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COVID-19 e IVM: Menos mortes e politização no MEX

Há algum tempo publiquei por aqui “Grande estudo mexicano com IVM é bem-sucedido”, sobre um estudo observacional bem-sucedido com IVM conduzido pelo governo da Cidade do México com 233.849 pacientes junto ao sistema público de saúde.

Hoje volto aqui para analisar dados de óbito no México, particularmente na Cidade do México, adotando o critério simples de medir a razão entre óbitos em um dado período com casos comprovados registrados 30 dias atrás.

Houve a adoção oficial do protocolo de IVM para pacientes de COVID-19 na Cidade do México praticamente a partir do início do ano de 2021.

Isso gerou reflexos claros no número relativo de óbitos relativos aos casos a partir de fevereiro, uma vez que há uma defasagem entre o início da doença fora do hospital e o óbito.

Além disso, em decorrência da repercussão local, houve aumento da adoção não oficial de IVM no resto do México.

Estabelecer uma relação causal entre esses fatos não é tão simples, mas a racional do estudo observacional que fundamentou a mudança no protocolo na Cidade do México é forte (se não se constituir em uma fraude).

Observe no gráfico que o Brasil está com letalidade bem acima da Cidade do México, embora ainda esteja em um nível menor que no México como um todo.

Repare ainda que a queda percentual relativa entre a cidade do México e o resto do México é significativa,

A revista semanal mexicana “Proceso” publicou na sua edição 2305 uma matéria, cujo resumo é dado abaixo.

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Ivermectina: de estudo a política pública de saúde

Pode ser uma imagem de uma ou mais pessoas, pessoas em pé e texto
Edição 2305 impressa do semanal Proceso

Especialistas consultados por este semanário defenderam o uso de IVM como um tratamento preventivo para evitar um agravamento em pacientes com Covid-19 e para reduzir o risco de hospitalização.

Consideram que seu uso é o fator determinante para a redução dos casos na Cidade do México e no país, graças ao tratamento que vem sendo aplicado aos pacientes com esta doença desde o final de dezembro passado”

Juan Chamie, especialista em análise de dados, que monitora o uso de IVM contra Covid-19 em todo o mundo, considera assim, mas esclarece que essa droga “não é a cura para covid-19”.

No entanto, tem se mostrado eficaz na prevenção de que a doença se torne mais séria e até fatal.

Desde o anúncio da entrega do kit à Cidade do México e do anúncio do IMSS, Chamie acompanhou de perto a evolução da pandemia.

Na sexta-feira, 14, as autoridades da Cidade do México anunciaram que, de acordo com uma análise experimental, a IVM reduziu em até 76% as chances de um paciente ser hospitalizado por apresentar infecção por COVID-19.

Segundo o chefe da Agência Digital de Inovação Pública, José Peña Merino, o estudo consistiu em comparar a evolução da doença em um paciente tratado com um kit médico de seis miligramas de IVM e 100 mg de ácido acetilsalicílico, com a de outro grupo não tratado com esses medicamentos.

“O principal resultado é uma redução da probabilidade de ser hospitalizado entre 52 e 76%, significativo a 99%. É uma análise quase experimental que nos permite identificar e isolar o efeito do kit médico na probabilidade de ser hospitalizado ”, conclui o estudo.

A respeito disso, Chamie comenta: “Acho absolutamente admirável que a administração da Cidade do México, em conjunto com o Instituto Mexicano de Seguridade Social, tenha se arriscado a fazer este estudo, sabendo que o governo central é contra o tratamento com IVM.

Acho admirável que eles tivessem o caráter de dizer vamos fazer isso e, finalmente, vamos testar se isso funciona ou não.

“Quanto aos resultados, me parece que graças ao grande número de pacientes (mais de 200 mil, um número enorme) e o resultado foi tão grande (redução de 76% nas internações) é impossível dizer que devido a falhas metodológicas, ou porque Alguns pacientes eram de novembro e outros de dezembro, esse resultado não é válido. Dizer isso não faz sentido. “

Ele comenta que o efeito da vacina ainda não pode ser considerado, porque o percentual da população vacinada não é muito alto e é preciso imunizar 70% para ter resultados tangíveis, como em Israel ou nos Estados Unidos.

