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Obrigado pela pasta de dentes, British Airways

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Nunca confie plenamente em companhias aéreas. Cedo ou tarde elas vão lhe decepcionar. Foram incontáveis as vezes que prometi não voar nunca mais na finada Varig, enquanto existia. Inevitavelmente acabei quebrando a promessa, por falta de opção. Também já cansei de me irritar com as brasileiras TAM e Gol, mas não deixei de lhes gerar receita por isso. E os comissários(as) quase sempre mal humorados da American Airlines? Como se livrar deles(as), se boa parte das minhas milhas se acumulam por lá? Trata-se de uma generalização injusta, mas toda vez que entro em um avião da AA, vou sem nenhuma expectativa. Talvez decorrente da pouca utilização, tenho a Emirates e Qatar em alta conta. E até ontem, achava o atendimento da British Airways correto. Até ontem…


Meu voo Edimburgo-Londres estava bem atrasado, e corria risco de perder a conexão para São Paulo. Até aí, acontece. Quem tem muita milhagem na bagagem, já experimentou vários imprevistos em aeroportos. O representante da BA foi enfático em afirmar para que não me preocupasse: seus colegas me assistiriam já na área de trânsito e eu seria devidamente direcionado a um hotel na região por conta deles. Chequei as condições do meu voo e dos subsequentes ao Brasil ( só havia um, vinte minutos depois) e me conformei com o dia perdido. Minhas chances de entrar em outro avião naquela noite eram mínimas. Tranquilizado com o depoimento assertivo do funcionário, nem acionei a minha empresa no Brasil ( a viagem foi a trabalho) para que buscasse algum hotel, já que ficaria por conta da diligente e cuidadosa British Airlines.

Desembarquei em Heathrow depois das 22:30 e conforme esperado, meu voo para o Brasil já havia partido. Diferentemente do que o prestativo funcionário escocês me disse, não havia mais ninguém da BA na área de trânsito. Mau presságio. Na área de recolhimento de bagagem, um funcionário do aeroporto, às moscas naquele momento, me diz que a minha mala não apareceria na esteira e seria despachada diretamente no dia seguinte. Segunda má notícia: minhas roupas estavam todas lá. As que eu estava usando poderiam sair andando sozinhas. Seria um problema contornável caso o todo o resto corresse bem. Me sugeriu que buscasse a seção de atendimento a clientes na plataforma E.

Já passavam das 23 horas quando cheguei na área de embarque do espaçoso terminal 5, que estava vazio. Gritos ecoariam naquele mundão. Outro mau sinal. De longe, avisto um pequeno grupo amontoado, na plataforma E. Eram os infelizes, que como eu, haviam ficado na mão. Me aproximo já esperando um chá de cadeira e visualizo a cena comum em situações como essa: passageiros nervosos, gesticulando e reclamando muito com os funcionários. Se o sujeito estava ali naquele momento é por que tinha dado tudo errado para ele(a).

O tempo passava…e nada de ser atendido. Na minha frente, uma moça discutia com um jovem funcionário, meio perdido, dizendo a ele que não precisava ser tratada como criança e que ele estava lá para encontrar uma solução. Era uma latina, com inglês perfeito. O jovem, coitado, devia ser novato, andava para lá e para cá feito uma barata tonta. Mais parecia um estagiário em seus primeiros dias na função. Foi ele a quem interpelei, desesperançoso, explicando minha situação.

