Política

Sérgio Moro é o pesadelo do Bolsopetismo. Por que será?

Em 1974, no auge da ditadura militar, o compositor e poeta Paulo Cesar Pinheiro (cujo talento, infelizmente é muito menos reconhecido do que merecia) criou, em parceria com o talentosos Maurício Tapajós, uma música chamada “Pesadelo” em que, corajosamente, criticava e zombava da censura. A música, interpretada magistralmente pelo MPB-4, pode ser vista e ouvida em https://www.youtube.com/watch?v=1l7JMQMUMQw . Mas melhor ainda é a história de como o compositor conseguiu driblar a censura e obter a liberação de uma letra tão fortemente politizada. Não vou contar, favor ver em https://www.youtube.com/watch?v=RP7hcFiSZFk . Todo o episódio é um bom exemplo de como a pior treva pode ser vencida com a luz da inteligência. E a conclusão da letra é “que medo você tem de nós…”.

E é por puro medo de expor suas fraquezas que a primeira coisa que qualquer regime de força faz é justamente calar toda e qualquer opinião contrária à sua. Mesmo uma ditadura informal, como a dos lacradores da internet (sejam de esquerda ou de direita, isto não faz a menor diferença), se borra de medo do confronto de ideias. No Brasil de 2022, o eleitor inteligente e crítico é o maior medo dos irmãos siameses Bolsonaro e Lula. Tanto é verdade que o primeiro não nega suas simpatias pela ditadura militar, enquanto o segundo, mais inteligente e sutil (o que o torna, na minha opinião, mais perigoso), acena com a necessidade de uma “regulação do poder da mídia” que, trocada em miúdos, nada mais é que calar os críticos na porrada. Irmãos no mesmo ideal.

Os candidatos “Ruth e Raquel” e o eleitor “Tonho da Lua”

O inesquecível personagem Tonho da Lua, criação magistral do ator Marcos Frota, resumia o mundo em torno das duas gêmeas (vividas por Gloria Pires); “Ruthinha é boazinha, Raquel é malvada”. Costumo dizer que Lula e Bolsonaro são gêmeos idênticos, e cada um passa o tempo todo tentando convencer o eleitorado que ele é a Ruth e o outro, a Raquel. E o sonho dos dois era ter um eleitorado composto apenas por uma multidão de Tonhos da Lua. Na verdade Lula, com sua maquiavélica inteligência, aliada a uma desfaçatez incrível na hora de distorcer os fatos, é um vilão à altura da Raquel da ficção. Já o trapalhão Bolsonaro me parece mais com outro personagem de outra novela, o Jamanta (Jamanta não vai se vacinar, dãã…).  OK, estou sendo injusto, o Jamanta era do bem, e o Bolsonaro certamente não. De qualquer forma, a entrada na arena de gente mais qualificada, como é o caso de Sérgio Moro, muda a perspectiva do debate.  E pode elevar a qualidade da informação do eleitor – o que seria o pior dos mundos para o Bolsopetismo. A treva morre de medo da luz. Até a Bíblia fala algo parecido com isto.

Por isto vemos os dois lados correndo para a internet para jogar bosta no Moro, como se ele fosse a imortal Geni, do gênio Chico Buarque. Tentam colocá-lo como uma espécie de terceira gêmea, pior que a Raquel. Só que a argumentação é tão pífia que até o mais empedernido Tonho da Lua está conseguindo perceber o engodo.

Afinal, embora os Lulistas tentem ocultar a verdade, como um gatinho que joga terra para disfarçar o cocô que fez, o fato é que a Lava-jato não foi uma ação individual de Sérgio Moro contra Lula; o ex-presidente foi julgado em várias instâncias, por vários juízes, e sempre condenado. O Petrolão não é uma invenção da mídia golpista; aconteceu. E, last but not the least, o STF não disse que Lula é inocente, apenas voltou o processo à estaca zero por uma filigrana jurídica que, estranhamente, só foi percebida cinco anos depois do seu início. Até mesmo a discutível “suspeição” levantada contra Moro pelo Ministro Gilmar Mendes é ainda apenas uma visão pessoal dele, não obrigatoriamente referendada pelo plenário da casa. E é bom lembrar que o próprio Gilmar Mendes já deixou claro que tem um posicionamento no caso, ao avisar que “vai bater no Moro na hora certa”. Com todo o respeito, isto me parece postura de torcedor, não de juiz. Mas tudo bem, segue o jogo.