A vacina é eficaz, acrescenta, mas “a IVM é a ponte” para proteger as pessoas enquanto estão sendo imunizadas.

Já o governo federal comenta que tanto o titular do Ministério da Saúde, Jorge Alcocer, quanto o subsecretário de Prevenção Social, Hugo López-Gatell, relutam em usar a droga desde junho de 2020.

Naquela época havia um muitos bons resultados no Peru, mas a Organização Pan-Americana da Saúde, em um comunicado, se opôs ao uso e agora pode não querer aceitar que era errado.

“Se López-Gatell está preocupado com a vida dos mexicanos, o que ele deveria fazer é falar sobre o estudo, sobre os resultados relacionados ao uso da IVM e seguir um protocolo nacional para seu uso, pois a pandemia não acabou”, diz Chamie . E avisa: “É muito possível que a nova variante que foi desenvolvida na Índia chegue ao México e te surpreenda de braços abertos; muita gente pode morrer ”.

Além disso, destaca, após o fracasso na gestão da pandemia pelo governo federal e os erros de López-Gatell, a mídia e a administração do presidente López Obrador estão muito voltadas para a política e não para a ciência.

Chamie aponta que é trágico que pelo menos 220.000 pessoas tenham morrido do vírus – outras fontes dizem que pode haver até 600.000 – mas ele descreve o que está acontecendo como muito encorajador.”

IVM não deveria ser um tema político

Interessante que no México não há a politização de falar sobre potenciais tratamentos da COVID-19, como há no Brasil.

No México, a Proceso é um conhecido semanário de esquerda, que dá um viés favorável a essa matéria sobre IVM, sem falar de transplante de fígado ou desancar o trabalho do governo da cidade do México a priori.

O estudo foi conduzido em um governo do distrito federal comandado por Claudia Schembaum, que é do mesmo partido do Obrador, inclusive tendo sido ex-secretária do meio ambiente (2005-2006) quando ele ocupava o cargo dela.

O detalhe curioso é que a Claudia Schembaum está agindo, nesse quesito, contrário á orientação do governo central do Obrador, como a matéria conta.

Quanto à vacinação, o Brasil está um pouco na frente do México na 1a. dose e um pouco atrás na 2a dose.

Fonte das informações de casos e óbitos

Os dados usados para a coleta de casos e óbitos foi a Worldometers para o Brasil e o painel oficial do governo no México.

Observação Técnica sobre os dados

O último ponto de dados foi com casos de 27/Mar a 27/Abril e óbitos de 27/Abr a 27/Mai no México e com casos de 29/Mar a 29/Abril, e óbitos de 29/Abr a 29/Mai no Brasil. O restante dos dados sem foi com óbitos do mês X e casos do mês X-1.

Apêndice 1: IVM do MX é aqui ignorada ou vilipendiada

Em relação ao amplo estudo observacional realizado no México, qual foi a atitude da imprensa brasileira? Ignorar completamente ou desancar sem dó nem piedade!

Um exemplo marcante do que é ignorar foi a matéria do G1 intitulada “Testagem, vacinação e campanhas: como a Cidade do México conseguiu reduzir a mortalidade por Covid-19”.

Esse artigo cita a Secretária de Saúde da Cidade do México, Oliva López Arellano, mas não emite um pio sobre o estudo de IVM que ela encabeçou, e que ela própria aponta como uma importante causa de redução da mortalidade na capital mexicana.

Isso, para mim, é de uma desonestidade impressionante!

Para mostrar o que é espinafrar o estudo mexicano, há o artigo da UOL “Estudo no México não prova que IVM reduziu internações por covid-19” repleto de deturpações ou verdades inócuas.

Trata-se de um texto elaborado com a conclusão já pronta antes de começar a redigi-lo.

Fora a descrição sumarizada do estudo, eles só procuraram especialistas (no caso 2 brasileiros e 1 mexicano, via Twitter) para detonar o artigo, sem direito ao contraditório.

Por que eles não procuraram outros pesquisadores com opinião diversa? Por que eles não procuraram os autores originais do estudo? Por que eles nunca se referiram aos aspectos polêmicos do estudo colombiano contra a IVM?  É tudo pela narrativa que eles querem seguir?

