Esporte

As chances do Brasil em Tóquio

Sou daqueles que acompanham esportes olímpicos somente durante as Olimpíadas. E, mesmo assim, apenas as finais de alguns esportes, quando participam os atletas mais famosos. Seria muita pretensão de minha parte fazer uma análise bottom-up, esporte por esporte, para inferir as chances de medalhas do Brasil nestes Jogos Olímpicos de Tóquio. Por isso, resolvi fazer uma análise top-down, com base no número de medalhas obtidas pelos atletas nacionais ao longo do tempo. Ao contrário da Copa do Mundo, em que a análise estatística do passado diz pouco sobre o que acontecerá na próxima edição, as Olimpíadas, por envolverem um grande número de esportes e atletas, guarda uma regularidade que permite fazer inferências estatísticas de maneira relativamente simples.

A metodologia

A metodologia utilizada é simples: observaremos o percentual de medalhas obtidas pelos diversos países ao longo do tempo em relação ao total de medalhas disputadas.

Como sabemos, a primeira edição dos Jogos Olímpicos modernos aconteceu em Atenas, em 1896. De lá para cá, foram 28 edições, somente interrompidas pelas duas Guerras Mundiais. O número de modalidades esportivas também aumentou de maneira relevante ao longo do tempo, como podemos observar no gráfico a seguir, o que permite inferências estatísticas mais precisas quanto mais recente for o evento.

Podemos observar que os jogos de Tóquio baterão o recorde de modalidades esportivas: depois de ficar em torno de 300 desde os jogos de 2000, o número dá um salto para 339 nesta edição.

Como dissemos, para tornar os números comparáveis ao longo do tempo, vou sempre me referir ao percentual de medalhas conquistadas em cada edição em relação ao total em disputas.

Antes de partir para a previsão de medalhas do Brasil, vamos ver algumas curiosidades olímpicas.

Os EUA, o grande bicho-papão dos Jogos Olímpicos

Desde o início, os EUA se destacaram como a grande potência dos esportes olímpicos, tendo poucos desafiantes à altura ao longo do tempo. No entanto, como podemos ver no gráfico a seguir, esta superioridade vem decaindo ao longo do tempo, com a diversificação do número de países competitivos.

Podemos observar que, até 1968, os EUA sempre ganhavam entre 20% e 30% das medalhas de ouro em disputa. O número da Olimpíada de 1904, 85%, está distorcido pelo fato de que cerca de 90% dos atletas eram norte-americanos, pelas dificuldades de locomoção da época. Em 1924 e 1932, o número passou de 30%. A partir de 1972, no entanto, este número baixou de 20%, ficando próximo de 15% até os dias de hoje. O número zero de 1980 se deveu ao boicote à Olimpíada de Moscou por parte dos norte-americanos, enquanto o número acima de 30% em 1984 se deveu ao boicote promovido pela URSS. Vemos, portanto, uma regularidade que deve se manter nestes Jogos Olímpicos. Considerando que serão 339 medalhas de ouro em jogo, podemos prever que os EUA devem ganhar entre 41 e 51 medalhas de ouro.

Os EUA foram (e ainda são) o bicho-papão das Olimpíadas. Mas não foram os únicos.

O grande duelo do século XX

Durante o período da Guerra Fria, EUA e URSS rivalizaram durante muitos anos. Mais especificamente, desde 1952 até 1992, ano em que as antigas repúblicas soviéticas ainda disputaram os Jogos sob a mesma bandeira, ainda que a URSS tivesse já se desfeito. Dessas onze edições, a URSS chegou na frente dos EUA em nada menos do que sete, só perdendo em 1964, 1968 e 1984, quando boicotou os Jogos de Los Angeles.

A partir de 1996, no entanto, a Rússia, sem a ajuda da Ucrânia, Cazaquistão e das outras antigas repúblicas da URSS, não conseguiu ganhar mais do que 10% das medalhas em nenhuma das edições, tendo vencido apenas 6% nos Jogos do Rio.

