Opinião

50 tons de machismo

Recentemente cheguei a uma conclusão: Sim, vivemos num país machista. Infelizmente. 🙄

“Pera, Anna, o que você quer dizer com isso? Você quer dizer com isso que todos os homens são machistas, que todas as políticas são machistas, que deveríamos ter quotas para mulheres, que toda ação é pensada com base em preconceitos, que toda mulher é gente boa e não merece qualquer crítica etecetera?

Muita calma nessa hora… Não, não tem nada a ver com essas narrativas.

Até porque eu acredito em tratarmos uns aos outros como indivíduos, de maneira equitativa, mas, claro, levando em consideração as diferenças… pois elas existem. Por exemplo, não acredito que é justo uma Trans, com todo o respeito as lutas individuais das mesmas, cujos tecidos e músculos foram banhados e montados na testosterona a vida inteira, possam participar de maneira justa, equitativa em esportes com mulheres. Já em muitas outras áreas, inclusive na área da moda, não vejo problemas. E obviamente as grávidas merecem, sim, assistência e certos tratamentos diferenciados.

Eu mesma trabalhei por quase 20 anos na indústria farmacêutica e acredito que por ser esta, em geral, uma área onde há mais mulheres e galera LGBT, eu não notava diferenças em trato, salários, análise de performance, etc. Não que nunca tenha visto nada, mas mais casos isolados. Fora que se aqui aplicássemos a ideia de quotas, bom, muitas mulheres teriam que ser ‘rebaixadas’ de cargos 😆, pois a porcentagem de mulheres em cargos de gerência para cima é bem alta.

Bom, depois desse pequeno “Disclaimer” e explicação do que acredito, de minha experiência, que longe de mim ser “Feminazi” e ditadora de regras de boas maneiras… por que raios venho com uma afirmação tão pungente?

Quando se vê notícias como essa do Senhor Caboclo da CBF e “gracejos” nada engraçados sobre a Dra. Luana, a mensagem que fica: Sim, vivemos num país machista. 

Me explico… O machismo pode ser, sim, revelado desde as maneiras mais torpes, agressivas, abusivas, até com meros comentários menosprezando, ou tratando de maneira distinta colegas homens e mulheres. O fazer pouco caso, então, é clássico. Usar de apelidos, piadinhas, ironias, condescendência, diminutivos, sutilidades, como se ter nascido XY fosse aumentativo de algo. Isso quando não ignoram por completo notícias relevantes que deveriam no mínimo trazer repúdio. Mas, já dizem, quem cala… consente. E como se calam, como!

“Ah Anna, acho que deve ser só impressão sua”. Com base nisso, resolvi fazer uma pesquisa caseira observacional, cega para os leitores, aleatória, de checagem simples no TL de alguns colegas, diversos grupos, os quais nos últimos dias não tiravam a “Dra. Luana” da boca, perdoem-me o trocadilho. 😉

Desses muitos colegas de vários grupos eu apenas encontrei um que compartilhou notícias no Facebook sobre o afastamento desse senhor Caboclo, mas não exatamente com notas de repúdio às denúncias feitas por tal funcionária. E outro que foi mais contundente em discussões e apoio a essa funcionária que fez a denúncia. Já sobre a Dra. Luana, nossa, é postagem, crítica, elogio, piadinhas, comentários no post do amigo, WhatsApp, etc.

Aqui faço um paralelo. Me acompanhem. Fico aqui pensando no senhor ministro Ricardo Salles, o qual apresentou seu CV com informações falsas, que obviamente a culpa não foi dele. Fico aqui imaginando a investigação que ele passa. Sim, no momento é apenas um acusado, suspeito etc. E então tomemos o caso Caboclo-CBF assim também. Quais são os comentários que tenho visto: “é, bem, tem que investigar isso aí, né… é só uma denúncia.” Isso que há réplica sobre: “ah mas você víu tem áudios?!”. “ah mas que estranho, eles abafaram a voz da mulher, acho que há muito o que averiguar”.

