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Dados equivocados alimentam os antivax

Pessoas que têm um viés antivax voltado para a COVID-19 leem as notícias de forma superficial, sem mergulhar nos detalhes e assim elas alimentam suas teorias de conspiração pessoais, contribuindo para disseminar o pânico entre as pessoas e a convencer mais pessoas a temer as vacinas.

Primeiro dou uma explicação bem simples, depois faço a análise de uma notícia alarmista publicada como manchete principal no G1, finalmente exibo a tradução de um artigo mais técnico, mas excepcional; explicando dados “contraditórios” em Israel.

Explicação pra lá de simples

Figura explicada abaixo

Suponha que um país tenha 21.000.000 pessoas acima, de 12 anos, Dessas 1.000.000 são não vacinados e 20.000.000 são completamente vacinados.

Suponha que esse país aplicou uma vacina de 1 dose, para não existir pessoas parcialmente vacinadas. Digamos ainda que já tenha passado o intervalo de dias recomendado para a vacina para maximizar a imunidade induzida por ela.

Em um período de 1 mês contou-se 10.000 casos de Covid-19 dentre os não-vacinados e 30.000 casos de Covid-19 entre os vacinados.

Apesar de termos 3 vezes mais infectados de COVID-19 entre os vacinados, ainda assim a incidência do doença dentre os vacinados é 85% menor, ou seja, houve uma incidência de 150 para 100.000 pessoas (30.000 / 20.000.000) dentre os vacinados, e 1.000 para 100.000 pessoas (1.000 / 1.000.000) entre os não vacinados.

Ou seja, esse é um exemplo típico em que um número absoluto maior se transforma em um número relativo bem menor.

Isso se deve ao alto índice de vacinação desse país hipotético.

O mesmo raciocínio se aplica a hospitalizações, internações em UTI e morte.

Ignorância monumental da mídia

Pode ser uma imagem de texto que diz "Menu Email g1 globo valor ge globo.com cartola globoplay endênciadeproteçãoenf enfraquecida RJ registra alta do nº de mortes por Covid em idosos com duas doses Vitóri Agl ent"

É triste que a G1 (e outras mídias) escolhem, de forma sensacionalista, essa notícia como manchete e explana “A partir da 22ª semana epidemiológica de início de sintomas, a quantidade de mortes de quem já tomou as duas doses da vacina fica maior do que o número de pessoas com apenas a primeira dose.”

É óbvio que se a grandíssima maioria dos idosos já receberam as duas doses, em algum momento o número de mortes iria ultrapassar as mortes dentre os não vacinados.

De todo o modo, é preciso lembrar que os idosos (especialmente nas faixas superiores) tem um sistema imunológico que pode não responder adequadamente à vacina contra COVID-19 e outras doenças, quer seja Coronavac, Pfizer ou Astrazêneca.

O que tem que se fazer é medir as mortes por 100.000 pessoas nos 2 grupos (vacinados e não vacinados) nas diferentes faixas etárias e comparar. O quadro mudaria totalmente.

Não faria mal alguém se prontificar a explicar essa questão para essas figuras que estão entre as autoridades de nosso estado, e também para os jornalistas, que se atrapalham e selecionam manchetes equivocadas que servem para demonstrar ignorância e influenciar de forma negativa as pessoas sobre a questão das vacinas.

Ainda mais primitivo do que isso, são aqueles que repercutem “causos” como a morte do ator Tarcísio Meira, como evidência da ineficácia da vacina, como se histórias isoladas servissem para explicar qualquer coisa.

É óbvio que a população de idosos vacinados é muito maior que a população de idosos não vacinados. Essa última representa basicamente aqueles que se negaram a tomar por ideologia ou ignorância, ou aqueles que não puderam tomar por algum motivo médico.

Sendo assim, comparar mortes em grupos tão heterogêneos, é tão tolo quanto dizer que, como existem muito mais Hyundai HB20 roubados do que BMWs, o possuidor de um Hyundai HB20 corre muito mais risco do que o dono de um BMW quando, muito provavelmente, isso não acontece, porque vende-se mais carros Hyundai HB20 do que qualquer outro modelo.

Dados de Israel assustam sem base

Recomendo fortemente as pessoas, que ainda tenham alguma abertura para mudar de ideia, o texto abaixo, uma tradução que fiz, levemente adaptada e resumida, do texto do Jeffrey Morris (*) no site Covid Data Science.

Dados israelenses: como a eficácia para a forma grave da doença pode ser forte quando 60% dos hospitalizados são vacinados?

Observou-se um aumento repentino de casos envolvendo a variante Delta de transmissão rápida em países fortemente vacinados

Isso levou a muitos receios de que as vacinas não são eficazes contra a variante Delta, ou que a eficácia da vacina diminui substancialmente após 4-6 meses.

Tais informações deturpadas alimentaram mais ainda o sentimento antivax, sugerindo que as vacinas não estão funcionando, o que causa muito stress nas pessoas vacinadas por não estarem tão protegidas quanto pensavam que estariam.

Esse artigo irá se concentrar na eficácia da vacina perante a forma grave da doença com hospitalização, que é o fator chave para a saúde pública.