Aliás, os esportes olímpicos sempre foram a grande vitrine das virtudes do comunismo. Havia um investimento brutal (e, dizem as más línguas, métodos não ortodoxos) com o objetivo de ganhar medalhas e demonstrar a superioridade do comunismo sobre o capitalismo. A história das medalhas olímpicas mostra, portanto, a ascensão e a queda do comunismo, como podemos ver no gráfico a seguir.

Este gráfico mostra o total de medalhas de ouro obtidas pelos países da antiga Cortina de Ferro mais Cuba. Vamos tirar os pontos de 1980 e 1984, distorcidos pelos boicotes de americanos e soviéticos. Podemos observar que o ponto alto dos países comunistas ocorreu em 1976, com a conquista de nada menos do que 60% das medalhas em jogo. Depois disso, vemos uma tendência de deterioração constante, chegando a menos de 20% nos Jogos do Rio. Tratava-se, obviamente, de algo artificial, que não se manteve em pé.

Mas, se a antiga União Soviética não existe mais, e a Rússia não é mais páreo para os EUA, surge um outro rival para os americanos: a China.

O grande duelo do século XXI

Como podemos observar no gráfico a seguir, a China era um zero à esquerda em termos de Jogos Olímpicos até 1980. A partir de 1984, os chineses começam sua ascensão, atingindo o pico em 2008, nos Jogos de Pequim.

Depois de 2008, a performance chinesa decaiu, voltando ao nível de 2000/2004. Mas é provável que seja o único país com potencial para desafiar os norte-americanos nos próximos anos.

E o Brasil?

Antes de falar das chances do Brasil, vamos esclarecer mais um ponto importante: o fator “casa”.

Todos os países, quando sediam uma Olimpíadas, têm performance superior à sua média histórica. É o que podemos observar nos gráficos a seguir.

Com as raras exceções do Canadá (Montreal 1976), Finlândia (Helsinque 1952) e Grã-Bretanha (Londres 1948), em todos os outros casos a equipe da casa obteve o seu melhor resultado em olimpíadas.

Por que esta constatação é importante? Porque, no caso do Brasil, a última Olimpíada foi em casa. Então, o último resultado precisa ser visto com cautela. Vejamos o gráfico abaixo.

Podemos observar que os Jogos do Rio foram os melhores para o Brasil desde o início da série histórica. Será difícil repetir. É mais provável que voltemos para o nível anterior, entre 1% e 1,5% das medalhas de ouro, o que significaria entre 3 e 5 medalhas. Seria um resultado em linha com o que temos produzido nos últimos 20 anos. Repetir a performance do Rio significaria obter 8 medalhas de ouro. Muito difícil.

Como se trata de um número muito pequeno de medalhas, os erros de amostra são maiores. Por isso, também coloquei o número total de medalhas. No rio, obtivemos quase 2% de todas as medalhas em disputa, o que significaria, em Tóquio, um total de 20 medalhas. Mais provável ficarmos entre 1,5% e 2%, ou 15 a 20 medalhas no total, que é o número obtido nas duas Olimpíadas anteriores.

Guardem estes números, e vamos torcer para os brasileiros nos Jogos de Tóquio!

O índice de Gini dos Jogos Olímpicos

Antes de encerrar, vamos ver o gráfico a seguir:

Este gráfico mostra a distribuição das medalhas de ouro olímpicas entre os países que participaram de cada Olimpíada, medida pelo índice de Gini. Considerei, para fazer o cálculo, o número total de participantes em cada edição.

O índice de Gini mede quanto uma determinada distribuição se afasta de uma distribuição linear. Gini zero significa que a distribuição é perfeita, Gini igual a 1 significa que a distribuição é completamente imperfeita, ou seja, apenas uma pessoa recebe tudo. O índice de Gini do Brasil é próxima de 0,55, o que significa que a distribuição de renda brasileira é muito desigual. Países mais igualitários têm Gini abaixo de 0,4.

Pois bem. O índice de Gini da distribuição de medalhas é próxima de 0,9 desde o final da 2ª Guerra. O que demonstra que os Jogos Olímpicos são uma festa para a qual todos são convidados (foram 207 países na última edição), mas somente alguns poucos se servem no bufê.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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