A cultura de um país na planta da casa
Muitas características culturais de uma sociedade podem ser desvendadas a partir da observação dos seus estilos de vida. Percebi isso ao longo de quase seis anos como estrangeiro, quando vivi em três países e quatro casas diferentes. Ao todo, antes de escolher a ‘vivenda’, visitei mais de 60 imóveis em Miami, Atenas e Londres. Essa experiência, além da rotina associada à logística da casa me fizeram tirar algumas conclusões interessantes, nada científicas, todas empíricas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há abundância de espaço, particularmente nos cômodos privados. Quartos grandes, closets imensos, em muitos casos dois banheiros para o casal. Geralmente a cozinha está acoplada à sala – o famoso estilo americano – e não enche os olhos de ninguém. Proporcionalmente, a sala é pequena em relação aos quartos. Esses são tão confortáveis, que frequentemente se tornam o lugar preferido da casa. Os americanos privilegiam os espaços individuais. Nada mais natural na sociedade mais individualista do planeta. A linha branca de eletrodomésticos está geralmente incluída em qualquer pacote de locação e há um contrato anual de manutenção com uma empresa de serviços. As máquinas de lavar e secar mais parecem tanques de guerra, tamanha a potência. Se fossem utilizadas no Brasil, com certeza fariam cair a energia da casa. Aliás, a roupa sai seca e praticamente desamassada. Dura pouco também. Mas no nirvana da sociedade de consumo, tudo é feito para ser substituído. Se o sujeito morar em uma casa, terá uma garagem que servirá de depósito para as mais diversas tralhas. Como os preços são convidativos, as pessoas são tentadas a comprar, mesmo que seja um supérfluo. Imagine você saindo de casa com o objetivo simples de almoçar. As chances de voltar com uma sacolinha são grandes. Nos EUA, a teoria do ‘barato relativo’ é quase uma lei: ‘achei algo que valia $100 por $50, estava tão barato que comprei 3 peças..’. No fim, o sujeito compra o que não precisa e gasta mais, acumula o que não usa na garagem, e quando o espaço acaba, aluga um depósito, facílimo de encontrar em qualquer canto do país. Quando os depósitos ficam cheios, o Exército da Salvação recebe doações.
O pragmatismo também é uma marca dos americanos. Normalmente, a maioria dos cômodos não tem luz no teto. E por que? Certamente para facilitar a construção, economizando na fiação elétrica. As paredes divisórias de gesso entre os cômodos também são exemplos disso. Nos EUA, você tem a impressão que produz mais lixo que o normal. Isso porque tudo é ‘big’, os produtos são vendidos em grandes porções, demandam embalagens maiores, e consequentemente enchem a lixeira mais rápido. Conforme já descrito, a cozinha não é aquela maravilha, por que em geral os americanos não passam muito tempo por lá. Refeições rápidas são muito populares, a fartura na área de congelados dos supermercados é fenomenal, como também são as vagas na garagem, preparadas para acomodar com tranquilidade as mega SUVs que desfilam pomposamente pelas largas avenidas e estradas.
Na Grécia, tudo é diferente. Considerando imóveis do mesmo padrão, começamos com quartos minúsculos. O espaço individual é reduzido em detrimento do comunitário. Salas e cozinha são gigantescas. Nessas condições, o sujeito não passa muito tempo no quarto. Não é confortável. Ele vai para a sala ou para a cozinha, e obrigatoriamente interagirá mais com os outros. Falando em cozinhas, elas são geralmente o ponto alto de uma moderna casa grega. As refeições são mais valorizadas na Europa mediterrânea e se você dedica mais tempo a elas, nada mais natural que a cozinha seja mais ‘caprichada’. Outra característica muito particular da Grécia é a presença de grandes varandas. O apartamento pode ser uma biboca, mas terá sua varandinha privada, onde o morador conseguirá colocar pelo menos uma mesinha e duas cadeiras, e desfrutará de um café gelado com um cigarrinho sob o sol da tarde. Os gregos são ávidos consumidores de café e cigarro. Estar na varanda é algo muito comum em um lugar onde o clima traz pelo menos uns 9 meses de sol por ano. Estranho é não haver lugar para máquina de secar na casa. Mesmo nas classes mais abastadas, as pessoas preferem estender a roupa em varais ao ar livre. O clima, como eu disse, colabora. Um contraste quando comparamos com os tanques de guerra americanos. Quando eu morei na Grécia, não havia espaço para máquina de secar, e ela foi parar em um dos banheiros! Aliás, não há muitos deles. O apartamento em que eu morei, com uns duzentos e poucos metros quadrados, tinha 3 dormitórios, sendo somente uma suíte. Os outros dois compartilhavam um banheiro. E só. Em Miami, em um apartamento de tamanho similar, eram 3 suítes, sendo que a de casal contava com dois banheiros! Europeu não toma banho? Bem, não chego a concluir isso, mas cada um valoriza o que acha mais importante….Na garagem, as vagas não são tão espaçosas, pois os carros não são tão grandes; proliferam os Smarts e Minis. São muito mais práticos para manobrar nas geralmente estreitas ruas de Atenas, mais congestionadas que as paulistanas, onde calçadas viram estacionamento e discussões no trânsito são tão comuns quanto motoboys raspando o retrovisor do carro em Sampa.
