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Secas, inundações e aquecimento global

Introdução

Quando se fala de aquecimento global ou mudança climática alguns críticos apontam exageros e previsões apocalípticas feitas por alguns cientistas, ONGs e políticos, que parte da grande mídia não cansa de reverberar até hoje.

Isso fica cômico quando se lê, por exemplo, previsões feitas nos anos 70 sobre os dias atuais.

Por isso acho que essas previsões furadas geram um efeito negativo que levam muito pessoas a achar que tudo é uma grande balela.

Por isso quase sempre adoto o caminho do meio, que é o caso, por exemplo,
Why Apocalyptic Claims About Climate Change Are Wrong de Michael Shellenberger (2019), publicado na Forbes, que acredita no aquecimento global antropogênico, mas sem alarmismo.

Independente da acurácia de diversas previsões, como tenho dito diversas vezes, não penso que, na prática, qualquer país levará a sério essa questão além de publicar metas inatingíveis e declamar palavras de ordem.

No mundo real, a economia e a política em curto prazo continuará prevalecendo e dando as cartas. Não vejo espaço no mundo para se abandonar um modelo que prega o crescimento econômico, e deixar o petróleo e o gás natural no interior da Terra.

Aqueles que. não acreditam no aquecimento global ou que admitem o aquecimento, mas não veem a causa humana como uma de suas causas principais, podem ler alguns dentre os vários artigos que publiquei no PDB sobre isso: Por que o Aquecimento Global é real?, Aquecimento Global sem politização – parte I, Aquecimento Global sem politização – parte II , Aquecimento Global sem politização – parte III e Aquecimento Global sem politização – parte IV.

Que alternativas temos como fontes de energia?

Para mim o ponto chave da mudança energética é a questão do custo. Cada vez a extração de óleo e gás tende a ficar mais cara e outras opções de energia ficarem mais baratas.

A energia de fusão teve recentemente um revés importante, porque a maior das esperanças, o projeto ITER, teve um adiamento de aproximadamente uma década. Existem alternativas em curso, mas que são ainda mais distantes.

ITER - the way to new energy
ITER : a imagem é bonita!

A energia de fissão baseada em tório, apesar de ser promissora do ponto de vista teórico, ainda não existe em produção real, só em projetos experimentais. Isso se deve ao montante já investido em reatores convencionais, a questões regulatórias, à exigência de altos investimentos iniciais, à existência de entraves tecnológicos para a operação e produção de energia em escala comercial.

A fissão convencional, baseada em urânio é uma opção mais madura e bem conhecida, inclusive em relação aos seus problemas (risco de acidentes, custo inicial alto, resíduos nucleares). Tem havido um certo boom e evoluções tecnológicas relevantes, após um certo período de estagnação.

Temos ainda a energia solar e seus congêneres, como a energia eólica: A grande questão aqui é a intermitência e o alto custo de instalação. Não há sol e vento o tempo todo. Essa intermitência gera a necessidade de baterias ou armazenagem de energia em outros formatos, como bombeamento hidráulico. No caso das baterias, além do custo elevado, embora em queda, há ainda o problema do tempo de vida útil dessas baterias. Não há ainda uma uma solução impactante para este problema crucial.

Em resumo, nenhuma dessas formas de energia substituirá o petróleo e o gás natural com custo competitivo, em um tempo próximo.

Antes de entrar no mérito

Aqui quero abordar especificadamente a questão da inundação de maio de 2024 no Rio Grande do Sul e a seca que assola grande parte do pais.

Para chamar a a atenção dos céticos, gostaria de primeiro mostrar um mapa e depois fazer uma breve observação.

Mapa que exibe áreas com possibilidade de maior ou menor de chuva

A fonte desse mapa é ESRI, líder global de mercado em software de sistema de informações geográficas (GIS), inteligência de localização e mapeamento. Eles coletaram os dados da U.S. Global Change Research Program e da unidade de suporte técnico da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) .

O interessante é que esse mapa foi publicado em 31 de janeiro de 2023, vários meses antes dos fatos ocorridos. Note que a zona azul escuro é no Rio Grande do Sul e a zona apontada como seca (vários tons de laranja) tem similaridade com a real zona de seca no Brasil.

