Opinião

O silêncio de Sérgio Mor(n)o.

(Nota: Em regra escrever é um exercício prazeroso, mas não dessa vez. Admirador do Juiz Sérgio Moro é com pesar que escrevo esse texto)

Atuando como Juiz de 1a. instância, Sérgio Moro teve uma carreira brilhante. Suas sentenças em geral (mas especialmente as relativas aos processos da “LavaJato”) foram quase sempre irretocáveis e maciçamente confirmadas em instâncias superiores. Nas raras ocasiões que suas decisões foram reformadas, praticamente nunca houve inversão de mérito, sendo o mais comum o agravamento das penas aplicadas.

Diferente de muita gente que na ocasião condenou a decisão de Sérgio Moro de aceitar o convite para o Ministério da Justiça, vi naquela oportunidade que como Ministro, Moro pudesse seguir em sua aparentemente pretensa cruzada contra à corrupção.

Goste-se ou não, vivemos numa Democracia. Goste-se ou não, não há mudanças sem a aprovação do Congresso. Goste-se ou não, os mesmos deputados que seriam alvos de medidas contra a corrupção, foram eleitos pela vontade popular.

Patrimonialista, concebida em um sistema que privilegia grupos de interesses, sem um limite claro entre o público e o privado, nossa sociedade é formada por uma elite hermética a qualquer tipo de mudança e que se organiza e reage na defesa de seus interesses.

A velocidade da História é muito aquém da dos nossos anseios, promover mudanças é uma luta na qual o avanço se mede em “milímetros por anos”.

Entrar em um governo de “mudança”, que chegou ao poder sem base parlamentar e como fruto de um voto de protesto exige a plena consciência do nível de dificuldades que seriam enfrentadas. Especialmente quando se tem uma máquina pública totalmente aparelhada, uma imprensa majoritariamente militante, uma academia dominada por um viés ideológico e uma classe artística em sua grande maioria parasitária de recursos públicos.

Como “animal político” Moro se mostrou uma presa fácil, sem nenhuma musculatura para lidar com as adversidades que encontrou pelo caminho, ainda que parte delas fossem dentro do próprio governo do qual havia escolhido fazer parte.

Quer dizer que Moro não poderia ter saído do governo, havia se tornado eterno refém de uma decisão?.

Não, claro que não.

Contudo, é parte fundamental de qualquer decisão lidar com sua implementação na prática. Moro a meu ver foi pelo menos inocente, ao imaginar que não encontraria grande resistência, especialmente no ambiente parlamentar.

Frustrado com uma “falta de apoio” e por conta de uma interferência do Presidente da República na nomeação do Diretor Geral da Polícia Ferderal, Moro resolveu deixar o Ministério da Justiça.

Moro saiu atirando.

Convocou uma entrevista coletiva para comunicar sua decisão sem que nem tivesse cumprido a liturgia de devolver seu cargo ao Presidente.

Moro comunica sua saída do Ministério da Justiça.

Em sua coletiva fez duras acusações ao Presidente da República, de forma relativamente surpreendente, consideradas entrevistas dadas pouco tempo antes, quando sinalizava em direção contrária, como nessa entrevista dada ao Programa Pânico.

Nessa entrevista ao final de janeiro de 2020,
Moro se demonstrava bastante alinhado ao Governo Bolsonaro.

Em sua saída de Moro demonstrava profunda indignação. Sentimento sobre o qual farei referência mais a frente.

Após seu desligamento do governo, Moro fez dois movimentos que a meu ver o fragilizaram:

a) seu fraco depoimento na PF de onde se pode destacar o trecho da imagem a seguir;

b) exigência da divulgação na íntegra de uma reunião ministerial quando foram tratados inúmeros assuntos, envolvendo inúmeras pessoas, sem conexão alguma com o imbróglio em questão.

Divulgação do conteúdo da reunião ministerial foi bastante positiva
para o Presidente Jair Bolsonaro.

Seu comedimento no depoimento na PF e o conteúdo da reunião ministerial foram positivos para Bolsonaro. No primeiro caso a denúncia foi frágil, no segundo talvez a maior peça de propaganda já produzida a favor do Presidente da República.