E Londres? A cidade mais cosmopolita do mundo tem as suas particularidades. A primeira delas é demográfica. Em meados da década de 30, a população londrina – de 7 milhões de pessoas, era quase equivalente à atual. Isso quer dizer que a maioria das casas de hoje já estava lá há 80 anos! Em Londres, as chances de você morar em uma casa centenária são altas. E por mais que tenham passado por inúmeras reformas, também são altas as possibilidades de você se deparar com incômodos vazamentos sem solução. Imagino que também por conta de uma tubulação antiquada, as descargas dos vasos sanitários tem que ser acionadas pelo menos duas vezes até que cumpram sua missão! Por serem tão antigas, a maioria das casas e edifícios não tem garagem. Nesse caso, o sujeito tem que parar o carro na rua. Pagando uma taxa anual à prefeitura ele tem preferência de estacionamento nas quadras ao redor de sua casa. Por ter mais de 1.200 Km entre linhas de trem e metrô conectadas, as pessoas usam muito mais o transporte público, por isso a ausência de garagem não chega a ser um problema. Caminha-se muito em Londres. Muita gente vai de tênis ao trabalho. Chegando lá, veste-se o sapato que estava dentro da mala ou bolsa. As casas geralmente tem três pavimentos, as famosas ‘town-houses’, com terrenos estreitos de frente, mas extensos em profundidade. Levando em consideração o fator ‘velharia’, dá para dizer sem medo de errar que é o local onde a qualidade da moradia é a mais prejudicada. As cozinhas não são o ponto alto das casas, mas são infinitamente mais charmosas que as americanas. E qual seria ele então? Resposta fácil: é o jardim. Se na Grécia, qualquer muquifo tem uma varanda, em Londres a casa pode estar implorando por uma reforma, mas terá um jardim bem cuidado. Os ingleses são obsessivos em relação às suas plantas. Inclusive, uma fase comum para crianças de até 5 anos é a de ‘bug-hunters’ – caçadores de insetos. O local da peleja são os incontáveis parques da cidade e os quintais das casas. Meu filho também foi um ‘bug-hunter’. Eu fui assessor de um caçador de insetos!
E como comparar o Brasil a esses três mundos diferentes, a partir da observação do estilo de moradia? Bem, para começar, se nos EUA um apartamento de 120m2 tem apenas duas suítes, aqui nesse mesmo espaço nossos arquitetos conseguem encaixar quatro cubículos chamados de dormitórios, além da micro-dependência de empregada, anexada a um vão, chamado de banheiro. Por conta dessa necessidade de ter tudo e não ‘desperdiçar espaço’, nossos apartamentos acabam perdendo em conforto em relação aos similares estrangeiros. Não temos nem os ‘mega’ espaços individuais americanos, tampouco as amplas cozinhas ou salas gregas. Se um apartamento médio de 2 dormitórios nos EUA tem 120m2, aqui no Brasil o mesmo terá por volta de 70m2. As vagas de garagem também são mais apertadas, pois os carros são menores. A falta de segurança nas cidades faz com que a maioria dos condomínios de classe média construídos hoje já tenha uma razoável estrutura de lazer. Excetuando-se a Flórida, onde pelo clima isso também acontece, essa característica não é tão comum no restante dos EUA, em Atenas ou em Londres. Em São Paulo e nos estados do Sul, apartamento ou casa sem churrasqueira é um imperdoável erro de projeto. Não há necessidade disso para assar uma salsicha com hambúrguer nos EUA. Compra-se a churrasqueira elétrica. Em Londres, um evento desse ao ar livre é de alto risco, o tempo não é firme o suficiente…melhor comer ‘fish and ships’ dentro de casa. E o salão de festas? Coisa de brazuca. Isso é raríssimo em outros lugares. Também pudera, ninguém faz festa como o brasileiro. Se na Grécia fica claro o alto valor dos espaços comunitários dentro de casa, no Brasil a ausência desse espaço, comprimido pelo excesso de cômodos, é compensada pela presença do salão de festas. Se não é possível socializar dentro de casa, faz-se no condomínio…e se ele for pequeno, aluga-se um ‘buffet’. Em se tratando de festa, somos profissionais.
As diferenças culturais podem ser encontradas em cada detalhe do cotidiano. Muitas vezes, isso não é tão perceptível nas viagens turísticas. Por essa razão, a experiência de viver fora do país é extremamente enriquecedora e altamente recomendável para quem tem curiosidade em vivenciá-las!
Victor, vou dar minha contribuição ao blog contando um pouco das moradias na Italia… achar uma casa ou apartamento decente pra morar e’ “missão impossível” porque por lei qualquer reforma interna ou externa deve ter aprovação da prefeitura, muita burocracia e meses de espera, ou seja, casas velhas, cheirando bolor, ao melhor estilo Frankenstein !!! A maioria e’ vazia, vazia mesmo, sem cozinha, sem armários, somente as paredes e o vaso sanitário (muitas vezes a velha banheira no lugar do chuveiro). Aquecedor autônomo e’ um privilegio, garagem e’ item de luxo, a maquina de lavar roupas ocupa lugar no banheiro, maquina de secar o que e’ isso ? assim como o salão de festas, dependência de empregada e’ coisa de Brazuca, serviço pago por hora. Muitos prédios nao tem elevador, nem zelador e o lixo e’ colocado para fora pelos próprios moradores em sistema rodízio. O churrasco na sacada na grelha portátil. Mas qual e’ o ponto alto da casa ? ahhh e’ o parque publico mais próximo ! sempre cheio independente da temperatura externa.
nada é perfeito…!!!!
Arquitetonicamente falando … show de texto!
Gostei muito…