O que isso quer dizer? Que se provou uma relação causal direta? Não! Ainda que algumas reportagens citem o aquecimento global com causa direta das inundações no Rio Grande do Sul de maio de 2024, isso é falso. Os modelos de aquecimento globais são incapazes de prever eventos específicos. O que eles podem indicar é um aumento de probabilidade de alguns eventos climáticos. E tudo isso são modelos estatísticos sujeitos a processos de revisão.

Inundações no Rio Grande do Sul

Há quem aponte os eventos de 2024 como muito semelhantes ao também trágico evento de 1941. no entanto, não é bem assim. O atual evento foi maior em volume. Segundo a matéria do BBC, em 2024 a inundação foi mais concentrada, com mais chuva em menos dias, atingiu uma extensão maior, e teve menos influência de ventos soprando da direção Sul.

Meteorologistas apontam que estamos no El Niño, um fenômeno climático mundial em que as águas equatoriais do Pacífico ficam mais quentes, trazendo umidade para diversas áreas, que ocorre com periodicidade de 2 a 7 anos.

Localmente o El Niño teve uma interação com uma frente fria (“cavado”), que ficou retida por uma onda de calor no centro oeste e sudeste, que foi ampliada pela seca na Amazônia, diminuindo os chamados “rios voadores” (imensas quantidades de valor d’agua transportadas pela atmosfera)

Bem, o evento El Niño finalmente acabou, mas onde entra o aquecimento global aí? Ora, pesquisas têm mostrando que o fenômeno El Niño tem ficado mais intenso e frequente.

Assim, o fenômeno tem causas múltiplas: o aquecimento global, o El Niño, e a variabilidade natural regional e local são tudo fatores a serem considerados. E uma vez que aconteça enchentes, o que aumenta o impacto? Desmatamento, assoreamento dos rios, construções irregulares, sistemas de alertas ruins e monitoramento precário.

Isto tudo pode ser equacionado para mitigar um pouco os efeitos, mas, se esta tendência de aumento probabilístico de chuvas e extremos climáticos for real (o que parece ser) passará muito menos do que 83 anos antes do próximo evento.

Assim seria preciso se inspirar no exemplo da Holanda: diques, comportas, barreiras e uma sensível melhoria na drenagem nas cidades, tudo isso envolvendo custos bem elevados. O sistema atual está com manutenção precária e pode se idealizar vários aperfeiçoamentos, para sustentar condições mais radicais.

Inundações na Holanda (1953) – ((Foto: Rijkswaterstaat, Data-ICT-Dienst, Beeldarchief Rijkswaterstaat https://beeldbank.rws.nl )

A tragédia da seca no Brasil

O Brasil está lidando com a pior seca desde o início dos registros da série histórica, que começou em 1950. A seca atual atinge cerca de 58% do país.

Na Amazônia, as secas têm se tornado mais graves com o progressivo desmatamento na região , associados à questão do clima, referida acima.

No caso, houve no período 2022/2023 o fenômeno La Niña. La Niña representa o resfriamento equatorial do oceânico Pacífico, e tem periodicidade de 2 a 7 anos. No caso, o fenômeno gerou uma grande seca na Amazônia em 2023. O curioso é que quando La Niña é menos intenso, não provoca este efeito observado.

Em 2023/2024, ocorreu a entrada do fenômeno e El Niño, e a seca não apenas voltou na Amazônia, de maneira ainda mais extrema, como se estendeu para boa parte do país, agora regida pelo El Niño. O povo local assistiu incrédulo leitos de rios secando, que antes sempre foram trechos navegáveis. incluindo pedaços dos rios Solimões e Negro.

Incrível imaginar pessoas na Amazônia sem poder usar rios para transporte

E seca, como um todo, é algo terrível porque impacta a população local, os rebanhos, as plantações, além do próprio meio-ambiente. E a seca, junto com as temperaturas elevadas, ajudam a produzir muitos incêndios espontâneos,

Estes incêndios têm sido agravados pela queimadas criminosas, que tem como o objetivo da produzir pastos e clareiras de forma “barata”. Obviamente estar em um país com muitos incêndios espontâneos ajuda a impunidade. E, por sua vez, a enorme quantidade de fumaça produzida pelos incêndios afeta a saúde até mesmo de populações mais distantes e até ajuda a gerar o fenômeno do sol vermelho, que é bonito de ser observar, mas é um indício lazarento de coisas ruins.

