Brasil

Carta aberta a um petista honesto

Essa carta é dirigida a um petista honesto. Sei que você existe e nos últimos anos experimentou sentimentos estranhos, alternando vergonha silenciosa, desilusão reprimida e nostalgia desconfiada. Prometo que nossa conversa não se pautará sobre economia, tema em que jamais concordaremos. Seria inútil e não quero desperdiçar nosso tempo.

Política faz parte dessa prosa, mas não será o foco. Queria resgatar contigo um assunto que já foi motivo de orgulho em um passado longínquo da legenda: a dignidade.

Recorro ao dicionário para expressar o poder dessa virtude: qualidade moral que infunde respeito, consciência do próprio valor, honra.

Onde ela foi parar, caro petista honesto? Assumo que você não está no grupo beneficiário dos privilégios dos bons tempos de governo. Se estiver, pare por aqui, essa conversa vai irritá-lo. Mas se você é um cidadão comum, desses que um dia acreditou em um conjunto de valores que levaram seu partido ao poder, entre eles, vejam só, a incessante luta contra a corrupção, então permaneça nesse espaço um pouco mais.

Diga-me, caro petista honesto, você realmente acredita em uma perseguição contra os principais líderes do seu moribundo partido? Você acha normal o fato de bilhões de dólares serem desviados dos cofres públicos para beneficiar as empreiteiras dos amigos do rei? Gerentes corrompidos se prontificando a devolver dezenas de milhões de reais aos cofres públicos? Amigos de longa data se convertendo em delatores e oferecendo detalhes das promíscuas relações proeminentes em nosso capitalismo de compadre? Não posso crer que você veja normalidade nessa esbórnia. E você sabe, não vai parar por aí. Logo a caixa preta do BNDES será aberta, e o que presenciaremos não será nada agradável.

Por favor, não me venha com esse discurso de que todos roubam. Não se converta em um malufista do século XXI, não se preste a esse papel ridículo. Também não pretenda comprovar que a corrupção existia desde o descobrimento, essa constatação óbvia não alivia a barra dos seus colegas. Não me fale em perseguição, quando há gente de todos os partidos indiciada. Lembra o que você dizia do Cunha no começo do processo de impeachment? Foi cassado e limpa latrina há meses. Sergio Cabral, por quem seu grande líder fez discursos emocionados, não sairá tão cedo da cadeia. Só não há tucanos atrás das grades porque eles ainda se valem do maldito foro privilegiado. Está claro para você, caro petista honesto, que a suposta teoria da perseguição é uma bravata?

Você realmente acha crível essa história de que dezenas mentem e só um indivíduo, hexaréu, diz a verdade? Com todas as pessoas ao seu entorno presas ou condenadas, seria possível que ele não soubesse de nada? Se fosse o caso, o sujeito é de uma ingenuidade criminosa, concorda?

Convenhamos, caro petista honesto, se essa história toda fosse capitaneada pelo PSDB, vocês estariam em estado permanente de gritaria histérica, não é mesmo? Coloque a mão na consciência. Já notou que ninguém tem empatia pelos acusados dos outros partidos?

Sim, todos tem direito à defesa e ninguém deve ser condenado por antecipação, mas as evidências são tantas, que certamente é melhor calar do que que defender um possível, ou melhor, provável canalha.

Agora vamos ao que interessa: deprimente vê-lo defender a volta do santo réu. Esse senhor simboliza a decadência de uma era, está visceralmente ligado  à toda jornada criminosa do Petrolão, e você ainda quer vê-lo presidente? Pode me justificar tamanha insanidade? Use a razão, caro petista honesto. Ok, sei que você achou o governo dele o máximo, mas já passou. Eram outros tempos, em que o mundo acelerava. Como prometi, não fugirei do tema, poderia dissertar sobre as razões que desqualificam a sumidade, mas seria outra carta. Hoje, nosso Jararaca não passa de um pretérito perfeito no imaginário de gente como você.

Não é hora de enterrar o passado, caro petista honesto? Deixe as investigações seguirem seu rumo, desprenda-se dessa dependência quase obsessiva em relação a esse personagem ilusionista. Você não percebe que ao vincular o futuro do seu partido à figura dos velhacos indiciados e encrencados, está assinando seu atestado de óbito político? A história não lhe perdoará. Que tal renovar-se?

Sei que temos diferenças intransponíveis no modo de pensar, mas eu jamais defenderei bandido. E você subiria muito em meu conceito se não omitisse suas opiniões. Tem medo de criticar o grande líder? Para enfrentar essa debilidade psicológica, recomendo refletir sobre uma frase proferida por Einstein: ‘ o mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade’. Sua omissão, caro petista honesto, prejudica um país. Não está na hora de acabar com essa conversa fiada do ‘nós x eles’?

Por que você, petista honesto, não levanta a voz contra todas as barbaridades cometidas no período de poder? Você não se sente enganado? Por que não tenta outra alternativa, ao invés de patrocinar um plano de fuga da prisão?

Nos áureos tempos de oposição bravateira, o petismo podia ser acusado de muitos impropérios, mas ninguém ousava sugerir a falta da dignidade. Eis uma virtude que foi esquecida no fundo do baú, hoje exalando naftalina. Não é o momento de recuperá-la, caro petista honesto? Não é hora de dar um basta nessa bagunça? Existe gente melhor que se alinha aos seus ideais, você não precisa ser refém do passado.

No limite, você terá duas opcões: pode deixar de ser petista. Ou pode deixar de ser honesto. Pense nisso.

Abraço,

De um honesto detrator do petismo

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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