Opinião

É a comunicação, estúpido

Antes de receber as primeiras pedradas, esclareço que o título é uma analogia à frase de James Carville, estrategista político de Bill Clinton, para explicar o fracasso do governo Bush (pai).

Isto posto, se a eleição de Barack Obama – basicamente conquistada pelas redes sociais na internet – foi um marco nas relações entre candidatos e eleitores, a gestão de Donald Trump, por outro lado, mostrou que é possível ganhar com essa ferramenta, mas transformá-la em instrumento de gestão governamental jamais.

Jair Messias Bolsonaro surfou nessa onda, sem perceber os primeiros sinais que mostravam que governar exige muito mais do tuitar platitudes, e que destilar ódio não era sinônimo de gestão.

Segundo erro crasso: eleger, extraoficialmente, seu filho Carlos Bolsonaro como único e exclusivo profissional de comunicação de seu governo. Ele tentou nomear o rapaz como ministro, mas foi barrado pelo bom senso de alguma alma que ainda exercia o ato de pensar nesse governo.

Bolsonaro continua achando que a comunicação pode ser exercida por qualquer um que saiba apertar o botão “publicar” em redes sociais. Sem conceitos, sem técnica, sem diagnóstico, sem planejamento.

Qual é o arcabouço acadêmico e intelectual do Carlos Bolsonaro para lidar com comunicação institucional? Eleito aos 17 anos vereador da cidade do Rio de Janeiro, nunca estudou. Mal consegue escrever frases com mais de dois períodos e agora apela para imagens que não se coadunam com a postura de um representante político. A liturgia do cargo, respeito às instituições e à própria língua pátria são conceitos inexistentes na plataforma do governo Bolsonaro.

A estratégia e tática do filho elegeram e derrubaram o pai, ainda que o governo se mantenha respirando com aparelhos. O andar da carruagem, e das pesquisas, mostra que ele deve continuar nesse ritmo até 2022: desidratando, definhando, dilacerando o tecido social e corroendo as parcas condições econômicas que ainda se mantêm em operação.

Além disso, o Palácio do Planalto não tem um único profissional especializado em gestão de crise, aquele que trata da reputação e imagem, analisa cenário, faz diagnóstico e cria o plano de ação para mitigação de danos. E nem precisa ir muito longe, porque Brasilia tem pelo menos três grandes profissionais nessa categoria, além das dezenas de aventureiros na matéria.

Apesar disso, Pazuello foi buscar Markinhos Show, pasmem, para cuidar da sua imagem. Pelo apelido já se tem uma ideia robusta do tipo de trabalho que ele apresenta.

Entretanto, ainda que Bolsonaro tivesse profissionais habilitados e competentes nessa área, jamais os ouviria, os respeitaria ou os manteria. Esse governo ficará marcado pelo improviso, algo como uma versão Dilma de calças.

Talvez Brasilia nunca mais tenha uma profissional do calibre de Ana Tavares, que carregou a área de imprensa de Fernando Henrique nas costas nos dois mandatos, e dava show de competência dia após dia. Acadêmicos ainda nos devem um livro sobre essa atuação.

Alguém consegue imaginar uma sala de crise no Palácio do Planalto? Deve ser uma coisa muito parecida com a fatídica reunião de abril/2020.

Leitura realista de cenário? Ora, senhores, para que serve isso? Um conjunto bem feito de perguntas e respostas, que alie prerrogativas da lei e pitadas de empatia para manter os brasileiros informados e não apenas seu curral eleitoral? Nem pensem nessa possibilidade. Bolsonaro mal consegue ler no teleprompter os discursos que alguém escreve para ele, o famigerado TP que mostra o discurso na câmera de TV.

As faculdades de comunicação terão um arsenal vigoroso de cases sobre essa gestão para dissecar e estudar por muitas décadas.

É um governo que não sabe, não consegue e não pretende se comunicar. Até quando quer acertar ele erra, como por exemplo, quando Paulo Guedes encomendou a uma agência um trabalho para conhecer, entender e tentar melhorar suas relações com stakeholders. A “lista de detratores”, alguém se lembra?

Um produto de comunicação corriqueiro, não que seja fácil a sua execução, mas é amplamente utilizado — e necessário — na iniciativa privada. A agência em questão foi amadora ao dar o nome errado à coisa certa. E Guedes não foi forte o suficiente para defender a iniciativa.

Nesses quase 11 meses sob a égide da pandemia, o quadro se agravou muito. Se já não tínhamos processos, sistemas, programas e planejamento de comunicação institucional, agora piorou muito. Os prejuízos em imagem – refletidos nos pontos tão importantes nas pesquisas – já são evidentes.

Bolsonaro poderia ter nadado de braçada, mas escolheu só um lado para governar. Desprezou a ciência, que já indicava, lá atrás, que as máscaras são elementos essenciais para evitar a contaminação. Por isso ele só aparece em público sem máscara.

Usando a pirraça como estratégia de governo, gera aglomerações, exibe-se sem máscara, e coloca em xeque a eficiência da vacina. Não deixa de ser uma estratégia de comunicação. Mas é uma estratégia que mata.

E precipitando um número de mortes incalculável, Bolsonaro está começando a definhar. Talvez morra politicamente por asfixia, gerada pela própria ignorância.  Não há cilindro apropriado para esse mal.

Silvana Destro

Silvana Destro é jornalista, voltada à comunicação corporativa há quase três décadas, atualmente com forte atuação em gerenciamento de crises de imagem e reputação. Mãe do Pedro, do João e avó de Maria Clara.

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Um Comentário

  1. Escolher uma boa assessoria de comunicação deveria ser a primeira decisão de quem pretende se dirigir a diferentes grupos.

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