Já pelo lado dos Bolsonaristas, a dificuldade é explicar a saída de Moro do governo, mas até o Tonho da Lua é capaz de entender que o motivo foi a perigosa ideia do ex-Juiz de enquadrar os filhotes do Mito na mesma lei que deveria punir Lula. Foi exatamente ali que o governo Bolsonaro começou a desMOROnar (eu jamais perderia um trocadilho de quinta série como este. Desculpem).

Tanto para um como para outro a pior coisa que pode acontecer é a entrada no jogo de alguém que possa mostrar claramente que os dois lados estão mentindo. E que é possível fazer da política um jogo limpo, sem baixaria. Porque hoje, a situação de Lula é Bolsonaro é idêntica; ou ganha a eleição, ou vai em cana. Já Moro, se perder a eleição, volta a trabalhar, como qualquer cidadão comum. Como lidar com alguém assim?

“Se o malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem” (Jorge Benjor)

O caminho para a redenção da ética na política brasileira passa por ações simples e que, por incrível que pareça, já foram tentadas antes e não floresceram. Dando um exemplo histórico, em 1992, Itamar Franco, ao assumir a presidência com o impeachment de Collor, fez questão de entregar sua declaração de bens para o então presidente da Câmara, o gaúcho Ibsen Pinheiro. Nos países civilizados isto é norma; a declaração de bens do primeiro-ministro da Suécia está na internet, à disposição de todos os cidadãos. Infelizmente, o eleitor médio brasileiro tem outros interesses, e este gesto de Itamar, que podia marcar uma virada na nossa história política, é muito menos lembrado que a imagem dele dançando no carnaval com uma moça sem calcinha. Aí já não é o Tonho da Lua; é Macunaíma, e a nossa cultura erótico-funkeira-hedonista. Outro problema, que algum dia vou discutir em outro texto.

A verdade é que o maior pavor do Bolsopetismo é este; que surja um candidato (não obrigatoriamente Sérgio Moro, diga-se), que eleve o debate acima de Ruthinha e Raquel. Alguém que saiba comprovar sem problema a origem de seus ganhos e bens, que nunca tenha participado de rachadinhas ou petrolões, que não utilize sítios e triplexes “de amigos”, que nunca tenha recebido milhares de dólares por palestras que ninguém viu… Enfim, um cidadão comum, trabalhador, que não tenha chafurdado na lama que, estranhamente, tem o dom de enriquecer os personagens políticos deste país e toda a sua descendência, por várias gerações. A ordem é; não deixem o eleitor pensar!

A treva se esconde entre muros, a luz constrói pontes

Finalizando, lembro que, em um trecho da música, Paulo César Pinheiro previu o fim da ditadura; “O muro caiu, olha a ponte / da liberdade, guardiã / O braço do Cristo, horizonte / abraça o dia de amanhã…”. É interessante notar que a imagem da queda do muro estará sempre ligada ao fim da ditadura comunista, que viria em 1989, quinze anos depois da música ser composta. Conforme eu digo sempre, poetas são meio profetas, e vice-versa. Ditaduras são sempre ditaduras, sejam de esquerda ou direita, e o seu destino é o lixo da história, porque o novo sempre vence, conforme previu o poeta/profeta Belchior, mais ou menos na mesma época. Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia, profetizou Chico Buarque.

Resumindo, a ditadura formal acabou, mas ainda há trabalho a ser feito para consolidar a verdadeira democracia neste país. E esta eleição é decisiva. Não existe só Ruth e Raquel; encontrar a saída depende de nós. Conforme eu disse, não é obrigatoriamente Sérgio Moro; mas é importante que o voto seja consciente. Afinal, o Brasil está completando 200 anos, já é hora de sair da adolescência.

E que medo vocês têm de nós…

Feliz 2022.

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

Artigos relacionados

6 Comentários

  1. Mestre … perfeito. Amei o texto, as referências, as reflexões. Tb estou adorando o seu livro (já li mais q 60% nesse fim de ano. Em breve termino)… antes tudo fosse como uma música de Geraldo de Azevedo.

  2. Muito bom! É bem por aí. A perfídia maligna vs A tontice igualmente maligna. Sérgio Moro, termina sendo até agora a opção mais viável eleitoralmente para desafiar esse dueto de horror. Penso apena que ele precisa melhorar muito ainda o seu estilo de se apresentar e falar para atingir as grandes massas e ter mais chances.

  3. Escritor tendencioso!
    Colocou rachadinha feita por Jair Bolsonaro!
    Se voce tem um filho ladrão voce também é ladrão e deve ser condenado ?
    É um traidor ? Voce confiaria em um traidor?
    E o caso Banestado diga-me algo?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo
%d blogueiros gostam disto:
Send this to a friend