Se eu pudesse asseverar que o estudo mexicano não se constitui uma fraude, acredito que ele tem massa crítica suficiente para assegurar que a IVM funciona, ainda que nem perto de 100%.

Infelizmente, não posso daqui garantir que eles simplesmente não inventaram os dados, embora não seja uma situação das mais prováveis porque envolve muitas pessoas.

Vamos ao ponto a ponto do texto da UOL:

𝟏) Os dados são preliminares e não foram publicados em nenhuma revista científica.

Resp: Isso nós sabemos. O estudo é assumidamente preprint. Submissão a um periódico pode levar 3 meses ou mais.

𝟐) Além disso, o estudo foi feito por meio de consulta a bancos de dados, em nível populacional.

Resp: Não é bem assim. O artigo da UOL insinua que é algo externo ao estudo, quando não é. O protocolo foi feito e implantado no próprio sistema de saúde que eles gerem: o sistema de saúde público da cidade do México.

𝟑) Tentou medir os resultados da entrega de um kit composto por três medicamentos

Resp: Eles omitem nesse ponto a importante informação que o kit inclui paracetamol e aspirina, ambos inertes contra a COVID-19, mas com efeito nos sintomas (paracetamol) e na afinação do sangue (aspirina), com possível utilidade em caso de hospitalização.

𝟒) Não se trata de um ensaio clínico.

Resp: Óbvio, o artigo mexicano é assumidamente um estudo observacional.

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Vamos ao especialista mexicano Omar Yaxmehen Bello-Chavolla, citado, de onde eles deduziram a maioria das afirmações do artigo.

𝟓) Se avaliou o efeito de entrega de kits entre 28/12/20 e 28/01/21 (casos) versus kits de período sem entre 23/11/20 e 28/12/20 (controles). Essa relação temporal não é comparável.

Resp: É porque foi a data da introdução da IVM no sistema de saúde pública da cidade do México, não é um viés mal intencionado dos pesquisadores. Todos os pacientes sequenciais anteriores e posteriores receberam respectivamente a ausência de indicação de tomar ou a indicação de tomar a IVM.

𝟔) As hospitalizações estão ️no período de “intervenção”. Os critérios de hospitalização e disponibilidade de leitos NÃO são comparáveis ​​entre os períodos. Use a hospitalização como resultado quando a disponibilidade for inadequada

Resp: Crítica injusta, é um conjunto bem delimitado de hospitais e o percentual de ocupação do hospital foi também tabelado.

Claro, há possibilidade de fraude por parte dos pesquisadores, pressionando os hospitais para tornar os critérios de hospitalização após 28/Dez mais rigorosos, mas isso seria uma teoria da conspiração, porque envolvem muitos hospitais e médicos. Muito improvável, seria mais fácil meramente inventar os dados.

𝟕) Foi usada uma regressão de efeitos fixos, que não considera a heterogeneidade regional na cidade do México no modelo

Resp: A heterogeneidade regional aí é irrelevante, já que foram usados exatamente o mesmo conjunto de hospitais públicos, e se tabulou por idade, comorbidades e sintomas. A IVM reduziu hospitalização no geral e em cada segmento separado. A diferença de datas aqui é inevitável, porque o estudo se moldou a uma prática real de mudar a prescrição oficial no meio do voo.

𝟖) O kit inclui tratamento com paracetamol, aspirina e IVM. O efeito do tratamento com IVM não pode ser separado uma vez que a intervenção NÃO foi isolada

Resp: Considerações feitas acima

𝟗) Nenhum tratamento adicional recebido é conhecido

Resp: Resposta dada abaixo

𝟏𝟎) Não contempla que hospitalizações ao longo do tempo seguem uma distribuição de Poisson

Resp: Errado, distribuição de Poisson não se aplica a grandes números, já que a hospitalização por dia é irrelevante para o estudo. Apenas em distribuições com probabilidade baixa e com poucos ocorrências por unidade. Não foi o caso.

𝟏𝟏) Não incluir o denominador no modelo impede a estimativa da população.

Resp: Que denominador, cara pálida? Isso é a amostra dividida em grupo de tratamento e controle. Ninguém tentou inferir isso para a população do México. Poucos estudos tentam fazer essa inferência para todos os pacientes de um país ou região.

