Política

O partido do eu sozinho

Um total de 1.216 candidatos concorreram nas eleições presidenciais norte-americanas: Joe Biden, Donald Trump e mais 1.214 candidatos independentes.

Surpreso com essa informação? Pois é. Quem está acostumado a ver apenas dois candidatos disputarem as eleições nos EUA, não imagina a quantidade de maluco que acha que pode ser presidente fora das máquinas partidárias dos partidos Democrata e Republicano.

Quem quer concorrer de verdade à cadeira no Salão Oval, submete-se ao escrutínio interno de um desses dois partidos, para, assim, poder contar com a máquina partidária trabalhando a seu favor. Uma campanha eleitoral do tamanho da americana envolve centenas de milhões de dólares, sem os quais não dá nem para começar a pensar em concorrer.

Pensei nisso quando vi as articulações entre Huck e Moro com vistas às eleições de 2022. Nenhum dos dois pertence a qualquer partido. E, mesmo assim, não são vistos como um dos 1.214 malucos que querem chegar à Casa Branca de forma independente. Pelo contrário: suas pretensões são levadas à sério pelos políticos e pela mídia.

Bolsonaro chegou ao poder em um partido de aluguel, ao qual não está mais afiliado. Nunca teve vida partidária, sempre foi um lobo solitário. A operação Lava-Jato desnudou um esquema de corrupção de tal envergadura, entranhada de tal forma nas máquinas partidárias e no financiamento eleitoral, que a ideia mesma de partido político tornou-se sinônimo de falcatrua. Bolsonaro surfou essa onda.

A questão de fundo, no entanto, é a seguinte: existe democracia sem partidos políticos fortes? Observando-se a experiência das maiores e mais estáveis democracias ocidentais, a resposta é um rotundo não. Ou, por outra: não temos experiência de democracias estáveis sem partidos políticos fortes.

O que é um partido? Um partido é um agrupamento de pessoas com ideias semelhantes e que trabalham de forma mais ou menos unida para chegar ao poder e implementar essas ideias. Um sistema de poder sem partidos fica refém de personalismos: o líder carismático, cuja palavra se torna lei.

No Brasil, temos dezenas de partidos políticos, assim como nos EUA, onde existem 52 partidos além dos democratas e republicanos. Apesar dessa miríade de partidos, somente alguns poucos realmente podem ter a pretensão de chegar ao poder máximo da República.

Um partido político não serve apenas para eleger o presidente. Há um sem número de cargos executivos e legislativos que formam a teia de sustentação de uma candidatura presidencial. Quer dizer, além do dinheiro, estamos falando também de apoio político para a campanha.

O fenômeno Bolsonaro foi único, em um momento particular da história brasileira. Pode até ser reeleito em 2022, com base em seus atributos pessoais, mas dificilmente fará o seu sucessor se não montar uma máquina partidária digna do nome. As dificuldades em montar o Aliança não autorizam muito otimismo nesse campo.

Achar que a democracia brasileira será uma exceção à regra das democracias ocidentais é uma ilusão. Aqui os partidos políticos continuarão a formar a infraestrutura do poder político. Bolsonaro já reconheceu esse fato implicitamente, ao liberar espaços para o Centrão em seu governo.

Huck e Moro, portanto, antes de pretenderem alguma coisa, precisarão encontrar partidos políticos que lhes deem base para a sua pretensão. Como disse acima, o fenômeno Bolsonaro foi único em um momento muito particular da história brasileira. Muito difícil se repetir, a não ser que outro fenômeno do porte da Lava-Jato ocorra novamente.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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