E aí começou minha breve agonia.
‘Vai precisar de hotel?’.
‘Sim’.
‘Não há mais quartos disponíveis em Londres, estão todos ocupados.’
Só podia ser piada. Não haver mais hotel disponível em Londres. Ele reiterou a afirmação bombástica para uma senhora indiana ao meu lado.
‘Eu tenho um quarto disponível em um hotel perto do aeroporto, fica a 10 minutos de táxi. Você topa? É o último’.
Dada a gravidade da situação, acenei afirmativamente. O jovem então me escreveu no verso de um papel usado o endereço do hotel, com nome do gerente e o próprio marcados, de certo para que soubessem que foi ele quem indicou. Sairia por £75 e a BA cobriria os custos. Fiquei imaginando o lugar, provavelmente uma pocilga com baratas e quem sabe alguma água quente, quando muito. Longe da estação de metrô, completamente inconveniente. O jovem funcionário da BA naquele momento agia como ‘broker’ do muquifo, provavelmente era comissionado. ‘ A outra opção será dormir aqui no aeroporto’, falou em tom educado, mas intimidador, indicando com os braços o amplo espaço do potencial dormitório.
‘Ok, eu vou para o hotel’. Confesso que por instantes me enxerguei esparramado no piso gelado do terminal…
Imediatamente eu acionava a minha assistente no Brasil pelo WhatsApp, essa engenhoca salvadora e gratuita, que alguns juízes soberbos vez por outra proíbem por lá. Apesar de já ser quase 20 horas em São Paulo, consegui contato e ela eficientemente ativou o serviço de emergência para viagens. O objetivo era encontrar um hotel decente. Se falhasse em meu intento, podia escolher entre o chão do aeroporto e o pardieiro que me foi oferecido. Eu também precisava acertar minha passagem para o dia seguinte, e a confusão no ambiente me dava a impressão de que isso não aconteceria.
Eis que chega outro funcionário, aparentemente mais graduado, para dar uma mensagem aos ‘sem teto’ que ali estavam aguardando uma solução, todos com a exaustão estampada no rosto.
‘Se aproximem, por favor, para que eu possa falar com vocês’.
‘Boa coisa não é’, pensei.
O grupo de coitados, eu incluído, se juntou para ouvir as novidades que trazia o sujeito, novo no cenário até então. Seu discurso destruiu o resto de credibilidade que a BA detinha comigo, já abalada pela atuação do gentil e ameaçador funcionário ‘broker’.
‘Senhores, lamentamos muito pelo dia de hoje, que foi muito conturbado aqui em Heathrow. Nossos funcionários estão trabalhando além do horário por muitas horas, e infelizmente iremos encerrar nossas atividades, já está muito tarde’.
Eu não acreditei no que estava ouvindo. Olhei para os demais passageiros, todos com aquela cara de Brasil depois do 7×1. Tarde da noite, muita gente sem ter para onde ir, o funcionário aparece com ar blasé e basicamente nos diz: ‘Olha pessoal, está tarde. Nós vamos puxar o carro e vocês…’sifu”.
Não perdi meu tempo discutindo. Foquei no plano B. O tal serviço de emergência. Na pior das hipóteses, a pocilga. Já ia saindo quando uma senhora me abordou perguntando se queria uma pequena bolsa com itens básicos de higiene, entre eles uma escova e pasta de dentes. Não hesitei. O problema do bafo do dia seguinte estava resolvido. Muito gentil por parte da BA. Deixam todo mundo na mão e oferecem pasta de dentes, com conteúdo para duas escovadas. Também forneceram o número do 0800 para resolver o problema da passagem. Bacana.
Me imaginei naquela situação viajando com a família, três crianças impacientes quase à meia-noite e a BA me tratando com esse grau de indiferença. Seria o caso de fazer uma revolução. Felizmente, estava sozinho. Se é verdade que imprevistos acontecem e são incontroláveis, uma companhia aérea que se preocupa de verdade com os seus clientes, em um dia turbulento como aquele, criaria uma força-tarefa para dar conta do recado. Não aconteceu.

Houve alguma dificuldade em encontrar acomodação naquela hora, mas deu certo. O serviço de emergência também verificou a passagem, automaticamente transferida para o próximo voo no mesmo horário. Às duas da matina, eu estava instalado em um hotel razoável em Marble Arch. Além da pasta de dentes, descobri que tinha desodorante e uma camiseta branca XL. Nem tão mal, British Airways, nem tão mal. Afinal, dali a poucas horas teria o direito de bater perna em Londres, minha cidade preferida. Sei que o processo de reembolso de despesas, ao qual tenho direito, será um suplício, mas irei até o fim. Poderia ter sido mais fácil para o passageiro. A verdade é que em se tratando de companhias aéreas, precisamos torcer para que não ocorram imprevistos. Se eles surgirem, você dança. Agora o copo meio cheio: ganhei de presente algumas horas na capital do mundo, com direito a pasta de dentes. Mas esse é assunto para o próximo artigo.

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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Um Comentário

  1. No meio do texto pensei justamente no lance do copo meio cheio ou meio vazio…..diante da opção, a reação! Geralmente opto pelo copo meio cheio também…..mas se precisar esvazio o copo na hora!

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