Opinião

Se você acha que o combustível está caro hoje, saiba que medidas populistas podem deixá-lo muito mais caro no futuro.

Você está descontente com o preço do combustível? Eu também, mas antes de mais nada, gostaria de lembrar algumas coisas.

Em 2012, durante o governo Dilma, o preço em dólar do barril do petróleo no mercado internacional chegou a estar em um patamar próximo ao desta semana (ver Quadro 1), mas o preço da gasolina em reais no mercado doméstico estava muito mais baixo do que encontramos hoje nos postos de combustíveis (algo entre 2 e 3 reais, a depender do local e da época do ano).

Fonte: https://www.hl.co.uk/shares/trading-commodities/brent-crude-oil

Mas isso quer dizer que “eu era feliz e não sabia”? Não exatamente.

Devemos lembrar que o preço da gasolina no Brasil, a exemplo da grande maioria de países, é balizado pelo preço internacional do petróleo e pela taxa de câmbio. Só que o dólar médio em 2012 equivalia a 1,95 reais. Já hoje, a taxa de câmbio tem ficado acima dos 5 reais por dólar. Ou seja, uma boa parte da diferença é explicada pelo câmbio.

Mas por que nossa moeda nacional desvalorizou tanto?

Bom, aí a questão começa a ficar um pouco mais complexa. Durante o governo Dilma (janeiro de 2011 até agosto de 2016), houve um total descontrole das contas públicas. Depois de anos seguidos de superávits primários, a coisa começa a se inverter no primeiro mandato da presidente, chegando, já em 2014, a um déficit de 0,4% do PIB, conforme se observa no gráfico 2.

Fonte: construção própria a partir de dados do Banco Central do Brasil

A criação de uma série de gastos permanentes, subsídios sem sentido e desonerações seletivas para os “amigos da corte” levaram o país ao longo do tempo a uma situação insustentável, mudando a trajetória da dívida pública em seus três conceitos: Dívida Líquida do Setor Público (DLSP); Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG); e Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG), conforme observamos no Quadro 3.

Fonte: construção própria a partir de dados do Banco Central do Brasil

Com isso, a inflação voltou a ganhar força (ver gráfico 4), ultrapassando a casa dos 10% em 2015. Gradativamente o país foi perdendo a confiança e se tornou menos atrativo a investimentos estrangeiros, principalmente a investimentos de longo prazo.

Fonte: IBGE. Elaboração: Instituto Fiscal Independente

Em última instância, revertemos um ciclo anterior de entrada de capital no país, criamos a percepção de que o câmbio estava defasado (expectativa é tudo nesse mercado) e tivemos a saída de divisas estrangeiras e desvalorização da nossa moeda. Não por outra razão, a nossa taxa de câmbio mais do que dobrou ainda no governo Dilma, conforme se percebe no Quadro 5.

Fonte: Banco Central do Brasil

Mas é só a Dilma culpada por tudo isso?

Obviamente não. Em economia, o que se faz hoje se reflete no futuro e, já durante o governo Lula, a gastança havia dado claros sinais. Medidas daquela época criaram gastos permanentes (como do aumento do funcionalismo) e se refletiram em anos futuros, inclusive sobre o próprio governo Dilma. Vocês se lembram da famosa frase da “marolinha no Brasil” dita por Lula? Então, foi a partir desse período que a política econômica do seu governo deu uma guinada, com o crescimento dos gastos, para eleger a Dilma? Se não lembra, procure reler os jornais da época.

E verdade seja dita. Durante o segundo governo Dilma, houve uma breve tentativa de arrumar a casa com o Ministro Joaquim Levy, mas, obviamente por razões políticas, esse processo não caminhou.

A lição que temos que guardar para sempre é que a dinâmica econômica é muito mais importante do que qualquer análise estática sobre economia (por exemplo, dos dados de um determinado ano). E, nesse aspecto, a dinâmica da dívida pública exerce um papel central sobre as expectativas dos agentes econômicos e interfere sobremaneira na decisão de investir e de contratar dos empresários. Sem falar que há também uma relação direta entre descontrole das finanças públicas e inflação.

E o Bolsonaro não tem nada a ver com a situação atual? É tudo culpa do PT?

Vamos com calma aí!!!! Durante o governo Temer, em que pese toda a história de corrupção levantada com o caso JBS, houve alguns pequenos avanços, com a aprovação do Teto dos Gastos, por exemplo. Mas a situação não foi revertida por completo, principalmente porque o estrago tinha sido grande e o então presidente concentrou seus esforços em salvar o próprio pescoço.

