Esse é um tema complexo e sobre o qual não tenho opinião completamente formada. Esboço abaixo alguns rascunhos de ideias.
O que as leis nos EUA dizem?
O primeiro ponto que tem que ficar claro é que, de acordo com as leis vigentes nos EUA, o Facebook e o Twitter tem pleno direito de banir, bloquear e apagar conteúdos de usuários. Assinamos isso ao abrir uma conta, dentro dos termos e condições.
A primeira emenda da Constituição dos EUA garante a liberdade de expressão. Só que isso vale apenas em relação ao governo. Não se aplica a empresas privadas.
Redes sociais não são jornais
Se você escreve uma carta para um jornal, fica totalmente a critério deles publicá-la ou não.
Alguém pode argumentar: ah, mas rede social é diferente. Eu sou dono da conta, o conteúdo é meu etc.
Sim, tudo isso é verdade. Rede social é algo de outra espécie…
Há um lei defendendo os controladores das Redes Sociais
Acontece que em 1996 foi votada nos EUA uma lei denominada seção 230 (Seção 230 da Communications Decency Act).
Essa lei em suma impede que as redes sociais sejam responsabilizadas por conteúdos postados por seus usuários (com algumas exceções limitadas) e permite que elas moderam o conteúdo em seus sites, da maneira que eles acharem melhor.
Então fica claro, que do ponto de vista legal, enquanto não mudar as leis, nada poderá ser feito.
De forma resumida, parte dos democratas e republicanos, lutam para revogar essa lei ou alterá-la.
Será essa lei justa diante dos monopólios?
De fato, existem problemas aí. Jornais, revistas e periódicos têm muitos concorrentes. Redes sociais são outra história.
Quando se pensa em uma rede social ágil, telegráfica e instantânea vem na cabeça o Twitter, quando se pensa em uma rede jovem, estilosa e visual, o que aparece é o Instagram (do Facebook), quando se pensa em uma rede social mais adulta e mais textual é o Facebook, quando se imagina vídeos com uma pitada social estamos falando do YouTube (Google), e finalmente sobre mensagens instantânea surge o WhatsApp (do Facebook). Fora das redes sociais, quem pensa em busca, vê o Google. Nos telefones celulares, há os sistemas iOS (Apple) e Android (Google).
Ou seja, tudo isso concentrado em apenas 4 empresas no mundo ocidental, o que resulta em um oligopólio (quase um monopólio por setor) e, dentro das redes sociais, isso cria uma inércia tremenda.
Imagine. Você está no Facebook ou WhatsApp. Tem centenas de contatos por lá. Aí você muda para a rede social X. Só que quase ninguém está lá. Aí você precisa estar em 2 redes sociais e atualizar as 2. Com o tempo você desiste da nova. Foi isso que aconteceu com o Google quando ele tentou jogar o Google Plus contra o Facebook. Eles, gigantes que são, acabaram recuando.
O que fazer? Como quebrar esse oligopólio? Como garantir a liberdade de expressão sem violar o caráter privado das redes sociais?
O que (quase) todos concordam
Existem coisas que são perigosas e que quase todos acham que deve ser banidas: discurso de ódio contra negros ou judeus, incentivo ao assassinato, escravidão, pedofilia e estupro, aulas ensinando a fazer bombas atômicas etc. Em suma, todas os itens que incitam ao cometimento de crimes.
Como combater as fake news?
Fora isso, existe também uma torrente de fake news.
Quão danoso são aqueles posts que inventam coisas mirabolantes sobre as vacinas de COVID-19 de forma a influenciar pessoas que já estavam com algum receio a não tomá-las? Qual o potencial disso de (indiretamente) matar pessoas desprotegidas?
Como se resolve essa chuvarada de notícias falsas? Para mim, a melhor coisa a fazer é avisar isso no post de forma destacada, com esclarecimentos em destaque.
No entanto, como se classifica algo como fake news? O limite pode ser muito tênue.
Eu já fui censurado e já tive um post apagado, pelo que eu me lembre. Era um texto sóbrio que apontava para um artigo científico publicado, dentro do contexto do meu interesse sobre o uso da Ivermectina para COVID-19; sendo que agora esse remédio, tão difamado por tantos a priori, pode até estar caminhando até para ser reconhecido pela OMS como uma arma contra a COVID-19, no estágio inicial.
Fora isso, o Facebook tem algoritmos de inteligência artificial muito ruins. Um dia fui censurado por uma notícia falsa que eu estava ajudando a desmascarar e não a propagar. Ou seja, obviamente esse carimbo não foi feito por um ser humano, mas por uma máquina.
Como garantir a liberdade de expressão?
Fora do campo das fake news, deveriam as redes sociais limitarem a liberdade de expressão do dono da conta? Bem, toda liberdade tem limites (pedofilia é um deles), mas quem vigia esses limites?
Ora, tem que ser um grupo ligado à empresa controladora. A opção seria que o governo assumisse esse papel, o que seria horrível.
Mas, por outro lado, se os donos do Facebook fossem trumpistas e censurassem diversos conteúdos de esquerda, o que a galera que defende o banimento do Trump diria?
É um tema bem complexo.
