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E agora? Para onde vamos?

Há exatos dois meses escrevi nesse boteco sobre alguns cenários para fins de planejamento empresarial (https://papodeboteco.net/opiniao-princ/o-brasil-precisara-de-um-pacote-de-estimulo-economico-em-2021-como-paga-lo/), ansioso que estava de fechar o ano sem uma boa indicação sobre os planos do governo. Cá estamos entrando em março e a ansiedade só aumenta, pois os avanços foram parcos e os riscos cresceram.

A ideia central do cenário-base se mantém, com um auxílio emergencial no lugar do Renda Brasil, financiado por dívida pública, mas com uma promessa de contenção de gastos nos próximos meses e anos, via PEC Emergencial. A expectativa é que o maior endividamento agora tenha a contrapartida de maior disciplina fiscal no futuro próximo – a mesma lógica do Teto de Gastos, quando foi instituído. Há, porém, uma lacuna com milhões de informais e desempregados sem renda por dois, três meses, mas a recomposição de estoques pode compensar parcialmente esse fator, isso ficando somente no seu impacto econômico, pois o social já é inevitável pelo atraso das providências.

A troca temporal não me parece má, pois o dinheiro na mão dos mais pobres tem um impacto maior sobre o consumo do que os gastos com o alto funcionalismo. Vimos em 2020, com o auxílio emergencial, que a tal propensão ao consumo funciona mesmo. É a mesma receita. Entretanto, o diabo está nos detalhes e no senso de urgência e o debate foi prejudicado pela ideia de desvinculação do piso para educação e saúde.

É, a meu ver, uma proposta inconveniente, pois abre uma brecha para reduzir os gastos com educação e saúde antes que se enderecem os gastos com o alto funcionalismo e se reduzam isenções e subsídios empresariais. Não é preciso uma bola de cristal para imaginar quem perderá nesse cabo de guerra. Espero que não progrida. Bem, com a polêmica instalada não há ainda uma definição, teremos que esperar.

Três riscos graves cresceram desde o final de 2020.

O primeiro é referente à dinâmica da pandemia. O descaso com as providências para obtenção das vacinas pode custar caríssimo com o repique de casos que estamos a presenciar. Retornamos ao patamar de mais de mil mortes por dia com risco de colapso da rede hospitalar em vários estados. Além do custo humano, as inevitáveis medidas de restrição aumentarão o desafio econômico e podem derrubar as já frágeis expectativas. As recorrentes declarações do presidente, a criticar até o uso de máscaras, mostram sua preferência em dobrar a aposta de incendiar a sua militância e seguir na lógica do confronto. A prioridade é o jogo eleitoral de 2022 e não endereçar um problema premente.

O segundo risco que aumentou é em direção ao populismo econômico, que era o meu cenário pessimista há dois meses. A reação à pressão dos caminhoneiros, a demissão do presidente da Petrobrás e a ameaça de intervir no setor elétrico gerou um estresse no mercado financeiro que tem consequências além do sobe e desce de curto prazo da bolsa de valores. A percepção de que Bolsonaro pode enveredar por esse caminho aumenta o custo de capital para o Tesouro administrar a dívida pública, prejudica a atratividade do programa de concessões e privatização e aumenta a cautela dos empresários locais para tomar decisões de investimento. Portanto, mesmo que Bolsonaro fique somente na retórica, haverá um custo econômico a ser pago pelos arroubos das últimas semanas.

O terceiro risco é político. Importantes consultorias, como a Eurasia já falam, agora, com todas as letras, para seus clientes no exterior sobre a possibilidade do presidente, encurralado pelas dificuldades econômicas e pelo Centrão, trabalhar para questionar a legitimidade das eleições de 2022, caso as perca, repetindo a estratégia do Trump nos EUA, com a diferença de que por aqui as instituições são mais frágeis e ele conta com o possível apoio do Exército e da PM, sendo cultivado a olhos vistos com verbas e cargos ( 5’40’’ em https://twitter.com/ianbremmer/status/1363996202027614208?s=20). Pode não acontecer nada, é ainda um risco remoto, mas só da possibilidade ser aventada já impacta na disposição de investidores estrangeiros, quando o Brasil poderia se aproveitar melhor da alta liquidez e das baixas taxas de juros globais.

Conclusão

As estimativas constantes do relatório Focus do Banco Central para 2021 (https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus) pioram devagar a cada semana, com juros e inflação para cima e crescimento para baixo (lembrando q um crescimento de 3% significará marginalmente perto de 0%, por causa do carregamento estatístico de 2020, dada as particularidades da recessão e recuperação abruptos). As estimativas para 2022 e 2023 estão praticamente congeladas, não são críveis.

Até prova em contrário, o cenário otimista – com reformas e privatizações relevantes, compensando o novo auxílio emergencial, parece algo longínquo. As propostas de privatização da Eletrobrás e dos Correios, recém enviadas ao Congresso só andarão com um esforço grande da ala política do governo e do próprio Bolsonaro, o que é contrário à atuação dos últimos tempos. As reformas tributária e administrativa também foram devidamente diluídas e estão esmaecidas no radar. Desse lado, agora, é na base de São Tomé – ver para crer, pois a credibilidade já foi perdida.

A tarefa, para quem for revisar o planejamento da sua empresa agora no final do primeiro trimestre, é ingrata, as incertezas são muitas e crescentes. O impacto setorial não é simétrico, há oportunidades, mas o ambiente geral piorou. Muita cautela e prepare-se para a eventualidade de mudar de curso rapidamente. O dedo terá que estar no gatilho, com planos de contingência atualizados, olhando, principalmente, para o desenrolar do repique da pandemia e o progresso da vacinação.

Mãos à obra.

Alberto Ferreira

Paulistano adotivo desde 1984, nasceu no Rio de Janeiro em 1961, de onde trouxe a torcida pelo Fluminense. Leitor inveterado de jornais, economia e negócios descansa lendo romances, assistindo futebol e ouvindo MPB. Casado desde 1985 com duas filhas adultas já independentes, foi cfo e controller no mercado financeiro e agora divide o tempo entre um mestrado em administração, acolhimento familiar, administração de bens e consultoria.

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