E com base nisso, alguns bolsonaristas têm usado a velha desculpa da tal da herança maldita do PT e que “os políticos” não o deixam fazer nada. Mas todo presidente, em um sistema democrático, deveria saber que a política é a arte de negociar (e não de realizar negociatas).

Nesse sentido, Bolsonaro também tem culpa nessa história toda por não implementar as reformas necessárias. Boicotou sua própria reforma da previdência (tanto que teremos que fazer outra em breve). Mandou uma reforma tributária capenga para o Congresso e enviou uma administrativa que é extremamente corporativista e não atinge o cerne da questão. Ou seja, deu sinais ruins para o mercado e tem reforçado o entendimento entre investidores e empresários de que não pretende corrigir a trajetória das contas públicas.

Mas ele fez pior. Levou o Centrão para dentro do governo, acabou com o Teto dos Gastos e rasgou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sem falar que sempre joga contra seu governo e boicota as próprias propostas de desestatização de sua equipe econômica. Claro, e ainda fala muita bobagem que se reflete sobre o humor do mercado.

Não por outra razão, o dólar subiu para algo acima de 5 reais por dólar e resiste a cair, mesmo com a elevação da taxa de juros (que já chegou em 11,75%). Em situações normais de temperatura e pressão, isso seria suficiente para atrair um fluxo enorme de capital e levar o câmbio para baixo, além do efeito mais direto sobre inflação. Só que não!!! No nosso caso, o câmbio ainda resiste em cair.

Aliás, vale ressaltar também que o “pseudo ajuste fiscal” alardeado por aí pelo governo é insustentável por ter sido obtido por meio do chamado “imposto inflacionário” e pelas demandas por mais gastos (principalmente funcionários públicos) e que certamente serão sancionadas pelo Executivo e Legislativo em ano eleitoral. Mais do que isso, o superávit obtido foi do conjunto de estados e municípios, e não do governo federal, que continua com déficit. Ou seja, novamente caímos na armadilha de olhar para os dados presentes e nos esquecemos da dinâmica dos gastos e da dívida pública.

Ufa!!!! Dito tudo isso, vamos voltar aos combustíveis.

Tenho lido muitos petistas comparando o preço nominal da gasolina da época da Dilma com o preço atual e afirmando que tudo piorou neste mercado. Mas será mesmo?

Bom, em primeiro lugar, vamos lembrar que comparações de preços ao longo do tempo em termos nominais não fazem o menor sentido. E isso é tanto pior quando lembramos que a inflação oficial em 10 anos no Brasil foi superior a 80%. Ou seja, no mínimo, precisaríamos levar os valores para a mesma base (mesmo ano). Vale lembrar, entretanto, que o parâmetro correto de parametrização neste mercado não está associado à inflação, mas sim ao dólar, posto que estamos tratando de uma comodity negociada livremente no mercado internacional.

E nem venha com essa “baboseira” de que o país é autossuficiente em petróleo porque nem isso é verdade. Ao contrário, somos importadores de petróleo e de produtos finais (como óleo diesel e gasolina). Aconselho aos que duvidam olharem ao menos o Anuário Estatístico 2001 da ANP (https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/anuario-estatistico/anuario-estatistico-2021).

E mesmo que fôssemos autossuficientes, o buraco no processo de definição de preços é bem mais embaixo e envolve não só custo contábil, mas também o custo de oportunidade de não balizar o preço pelo mercado internacional. Já tratei disso em 2019 em um texto intitulado “Com alta do petróleo, governo terá que mostrar se é mesmo liberal como diz” (veja no link https://clevelandprates.blogosfera.uol.com.br/2019/09/17/com-alta-do-petroleo-governo-tera-que-mostrar-se-e-mesmo-liberal-como-diz/?cmpid=copiaecola).

Nesse sentido, volta a relevância de se entender que, além do próprio preço do barril do petróleo no mercado internacional, a desvalorização cambial tem um papel chave na definição do preço em reais dos combustíveis aqui no Brasil. Para internalizar o óleo bruto ou mesmo o produto final (gasolina e diesel), temos que utilizar o valor do câmbio para transformar o preço em dólar para reais. Só que hoje o câmbio, por tudo que já descrevi, está bem mais elevado que há dez anos, o que, naturalmente, gera um valor em reais bem mais elevado dos produtos que consumimos.