𝟏𝟐) Probabilidade de confusão residual

Resp: O autor usa um termo chique para confundir o leitor. Refere-se às covariáveis. O estudo considerou as mais importantes ao considerar idade, acompanhamento remoto do paciente (que teve maior efetividade), comorbidades, e intensidade dos sintomas

𝟏𝟑) Efeitos aleatórios não considerados

Resp: Lógico. É um estudo observacional! Não há nada aleatório aqui!

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𝟏𝟒) “Além disso, a pesquisa não é capaz de determinar se as pessoas efetivamente usaram as medicações, se tomaram no período correto e se receberam drogas adicionais para o tratamento dos sintomas. O mesmo vale para o grupo controle, que os autores do estudo assumem que não usou o trio de remédios apenas porque não recebeu o kit nos postos de atendimento”. .

Resp: Sim, mas esse é problema de TODOS os estudos observacionais fora de ambiente hospitalar. Não há condição de custo para fazer isso diferente. Se a automedicação, com a IVM não tão em voga no México como em outros países da América do Sul, isso iria DESFAVORECER o experimento e não favorecê-lo.

𝟏𝟓) A professora do Departamento de Farmácia da Universidade de Brasília (UnB) Djane Braz lembra que esse tipo de resultado in vitro não garante que o remédio funcione nos seres humanos … Mesmo usando uma dose 10 vezes maior do que a aprovada hoje para tratar verminoses, não conseguimos chegar na dose necessária para ter efeito antiviral nos pulmões.”.

Resp: Sabemos disso em tese, mas há vários mecanismos alternativos, além da possibilidade de maior biodisponibilidade além da prevista em teoria, relatada em artigos, tanto do Carlos Chaccour como outros autores, incluindo os pesquisadores originais da descoberta do efeito in vitro na Universidade de Monash na Austrália. No entanto, como disse, o contraditório não foi contemplado.(Ver em The effect of early treatment with ivermectin on viral load, symptoms and humoral response in patients with non-severe COVID-19: A pilot, double-blind, placebo-controlled, randomized clinical trial, Prioritization of Anti-SARS-Cov-2 Drug Repurposing Opportunities Based on Plasma and Target Site Concentrations Derived from their Established Human Pharmacokinetics e Ivermectin as a Broad-Spectrum Host-Directed Antiviral: The Real Deal?)

𝟏𝟔) Segundo o professor da UFRGS Alexandre Zavascki, as melhores evidências de segurança e eficácia partem de testes amplos e bem desenhados para eliminar o risco de viés. “Nas ciências médicas, as relações de causalidade entre medicações e efeitos são definidas a partir de ensaios clínicos”,.

Resp: Sabemos disso, mas a questão de custo, e além disso, um estudo de 2019 mostrou que 10% de todos os remédios aprovados no FDA são referente a estudos apenas observacionais. (https://bit.ly/3ucdYkm)

𝟏𝟕) Por fim, houve consulta a dados públicos sobre casos e mortes por Covid-19

Resp: Interessante. Então a UOL não visualizou a queda de óbitos na Cidade do México de verdade….

𝟏𝟖) Seção quase final: “A pandemia no México.”

Resp: Essa seção é toda sobre política e foge a qualquer debate científico. Tenta-se concluir que como o governo do México é assim, o estudo, que é ligado a um governo aliado ao governo federal, não vale nada!

✹✹✹

Toda essa perseguição nos leva a concluir que prevalece uma lógica tosca em grande parte da mídia brasileira:

Configura crime lesa pátria defender qualquer droga para a fase inicial da COVID-19 que seja apenas um reposicionamento de um fármaco já existente.

Isso APENAS porque o vilão favorito de 99 em cada 100 jornalistas defende o tema, ainda que em termos simplórios, a partir de algumas de suas declarações públicas.

E veja que IVM não é nem a droga favorita do mito, que claramente é um eterno apaixonado pela cloroquina.

“Olha o exemplo que estou dando“, diz o Bolso ao declarar agora que voltou a tomar HQC.

Apêndice 2: Por que a HQC caiu em descrédito?

A razão não envolve apenas a questão política, que inegavelmente houve: a verdadeira ciência não é imóvel, pelo contrário: ela evolui diante de novas evidências.

Eu mesmo cheguei a ter esperança no fármaco lá para março e abril de 2020, mas, com o tempo mudei minhas crenças.