Logo após sua saída do Governo, Moro se mostrava bastante ativo nas redes sociais, um padrão de certa forma divergente da discrição que o caracterizava até entrar para o Ministério da Justiça.

Através de sua conta no twitter, Moro faz dura crítica ao Presidente.

Tenho a convicção de que pelo menos por algum tempo Moro ambicionou um voo político mais alto, mas talvez não tenha encontrado a repercussão política e pública que imaginava que pudesse vir a ter.

Quase que dando um passo sem volta, no final de novembro de 2020, Moro se ligou a uma grande banca internacional de advogados, especializada em ações de Compliance. Desde então Moro diminuiu sua atividade nas redes sociais.

Mesmo diante da decretação de sua parcialidade, a resposta de Moro foi protocolar.

Imagem
Nota oficial de Sérgio Moro por ocasião da decretação de sua parcialidade
em processo envolvendo Lula.

Em decisão recente, o STF declarou a incompetência da 13a. Vara da Justiça Federal em Curitiba para julgar Lula. Se sobre sua imparcialidade Moro lançou uma óbvia nota oficial, sobre a anulação dos processos da LavaJato, Moro mostrou profunda e desapontadora indiferença.

Com outras preocupações Moro “nem estava acompanhando” sessão do STF
que deliberou sobre a competência da 13a. Vara.

Tenho a sensação que tivesse a resiliência Paulo Guedes, tendo ficado no Ministério da Justiça, nem que fosse para ser uma pedra no sapato do Presidente, Moro faria mais pelo combate à corrupção do que sendo articulista de revista.

Tendo escolhido ficar fora do governo como entender a posição atual de Moro?

Como ela pode ser interpretada, dada sua suposta indignação quando de sua saída do governo?

A ação de Bolsonaro no caso da troca do Diretor-Geral da PF foi um fato concreto maior contra o combate à corrupção do que a decisão do STF que jogou no lixo decisões que foram julgadas em seu mérito em três instâncias?

Se a decisão do STF é um golpe tão mais duro favorecendo o maior dos corruptos do país, qual o porquê do silêncio de Moro?

Será uma limitação por seus compromissos profissionais? Será algum tipo de temor pela integridade e de sua família?

A meu ver o constrangedor silêncio de Moro soa muito mal.

Ao permitir se tornar uma referência nacional de combate à corrupção, ser alvo de admiração de uma significativa parcela da população e ser considerado um possível candidato a Presidência da República, o silêncio de Sérgio Moro em relação ao STF soa omisso, talvez até covarde, deixando órfã uma legião de brasileiros que um dia viram no destemido juiz uma esperança de um país melhor.

Como disse na nota que abre esse texto, escrevo com pesar e desapontamento.

Se na saída de Moro do Governo em um primeiro instante entendi aquele gesto como sendo sinal de profundo desprendimento pessoal e de grande compromisso com o país, o que se sucedeu a partir daí, criou um cenário absolutamente contrário a isso.

Passado algum tempo, infelizmente, fica cada dia mais claro que ao sair do Governo, diferente de estar na defesa de um agenda, Moro alimentava apenas um projeto pessoal, mesmo não tendo sido capaz de admitir isso em nenhum momento.

Ao final, infelizmente, não há como conciliar o silêncio de Moro em relação ao STF com seu discurso de combate a corrupção e sua reação ao se desligar do Ministério da Justiça, existe aí uma gigantesca contradição que por fim nos impõe um reflexão, tendo como fundo a citação bíblica a seguir.

A “condenação” de Moro não é transitada em julgado, cabe recurso, mas me parece difícil a reversão do mérito. O tempo dirá.

Marcelo Porto

Gênio do truco, amante de poker, paraíba tagarela metido à besta, tudólogo confesso que insiste em opinar sobre o mundo ao meu redor. Atuando no mercado financeiro desde 1986, Marcelo Porto, 54, também é Administrador de Empresas e MBA em Mercado de Capitais.

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Um Comentário

  1. O silêncio de Moro é explicável. Ele sabe que o PSDB está nas mãos do PT, porque esse constatou que o mandante do Adélio é PSDBista. Ligue os pontos.

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