Mas há ainda um outro aspecto nesta discussão sobre o qual as pessoas precisam ter clareza. O suposto “preço baixo de 2012” nada mais é do que o resultado do controle dos preços da Petrobrás (não repasse dos preços do mercado internacional) implementado pela presidente Dilma naquele período. Bacana, né?

Só que não. Para além de todo processo de corrupção que descobrimos com a Lava Jato, essa política de controle de preços foi a principal responsável por gerar prejuízo econômico à Petrobras, descapitalizando a empresa e reduzindo sua capacidade de realizar investimentos. Na realidade, além de o resultado ter sido catastrófico para a empresa ao longo dos anos, como consequência, também tivemos a redução da atratividade de investimento no setor.

É importante entender, inclusive, que, se hoje não temos concorrência, uma das causas é a interferência constante no sistema de preços nesse mercado, que desestimula a entrada de novos players, tornando a Petrobras um quase monopólio de fato (mas não de direito) em alguns elos da cadeia produtiva.

Aliás, nossos políticos atuais estão loucos para continuar a cometer os mesmos erros do passado com um Projeto de Lei já aprovado no Senado e que está hoje em tramitação na Câmara dos Deputados. No limite, essa delinquência legislativa poderá até trazer desabastecimento para o país. Para quem tiver curiosidade, escrevi recentemente um artigo sobre o assunto: “Controlar preço dos combustíveis mostra que o Brasil vive sempre no passado” (veja no link em https://economia.uol.com.br/colunas/cleveland-prates/2022/03/16/controlar-preco-dos-combustiveis-mostra-que-o-brasil-vive-sempre-no-passado.htm?cmpid=copiaecola). Nele deixo algumas perguntas para que os mais afoitos em controlar os preços respondam sobre as consequências da adoção dessa estratégia.

Enfim, essa digressão mostra que temos a incrível capacidade de NUNCA aprender com o passado. O que nossos políticos têm feito e estão propondo atualmente é algo muito próximo ao que já fizemos e obviamente deu errado. No fundo, a grande maioria dos nossos representantes fica fazendo discursos fáceis e populistas, mas deixando a conta, mais uma vez, para ser paga no futuro por todos nós, pobres mortais.

Mas isso quer dizer que não há nada a fazer?

Amiguinhos, se querem resultados distintos, façam coisas distintas e corretas.

No curto prazo, CORRIJAM A TRAJETÓRIA DAS CONTAS PÚBLICAS, com ajuste fiscal, e implementem reformas estruturais descentes. Com isso, voltaremos a ter credibilidade, atrairemos mais investimentos e o dólar cairá já no curto prazo e, consequentemente, será possível reduzir o nível de preço do combustível em moeda nacional.

No longo prazo, implementar um processo de privatização desconcentrando o segmento de refinarias e desverticalizando o setor será um passo enorme para gerar um ambiente mais competitivo. Em paralelo, acabar com esse modelo de partilha histriônico criado pela ex-presidente Dilma e retorná-lo a um modelo de concessões com leilões competitivos, que não envolvam envelopes fechados (como ocorria no passado), elevará o nível de concorrência na exploração de petróleo.

Sorry, mas não existe solução fácil para um problema complexo como este. Ou somos resilientes com o momento e fazemos o que realmente devemos, ou no futuro continuaremos a pagar pelo preço dos constantes erros que cometemos.

Cleveland Prates Teixeira

Economista e professor de economia nas instituições Fipe e FGV/Law. Trabalhou no Governo por um período de cinco anos e hoje é Sócio-Diretor de uma Consultoria Econômica. Apaixonado por idiomas e viagens, dedica todo seu tempo livre para conhecer novos lugares. "Budista amador", do tipo "ZENPaZiência", é um liberal convicto (nada conservador).

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2 Comentários

  1. Obrigado Cleveland, bastante elucidativo.

    Aponto apenas dois pequenos erros textuais:

    1) no trecho “Dívida Líquida do Setor Público (DLSP); Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG); e Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG), conforme observamos no Quadro 3.” creio que a repetição de ‘Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG)’ não foi o pretendido, mas sim alguma definição para o acrônimo DBGG que vemos no citado quadro.

    2) na última parte onde se vê: ‘reformas estruturais descentes’ a grafia correta seria ‘reformas estruturais decentes’

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