoar é só para os fortes, afinal “compaixão é fortaleza”, conforme profetizou Renato Russo.

5 – Que cada um de nós saiba preservar a própria saúde esquecendo suas mágoas e rancores, porque “guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra”, conforme profetizou William Shakespeare.

6 – Que quando acharmos que este tempo de trevas não vai acabar nunca, que brote em nós a força para “acreditar na existência dourada do sol, mesmo que em plena boca nos bata o açoite contínuo da noite”, conforme profetizou Aldir Blanc.

7 – Que nas nossas vacilações, tenhamos a coragem de entender que “cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, e ser feliz”, conforme profetizaram Renato Teixeira e Almir Sater.

8 – Que na hora dolorosa em que a paixão pode virar ódio, lembremos sempre que “o importante é que a nossa emoção sobreviva”, conforme profetizou Paulo César Pinheiro.

9 – Que tenhamos força para ser agentes da mudança, porque “somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”, conforme profetizou Eduardo Galeano.

10 – E que quando a gente não agüentar mais ver tanta babaquice, nos venha a coragem de ligar o f(*) e pensar que “estes que aí estão, atravancando o meu caminho, eles passarão, eu passarinho”, conforme profetizou Mário Quintana.

Sendo egoísta, concedo a mim e a meus colegas professores um desejo extra de brinde;

11 – Que continuemos tendo público para nossos cursos e palestras. Porque “feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”, conforme profetizou Cora Coralina.

Feliz Ano Novo!

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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