Impressões indianas
Não posso dizer que em quatro dias conheci a Índia, um país de complexidade sem igual, principalmente considerando que minha vivência se deu através de sua cidade mais desenvolvida do ponto de vista econômico ( Bangalore ). Porém, mesmo nesse breve período foi possível destacar algumas impressões. E como não há segunda chance para se causar a primeira impressão, eis o que trouxe comigo na bagagem…
Qualquer minoria na Índia é maioria em quase todo planeta. Dos seus 1.2 bilhões de habitantes, 13% são muçulmanos, o equivalente a quase 160 milhões de pessoas ou 80% da população brasileira. A minoria muçulmana indiana agrega o segundo maior contingente islâmico do planeta, somente abaixo da Indonésia, e se fossem um país seriam o sexto mais populoso da Terra. E o que dizer sobre os cristãos, que totalizam pouco menos que 3% do total. Achou pouco? São 36 milhões, quase uma Argentina. Sob qualquer variável analisada, o ‘mundaréu’ de gente da Índia se destaca.
As vacas, coitadas, cada vez mais se distanciam do status ‘sagrado’ e se aproximam do status ‘bife’. Apesar dos hindus serem a maioria da população (80%), suas novas gerações ( principalmente a partir dos anos 90) não respeitam muito o hábito de evitar a carne vermelha. Os bovinos ainda desfrutam de regalias impensáveis a qualquer outro animal no mundo, como por exemplo o direito de transitarem pomposamente nas ruas, sem serem incomodados em meio a um trânsito absolutamente caótico, mas sua vida está cada vez mais difícil por lá. Não tarda e a globalização se encarregará de levar uma churrascaria ao território hindu. Uma heresia em outros tempos.
Se a cidade mais desenvolvida me chamou atenção pela precariedade de sua infra-estrutura, posso imaginar como é o restante do país. Faltam calçadas, há muita terra, chão batido. Menos asfalto do que estamos acostumados. Mais lixo nas ruas. Muito mais. Sob o ponto de vista de urbanização, o Brasil está muito à frente. Uma legião de motoqueiros, táxis ‘triciclos’, automóveis vindo na contramão em sua direção e muitas buzinas (quase um instrumento de defesa) fazem o trânsito paulistano parecer um lar de pacatos lordes ingleses. Até conhecer a Índia, julgava que a motocicleta era transporte para uma, no máximo duas pessoas. Me enganei. Vi famílias de quatro e até cinco indivíduos se deslocarem sobre uma moto.
Em conversas com locais, nota- se bastante desencanto com a corrupção endêmica que assola o país. Não tive notícias de um escândalo de proporções ‘ petrolíferas ‘, tal qual testemunhamos por aqui, mas a falta de vergonha na cara e a malandragem também fazem parte do cotidiano da Índia e envergonham muitos dos seus cidadão. Nesse aspecto, encontramos um país co-irmão. Por outro lado, as chances de ser assassinado são bem menores por lá, onde trombadinhas são uma febre em lugares cheios.
Não me espanta que especialistas indiquem que a Índia superará a China na velocidade de crescimento para os próximos anos. A impressão que temos ao transitar por suas ruas entupidas diantes de construções mal acabadas é que tudo está por ser feito. Ela é um oceano de oportunidades. Não há quadra sem a presença de uma obra. E apesar do indiano geralmente ter uma afeição especial pelo Estado ( mais uma semelhança com o Brasil), o atual governo patrocina uma agenda liberal, buscando desamarrar os inúmeros entraves burocráticos da economia e estimulando o investimento externo. Serão exitosos? O tempo dirá.
Apesar do extraordinário e vergonhoso índice de analfabetismo (35%), são 400 milhões de iletrados, ou dois Brasis que simplesmente não sabem ler, é enorme o contingente de jovens recém formados e bem preparados, com ganas de trabalhar e crescer, todos falando inglês e ávidos em abraçar oportunidades. Não é à toa que em grandes multinacionais, os indianos estão por toda parte. Eles topam qualquer parada, não há tempo ruim. E crescem. Servem de exemplo aos mais jovens, que se espelham em sua trajetória de sucesso e internacional para fazer mais e melhor. A minoria preparada já é uma multidão.
Espere ser muito bem atendido na Índia. Nos hotéis, a gentileza dos funcionários até causa constrangimento, uma mistura entre a cordialidade intrínseca ao seu DNA e a formalidade britânica herdada dos tempos coloniais. Ao contrário dos chineses, normalmente reservados, os indianos tem um caráter expansivo e estão sempre dispostos a um bom papo. Bem humorados, tem o riso fácil. Mais um elemento comum com o Brasil. Um país de contrastes, desigual, sofrido, explorado, mas que não perde a alegria. E persevera…