Entenda por que o Sol fica vermelho com a fumaça das queimadas | Jornal de Brasília
É bonito, mas….

Causas de mais secas em algumas áreas

Não parece muito intuitivo, mas o aquecimento global tende a aumentar a seca em algumas regiões do planeta, como mostra o mapa no início do artigo. Abaixo vamos delinear algumas explicações.

Temperaturas maiores aumentam o nível de evaporação, o que reduz a água da superfície e seca os solos e a vegetação. Isso torna os períodos com baixa precipitação mais secos do que seriam em condições mais frias.

Temperaturas mais altas no inverno estão causando menos precipitação como neve em algumas partes do hemisfério norte, A redução da camada de neve pode ser um problema, mesmo que a precipitação anual total permaneça a mesma. Isso ocorre porque muitos sistemas de gerenciamento de água dependem do derretimento da camada de neve na primavera.

Da mesma forma, certos ecossistemas também dependem do derretimento da neve, que fornece água fria para espécies como o salmão. Como a neve atua como uma superfície reflexiva, a diminuição da área de neve também aumenta as temperaturas da superfície, agravando ainda mais a seca.


Alguns modelos climáticos que acoplam o sistema de ventos, correntes, oceânicas e temperatura preveem o aumento da variabilidade da precipitação, o que significa que haverá mais períodos de precipitação extrema e seca. Isso cria a necessidade de armazenamento de água expandido durante anos de seca e maior risco de inundações e falhas de barragens durante períodos de precipitação extrema.

Em escala global, acredita-se que lugares relativamente úmidos, como os trópicos e latitudes mais altas, ficarão mais úmidos, enquanto lugares relativamente secos nos subtrópicos (onde a maioria dos desertos do mundo estão localizados) ficarão mais secos.

Em algumas áreas, as secas podem persistir por meio de um ciclo vicioso, no qual solos muito secos e cobertura vegetal reduzida absorvem mais radiação solar e aquecem, incentivando a formação de sistemas de alta pressão que suprimem ainda mais as chuvas, levando uma área já seca a se tornar ainda mais seca.

Um aquecimento maior sobre a terra do que sobre o oceano é uma consequência esperada do aquecimento global e implicado no declínio da umidade relativa continental, uma vez que os oceanos são incapazes de fornecer umidade suficiente para manter os níveis de saturação sobre a terra mais quente

Estudos recentes identificam um declínio no vapor de água em muitas regiões continentais áridas e semiáridas, mais acentuando do que as previsões prévias. Essas regiões, muitas delas já vulneráveis, podem experimentar um futuro ainda mais seco do que o previsto em resposta ao aquecimento global.

Uma atmosfera mais quente e sedenta também pode extrair mais efetivamente a umidade da terra ou do oceano em uma região e transportar essa água extra para sistemas de tempestades em outros lugares, levando à intensificação de eventos de chuvas pesadas, bem como promovendo o início mais rápido de períodos de seca, com implicações para o agravamento de inundações e secas

֍֍֍

Infelizmente, é difícil prever o que espera o Brasil nos próximos anos em termos climáticos. É possível que temos uma trégua de alguns anos, mas haverá uma incerteza aumentada toda vez que esses fenômenos (particularmente o El Niño) voltarem de forma superlativa.

E mesmo quem acha tudo cascata e exagero, deveria ficar meio intrigado com o mapa acima, elaborado bem antes destas tragédias climáticas de 2024.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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Um Comentário

  1. Paulo,
    Obrigado pelo texto e indicações para leitura.
    Você pondera que há certa imprevisibilidade na forma de prever os eventos climáticos, que serão mais intensos, devido, também, a ação do homem, mas fiquei com uma dúvida no que escreve: será, então, que temos um destino climático predefinido ? Minha dúvida se da porque os eventos existem, ou sempre existiram, e só ficaram mais intensos. É isso ?
    Abs
    William

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