Não é que a HQC esteja 100% descartada, mas tudo indica que outros remédios são mais promissores.

Saga da Prevent Senior

Comecei a me desiludir a partir do tal estudo da Prevent Senior.

Eles chegaram a sugerir que eu os apoiasse na parte estatística, mas depois sumiram, junto com o artigo, que chegou a vazar para a Internet, mas era mal escrito e repleto de falhas. No final, nunca foi publicado, apesar de estar citado no estudo do professor de Yale, Harvey Risch que dá um diagnóstico favorável à combinação HQC+AZI.

Alguém acha que se o pessoal da Prevent Senior realmente tivesse obtido bons resultados com a HQC, eles não gritariam essa conquista a 4 ventos, contratariam uma auditoria externa para checar os dados e, a partir disso, não estariam bombando nas vendas dos seus planos de saúde?

Muito pelo contrário. A Prevent Senior, relativo a essa questão, simplesmente se refugiou nas sombras, embora seus controladores decidiram aproveitar a súbita celebridade para abrir uma filial no Rio de Janeiro.

A febre via o cientista francês Didier Raoult

A grande febre da hidroxicloquina (HQC) teve seu ponto chave a partir do famoso artigo do renomado, mas polêmico cientista francês Didier Raoult, quando ele divulgou um estudo observacional, que hoje se encontra publicado revisto por pares.

O estudo detalha o tratamento de 1.061 pacientes em Marselha na França e apresenta vários problemas, dos quais apresento um breve sumário.

  1. Ele chegou à letalidade de 0,9% sem braço de controle e o artigo simplesmente declara que esse é um número baixo, e o leitor pretensamente deve acreditar nisso.
  2. O estudo trata não apenas de pacientes sintomáticos, mas também de casos conexos assintomáticos, o que contribuir para o percentual baixo de letalidade.
  3. A letalidade de 0,9% só é exposta nas 2 últimas linhas do artigo, o que é uma decisão confusa, considerando o formato de um artigo: Since this analysis was completed, and as of the 29th of April, 2020, two more patients in the PClinO group died resulting in an overall 0.9% case fatality rate (CFR) for these 1061 patients.
  4. Considerando a questão da idade média de 43,6 anos, baixo nível de comorbidades, e tratamento de assintomáticos, essa letalidade não é nada digna de nota, quando se compara à letalidade no navio Diamond Princess (14 óbitos em 712 pacientes – 2% – com idade média de 68 anos).
  5. O próprio Didier Raoult e colegas admitiram no início de 2021 que a taxa de letalidade de 0,9% não é relevante naquele estudo, embora ele tenha desmentido isso em declarações posteriores.

Estudos depõem contra a HQC para a fase inicial

Levantei no site C19HQC um total de 57 estudos que usam HQC ou cloroquina para a fase inicial (early) da COVID-19; examinei-os um a um e tabulei-os.

Estudos para a fase inicial do site C19HQC

Repare de todos os 57 estudos listados, considerei que 49 não têm os requisitos mínimos para serem considerados em uma meta-análise, quer por ter algum viés sério (metodologia e/ou autor), quer por estar fora do tema.

Nessa classificação, incluo o artigo não publicado da Prevent Senior, a chuva de artigos do Didier Raoult e os artigos (um deles é esse) de autoria do polêmico médico de família do interior do estado de New York, Vladimir Zelenko, que ganhou projeção nacional com essa agenda.

No entanto, todos os estudos randomizados revistos por pares não encontraram bons resultados para a fase inicial da doença (exceto 2 estudos pequenos chineses no início da pandemia), incluindo:

Uma meta-análise mais criteriosa foi também realizada:

Além disso, há alguns estudos com IVM que usaram HQC no braço de controle, com bom desempenho relativo da IVM, dois deles não listados no site C19HQC.

Didier Raoult volta à cena

No dia 28 de maio agora, Didier Raoult e sua equipe reaparecem com um novo estudo , ainda em preprint, dessa vez envolvendo 10.429 pacientes fora do ambiente hospitalar, apresentando apenas 16 óbitos (0,15%).

Desses, 8.315 pacientes foram tratados com HQC+AZI com 5 óbitos, 1.091 só receberam AZI tendo gerado 9 perdas, 207 só receberam HQC com nenhuma perda e finalmente 816 não tomaram nada, terminando em 2 óbitos.