Um resultado perturbador, que foi repercutido em muitos lugares, é que uma alta proporção de pacientes hospitalizados para COVID-19 são vacinados.

Por exemplo, podemos ver a partir dos dados do painel de dados do governo israelense que quase 60% de todos os pacientes atualmente hospitalizados por COVID-19 (em 15 de agosto de 2021) estão vacinados.

Dos 515 pacientes atualmente hospitalizados com casos graves em Israel, 301 (58,4%) desses casos foram totalmente vacinados, ou seja, duas doses da vacina Pfizer e 214 não foram totalmente vacinados.

A partir desse tipo de dado, várias manifestações em redes sociais sugerem que as vacinas não funcionam ou perderam sua eficácia em relação à doença grave. Outros textos citam esse tipo de dado como evidência adicional para a redução da eficácia do vacinas na tentativa de justificar reforços da terceira dose.

No entanto, embora esses números sejam verdadeiros, citá-los como evidência de baixa eficácia da vacina é errado e enganoso.

Às vezes, a partir de dados observacionais, há uma mescla de vários fatores que podem tornar mais fácil interpretar erroneamente percentagens simples como esta, e isso traz a chamada tempestade perfeita de fatores para encher de dúvidas o cidadão comum e até as autoridades.

Em particular, os principais fatores aqui que contribuem para essa confusão são:

  • Altas taxas de vacinação no país (quase 80% de todos os residentes> 12 anos)
  • Quase todas as pessoas idosas sendo vacinadas (> 90% dos residentes>= 50 anos) e a grande maioria dos não vacinados são pessoas mais jovens (> 85% dos não vacinados < 50 anos)
  • Idosos são muito mais propensos a serem hospitalizados com um vírus respiratório do que os jovens (residentes> 50 anos têm> 20 vezes mais probabilidade de ter infecções graves hospitalizadas do que residentes <50 anos, e residentes com mais de 90 anos têm> 1600 vezes mais probabilidade de hospitalizações graves infecções do que residentes 12 a 15 anos).

Após contabilizar as taxas de vacinação e estratificar por grupos de idade, a partir desses mesmos dados, é possível ver que as vacinas tem alta eficácia (85-95%) perante a forma grave da doença, mostrando que quando se trata de prevenção de severidade, a vacina Pfizer ainda está tendo um desempenho muito bom na variante Delta, mesmo em Israel, de onde surgiram os dados mais preocupantes.

Aqui a análise se concentra em indivíduos totalmente vacinados, comparados a não vacinados para agilizar a apresentação, mas os mesmos dados também mostram que a vacinação parcial também fornece um nível decente de proteção para a forma grave da doença grave (75-85%).

Ajustando para a taxa de vacinação

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Quando se olha por taxa relativa estratificada por idade, tudo muda

Como se mostrou no início do texto, quase 60% dos casos graves ativos são vacinados, mas uma análise feita com base em valores absolutos pode ser enganosa, pois esses valores são fortemente influenciados pelas taxas de vacinação.

Quando as taxas de vacinação são baixas, o uso de números absolutos pode exagerar a eficácia da vacina, mas quando as taxas de vacinação são altas, o uso de números absolutos pode atenuar a eficácia da vacina, fazendo-a parecer menor do que realmente é.

Observe que uma alta proporção (quase 80%) de todos os residentes israelenses> = 12 anos foram vacinados.

Para ajustar as taxas de vacinação, deve-se normalizar as contagens de casos graves em nosso meio, por exemplo, computando o número “por 100.000”

Assim, temos 16,4 por 100.000 de incidência de casos graves entre os não vacinados e 5.3 de casos graves entre os vacinados. Isso dá uma incidência de 16,4/3,1 ~3,1 vezes maior em indivíduos não vacinados do que em indivíduos totalmente vacinados, o que sugere que as vacinas estão suprimindo doenças graves.

A eficácia para a doença grave pode ser definida como 1 – V / N , onde V = taxa de infecção por 100k para vacinados totalmente, N = taxa de infecção por 100k para não vacinados. Isso representa a redução percentual na taxa de infecção grave no grupo vacinado em relação ao grupo não vacinado.

Assim, a eficácia da vacina para a forma grave da doença pode ser calculada a partir desta razão por:

Eficácia da vacina para a forma grave da doença = 1 – 5,3 / 16,4 = 67,5%.

A interpretação desse número é que as vacinas estão prevenindo mais que 2/3 das infecções graves que levam à hospitalização que teriam ocorrido sem a vacinação.

Observe que isso é consideravelmente mais baixo do que a eficácia> 95% para a doença grave, que tinha sido anunciada anteriormente.

Esse número faz parecer que a eficácia da vacina em comparação com a doença grave diminuiu substancialmente com o passar do tempo para essa variante Delta.

No entanto, esse número também é enganoso por causa da questão mencionada da relação da idade com o status de vacinação e risco da forma grave ser muito maior em pessoas mais idosas, ou seja, as pessoas mais velhas têm maior probabilidade de serem vacinadas e, inerentemente, maior risco de ter a doença da forma grave.