Trata-se de empresas privadas, mas existem monopólios. Queremos nos expressar. É difícil quebrar o monopólio porque as pessoas não podem ser espalhar por 5 ou 6 redes sociais, em cada nicho. Elas querem encontrar quase todos no mesmo lugar.
Deveria então o governo fazer com que o Facebook fosse um consórcio de empresas com diferentes controladores e passar a ter um conselho curador, para evitar concentrar tanto poder na mão de uma única pessoa, como os EUA fez no passado com a AT&T no campo da telefonia?
Esse conselho curador deveria seguir os melhores princípios estabelecidos por modelos bem-sucedidos de governança corporativa de modo a aperfeiçoar a independência e autonomia desse conselho curador; para que pautasse suas ações pelos mais objetivos critérios possíveis, a fim de que as ações necessárias sobre conteúdos impróprios fossem o menos possível distorcidas pela ideologia dos seus integrantes.
Tudo isso é único, porque envolve uma louca mistura de elementos que nunca estiveram juntos. As empresas filhotes da AT&T trabalham com clientes diferentes. Isso é difícil nas redes sociais, dentro do mesmo segmento.
E sobre o banimento do Trump?
Eu, pessoalmente, acho um pouco forte banir o Trump, embora nada possa ser feito legalmente.
Eu preferiria manter ele sob rédea curta, alocando um comitê para ler suas postagens, apagando qualquer trecho que pudesse ser uma incitação à violência ou desobediência civil (pelo risco de novas mortes ou danos ao patrimônio) e apontando falsidades quase evidentes (mas, nesse caso, sem apagar o conteúdo).
De fato, o Trump está rodeado atualmente de um séquito de admiradores tão ardorosos que ele, se quisesse, teria o poder de convocar manifestações ainda mais sangrentas no dia da posse de Biden, mesmo sem explicitar 100% seus intentos, que é o que aconteceu na manifestação do Capitólio.
O Facebook é de esquerda?
O Mark Zuckerberg do Facebook tem um certo viés para a esquerda? Pode ser que pessoalmente sim, mas na prática a empresa tem uma atuação neutra e visa ao lucro acima de qualquer coisa. Ou seja, o pragmatismo impera.
Tanto que se considera que, tanto aqui como nos EUA, a direita ganhou muito mais do que a esquerda a partir de suas interações nas redes sociais.
Se, como se acusa, as redes sociais fossem todas movidas pela ideologia, eles já teriam feito tudo para tentar reverter isso.
E o Parler?
Muitas pessoas revoltadas com o Facebook e o Twitter por causa de censura ao Trump, estão migrando para a Parler, que é uma rede social, cujo dono é assumidamente de direita, dizendo que lá encontrarão um refúgio para defender sua liberdade.
Só que eles têm suas regras também e já baniram muitas pessoas, algumas em menos de 24 horas, como o escritor e comediante Tony Posnanski e várias pessoas conhecidas.
Dentre as proibições temos imagens pornográficas, nomes de usuário contendo palavras “obscenas” e respostas repetidas às pessoas com comentários não relacionados como ‘Foda-se’ em todos os comentários.
Os termos de serviço de Parler, destacados pelo blog TechDirt naturalmente permite a retirada de qualquer conteúdo por qualquer motivo, apesar se todo o discurso de liberdade.
Ou seja, não adianta fingir que o site é uma “alternativa de liberdade de expressão” ao Twitter, quando enfrenta exatamente os mesmos problemas de moderação de conteúdo e banimento.
Eles foram a pouco banidos pelo Google, pela Apple e pela Amazon, onde estavam hospedados. Eu tentei abrir uma conta no Parler para olhar um pouco. Não consegui porque eles estão praticamente fora do ar. Deu a mensagem Sign up not available.
Como as restrições são diferentes do Twitter, o Parler tem sido um bom ambiente para supremacistas brancos (dentre eles o líder David Duke da Ku Klux Klan), antissemitas, e negadores do holocausto. Um vasto documento ilustrado sobre o Parler foi compilado pelo reputado centro Simon Wisenthal em novembro de 2020.
Há quem goste….
Não é só o Parler. O Twitter continua a permitir tweets do aiatolá Ali Khamenei do Irã, que compartilha conteúdo pedindo a eliminação do “regime sionista” e do Estado de Israel. Khamanei promove a negação do Holocausto e o antissemita conteúdo em outras plataformas digitais, incluindo seu site, onde seu escritório compartilhou um pôster pedindo uma Solução Final (termo nazista para o Holocausto) em maio de 2020
Conclusão
Ainda em aberto.
Gosto da liberdade de expressão e temo os monopólios privados. Eles são, no caso, difíceis de quebrar. Não gosto de fake news, teorias de conspiração e radicalismos, mas fazem parte do arsenal da liberdade de expressão, desde que não envolvam incitações a crimes. Filosoficamente, prefiro cercar as celebridades perigosas, marcando as notícias falsas e apagando coisas que podem gerar consequências danosas.
Não tenho muita simpatia por banimento de usuários, mas o poder de decisão precisa estar fora do governo e dentro da empresa privada, ainda que envolva, quem sabe, mais pessoas nesse tipo de decisão.