O primeiro problema do estudo, a meu ver, é que ele, na prática, tem um tamanho bem menor que o titulo sugere, porque dos 10.429 pacientes, 8.414 tinham menos que 60 anos, sendo que não houve nenhum óbito em nenhum dos 4 grupos de pacientes, que abrange os grupos de tratamento e o grupo de controle.

Assim sobram 2.015 pessoas com 60 anos ou mais, com idade média não informada, gerando os mesmos 16 óbitos no total, o que perfaz uma taxa de óbito de 0,8%, inferior ao navio Diamond Princess, que foi de 14 óbitos em 712 pacientes com idade media de 68 anos o que perfaz uma letalidade de 2% (divergente dos dados que constam do estudo do Didier Raoult, sendo que o Wikipedia usou diretamente informações oficiais do governo japonês, como pude verificar)

Outro problema do trabalho é que dados de comorbidades dos pacientes do estudo não foram admitidamente informados (“A principal limitação do presente coorte é a falta de avaliação das comorbidades“).

Só que dados de comorbidades são fundamentais para se avaliar os resultados, ainda mais quanto está se considerando diferentes taxas de letalidades entre os 4 grupos de pacientes e estamos falando de um número pequeno de óbitos.

Uma terceira falha do estudo é que ele deixa de informar o número de pacientes em cada grupo de tratamento na faixa acima de 60 anos, o que atrapalha ainda mais uma comparabilidade entre grupos.

Fazendo uma projeção pelo número total, temos 268 pacientes no grupo da AZI com 9 óbitos (3,4%), um percentual acima do navio, 1% no grupo sem tratamento, e apenas 0,3% no grupo da HQC+Azi.

Considerando homogeneidade de comorbidades entre os grupos de tratamento (o que na prática não dá para assumir!) teríamos um resultado deveras estranho.

Inicialmente tratar com AZI ao invés de não usar nenhum remédio, gera uma piora 3,4 vezes na chance do paciente ir a óbito, e finalmente adicionar HQC no kit, melhora 10 vezes em relação a AZI sozinha. Ou seja, a AZI piora em relação a não tratar, mas a HQC com AZI não só desfaz o efeito maléfico do AZI, gerando uma melhora de 10 vezes, ao invés de apenas 3 vezes em relação à nenhum tratamento.

E mais: como são apenas 2 mortes no grupo não tratado, quais são as idades desses pacientes que faleceram? O estudo não informa, o que é uma omissão imperdoável.

O artigo dá apenas os dados agregados dos 3 grupos fora o grupo da HQC+AZI: 2 óbitos de 283 casos no grupo de 60 a 69, 5 óbitos de 160 casos no grupo de 70 a 79 anos e 4 óbitos de 65 casos no grupo de 80 a 89 anos. A diferença entre os grupos etários é selvagem: a piora dos outros grupos agregados sobre o grupo da HQC+AZI é de respectivamente 3,5, 12 e 2,9 vezes.

Tudo isso mostra como os números de óbitos são ridiculamente baixos nos diferentes grupos e faixas etárias, agravado pela confusão de ausência de dados de comorbidade.

Há uma inconsistência difícil de explicar: segundo o artigo, não há redução associada de hospitalização relevante associada à HQC+AZI em relação aos outros grupos. E detectou-se redução de UTI, mas não estatisticamente significante. Isso é algo bizarro para um estudo que declara redução de óbitos com significância estatística.

Para finalizar, é muito louco que o estudo anterior do Didier Raoult com 1.061 pacientes considerou 0,9% um índice bom de letalidade para HQC+AZI e agora o índice medido baixou para 0,06%, 15 vezes menor, sendo que a média de idade dos pacientes é compatível. A redução é notável mesmo considerando que parte dos pacientes do primeiro estudo era de assintomáticos.

O que aconteceu? A combinação HQC + AZI ficou mais potente? A doença diminuiu de gravidade?

Mistério!

HQC + Azitromicina

Quanto à combinação HQC+AZI, fora os estudos do Didier Raoult e do Vladimir Zelenko citados acima, há um bom estudo randomizado publicado na The Lancet em março de 2021, que não detectou redução de hospitalizações com a HQC e nem com a HQC+AZI, mas encontrou alguma discreta redução da carga viral para a HQC, mas não para HQC+AZI.