Taxas de vacinação desequilibradas por idade

Se dividirmos os dados entre os mais jovens (<50 anos) e mais velhos (>= 50 anos), podemos ver que há uma disparidade acentuada nas taxas de vacinação por idade.

Abaixo de 50 anos, existem 18,2% não vacinados e dos 50 anos para cima essa taxa cai para apenas 7,9%.

Eficácia da vacina para a doença grave por coorte de idade

No entanto, uma vez que temos os dados divididos por grupos de idade, podemos facilmente calcular a eficácia da vacina em comparação com a doença grave para cada grupo de idade:

Eficácia da vacina para a. doença grave para mais jovens (<50 anos) = 1 – 0,3 / 3,9 = 91,8%

Eficácia da vacina para a. doença grave para idosos (> 50 anos) = 1-13,6 / 90,9 = 85,2%

Essas eficácias são bastante altas e sugerem que as vacinas estão fazendo um ótimo trabalho na prevenção de doenças graves em coortes de mais velhos e jovens.

Esses níveis de eficácia são muito mais altos do que a estimativa de eficácia de 67,5% que obtemos se a análise não for estratificada por idade.

Quando se detalha mais, vemos que a eficácia é bastante alta em todas as faixas etárias, sendo que o grupo de 80-89 tem a eficácia mais baixa (81,1%) e todos os outros entre 88,7% e 100%.

É possível então concluir que os dados israelenses atuais fornecem fortes evidências de que a vacina Pfizer ainda protege fortemente contra a doença grave, mesmo para a variante Delta, quando analisada adequadamente para estratificar por idade.

Essas discrepâncias onde as partes mostram proporções aparentemente incompatíveis as proporções do todo são explicados pelo famoso paradoxo de Simpson.

Existem ainda outros fatores que pode ser considerados para segmentar os grupos de vacinados e não vacinados que podem influir na eficiência real, como, por exemplo, a exposição prolongada ao vírus, que acontece nos profissionais de saúde,

Conclusão

Enquanto houver uma grande disparidade de idade nas taxas de vacinação, com os indivíduos mais velhos sendo mais altamente vacinados, o fato de que os idosos têm um risco inerentemente maior de hospitalização, quando infectados com um vírus respiratório, significa que é sempre importante estratificar resultados por idade; se não, a eficácia geral será tendenciosa para baixo e uma representação pobre de quão bem a vacina está funcionando na prevenção de doenças graves (o mesmo vale para eficácia versus morte).

É importante usar taxas de infecção e doença (por 100k, por exemplo) e não contagens brutas para comparar grupos não vacinados e vacinados para ajustar a proporção de vacinados.

O uso de números absolutos exagera a eficácia da vacina quando a proporção de vacinados é baixa e atenua a eficácia da vacina quando, como em Israel, as proporções das vacinas são altas.

O resultado final é que há evidências muito fortes de que as vacinas têm alta eficácia na proteção contra doenças graves, mesmo para a variante Delta;

Dada a alta taxa de vacinação, é plausível que uma proporção substancial de não vacinados estivesse previamente infectada.

Dada a evidência esmagadora de que a infecção anterior confere proteção imunológica forte e duradoura de dezenas de artigos publicados, isso significa que aqueles não vacinados têm proteção imunológica forte (possível comparável a vacinados).

Isso também serviria para atenuar as estimativas de eficácia e pode ser uma razão pela qual a eficácia em relação à doença grave não é superior a 85-92%.

Além disso, isso pode fazer com que a eficácia de sua dose única pareça muito maior do que em outros lugares, uma vez que também inclui aqueles previamente infectados que foram eventualmente vacinados.

Com dados de observação do mundo real, sempre precisamos pensar cuidadosamente sobre fatores como esses ao tentar avaliar a eficácia da vacina contra infecções, doenças graves ou morte.

Como resultado, devemos ser cautelosos com quaisquer alegações que simplesmente relatam número absolutos ou valore gerais de eficácia sem estratificação,

Os dados usados nesta postagem do blog foram baixados do Painel do Ministério da Saúde de Israel “

(*) Jeffrey S. Morris é um cientista de dados estatísticos, professor e Diretor de Bioestatística na Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia. Ele obteve seu PhD em Estatística pela Texas A&M University em 2000. Ele fez extensa pesquisa financiada pelo NIH e NSF sobre métodos de ciência de dados estatísticos para pesquisa biomédica, com mais de 200 publicações, incluindo as principais revistas científicas, médicas e estatísticas.

Conclusão

Vacinem-se contra a COVID-19. Esqueçam suas desconfianças de leigo. Tomem a vacina que tiver disponível.

Há riscos de efeitos colaterais graves? Sim, mas é bem raro.

Depois, se for possível, tomem um reforço. Tudo indica que cresce a eficácia e é seguro.

Nada protege 100%. No entanto, mesmo uma proteção parcial é muito melhor do que nenhuma proteção.

As vacinas são experimentais? Sim, de certo modo, mas há causas bem definidas para o desenvolvimento das vacinas para a Covid-19 ter sido tão rápido. Leia aqui.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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