Esse estudo foi patrocinado pela Fundação Bill e Melinda Gates e a Clínica Mayo.

E antes que se diga que essas 2 instituições estão tramando contra remédios baratos, o cientista responsável pelo novo trabalho da Fundação Bill e Melinda Gates, com IVM está agora concluindo o estudo sobre a IVM e se declarou otimista, segundo reportagem recente em um jornal canadense. E alguns pesquisadores da mesma Clínica Mayo recentemente publicaram uma nova meta-análise favorecendo a IVM.

Cochrane e a HQC

A Cochrane é uma organização internacional com sede no Reino Unido sem fins lucrativos.

A Colaboração Cochrane serve para qualquer pessoa interessada em usar informações de alta qualidade para tomar decisões de saúde, uma vez que suas evidências são uma ferramenta importante para aprimorar o conhecimento e o processo de tomada de decisão em saúde.

Diante de tanta polêmica, eles mesmo se decidiram a analisar o estudos sobre a HQC, e os resultados publicados agora em 25 de março não são favoráveis.

A análise da Cochrane usou um total de 14 estudos em sua meta-análise

Eles também iniciaram uma avaliação da IVM, mas ainda não terminaram o estudo.

Lembrando que Tess Lawrie, a autora da mais reputada meta-análise sobre IVM (que acaba de ser aceita para publicação em periódico), é uma autora que escreve revisões para o Cochrane, tendo 39 menções sob o nome Theresa A Lawrie.

Conclusão

Acho que as fraquezas do trabalhos do seu principal proponente Didier Raoult são claras, assim como as evidências contrárias a HQC para a fase inicial se acumularam em vários artigos (alguns dos mais recentes foram citados acima).

O problema é que algumas pessoas encasquetaram com a ideia que a HQC funciona e depois não conseguem mais tirá-la da cabeça, sendo que a ciência se move e os conceitos mudam. Veio a IVM, e então a fluvoxamina, budesonida, dentre várias outras opções de reposicionamento de uma droga barata.

O que podemos observar, no entanto, é que vários desses proponentes (inclusive médicos como a Doutora Cloroquina) falam até hoje da HQC como se fosse praticamente a mais importante e eficaz droga para a fase inicial da COVID-19.

Por outro lado, da mesma forma, não se pode afirmar a priori que, só porque a HQC não se mostrou eficaz contra a COVID-19, isso “prova” que qualquer outro reposicionamento de fármacos, como o caso da IVM, não funciona.

No caso, chamar pejorativamente a IVM de remédio de piolhos é uma prova explícita que alguém não só torce contra que se descubra uma remédio barato e eficaz contra a COVID-19, além de tolamente duvidar que remédios criados para uma finalidade possam a ser utilizados para outra finalidade de forma bem-sucedida, se assim for evidenciado.

Se a HQC tem hoje um cenário problemático, conforme apresentado aqui, o mesmo não se pode falar da IVM.

Além do gigantesco estudo observacional no México, já existem 20 testes clínicos randomizados (RCT), e uma meta-análise altamente técnica, que acaba de ser aceita para publicação.

Há ainda outras 2 meta-análises, uma delas publicada revista por pares e a outra de autoria do reputado cientista Dr. Andrew Hill.

Também concernente ao potencial de uma meta-análise, esse material do pós-doutor em Matemática pela Universidade de Paris, Flavio Abdenur contextualiza tudo isso e explica que o p-value menor que 5% não é um corte mágico que separa artigos sem valor de artigos com valor e que uma meta-análise bem feita tem o poder de transformar RCTs pouco resolutivos em fortes evidências estatísticas.

Com respeito a crenças de pessoas sobre remédios, a COVID-19 desconhece nossos desejos….

A questão é que alguma coisa não funciona apenas porque desejamos que ela funcione nem vice-versa.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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2 Comentários

  1. Boa noite. Impressionante como o próprio Facebook, quando vou postar algo que seja diferente da “verdade” que IVM não funciona, já me mostra um aviso gigante me criticando. Mas em relação ao artigo, excelente. Sem ideologia embutida. Muito bom mesmo.

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