Bom, aí você me pergunta… “Ué, Anna, todo mundo não é inocente antes de ser julgado e condenado, o que está errado nisso? Estão errados nessa precaução toda?!

Pois é, não estariam errados. Não… não estariam se tomassem a mesma postura e tratamento para certos questionamentos levantados sobre a Dra. Luana. Já essa? Já foi analisada, dissecada e condenada. Enquanto isso, na sala da justiça masculina, Salles e Caboclo, ah, meus amigos, esses têm sempre o benefício da dúvida. São meros acusados, temos que seguir o rito da lei para chegarmos a alguma conclusão, etecetera e tals. Nesse maravilhoso país que quase tudo para os poderosos na justiça acaba em pizza…

E por que falo especificamente dele? Do Salles? Sempre o achei bem bonitão, apanhado, mas nunca em discussão alguma sobre seu trabalho, suspeições, apresentações, nunca vi mulheres usando dessa descrição ou para exaltá-lo, ou para desmerecê-lo, ou para ser essa a razão para causar boa impressão, ou desmerecer suas posturas, ou ainda chegar à conclusão à jato alguma. 

Impressionante esse mundo… esse machismo calado, silencioso, que mina argumentações com base na aparência de alguém, especialmente se a locutora for… mulher. De homens, senhoras e senhores, não vejo esse uso dessa retórica para tal. Já das mulheres, te falar. 

Sobre a CPI, eu honestamente não perco meu tempo com ela, já disse inúmeras vezes que é um teatro de cartas marcadas, onde os pavões senadores que lá estão são um reflexo dessa nossa infeliz e, sim, machista sociedade. Cheio de coronéis que vêm com suas posturas cheias de pose, que muitas vezes usam do tom ou de cortes nas falas dos demais, tentando ganhar na “força”, no tom de voz, no grito, no pouco caso, exalando testosterona. Os mesmos pavões que por trás dos bastidores se acertam. O pior são os “torcedores” assistindo e torcendo por lados como se fosse jogo de futebol ou luta de MMA. Vergonha alheia! Isso sim. Não acreditam?! Pois bem, deem uma olhadinha rápida no FB, grupos de WhatsApp… é impressionante.

Eu pessoalmente tenho críticas pessoais à Dra. Nise, não só pela sua postura e falta de ética nessa pandemia, mas posturas de longa data e outros carnavais na área da pesquisa clínica. Isso que já foi cortada tanto do Sírio, como Einstein, fora sua performance em tantas pesquisas. Mas, enfim, não é esse o tema e não vou me ater a performance e conhecimentos da Dra. Nise. Até porque minha opinião não saiu à jato. E, novamente, outra vez, não é o foco desse texto.

Mas poderiam ter deixado a Dra. Nise falar e se enrolar na CPI? Sem cortá-la, com maior educação? Opa, poderiam, pois agora fica essa desculpa de que a trataram mal e não a deixaram falar. Então não tem como julgá-la. Já a Dra. Luana a deixaram falar pois sua beleza e segurança calou os senadores, ou ainda, falava o que eles queriam ouvir. Então tudo bem. Nenhuma das duas está sendo julgada apenas pelo que sabe, ou pelo que convenceu, com raras exceções (que aqui listo meu colega de PDB Paulo Buchsbaum e suas análises sempre fundamentadas sobre certas afirmações questionáveis ou ainda questionamentos sobre onde de fato a Dra. Luana clinicava).

Só sei que esse mundo anda realmente cada vez mais triste … cada vez mais polarizado, cheio de especialistas em tudo e que ou querem ganhar no grito, ou no desmerecimento de quem não coaduna com suas ideias, usando e abusando do um peso, duas medidas. Coloquem uma pitadinha dos 50 tons de machismo e está aí um prato feito, digo, feio.

E não duvido que já já a funcionária da CBF vai virar a vilã da história… “Mais uma maria chuteira querendo aparecer”. Normal. 😣

Então deixo aqui uma reflexão a todos… será que você também não usa de um peso, duas medidas quando julga casos que envolvam mulheres e homens? Principalmente com atributos de beleza? Ou ainda, usa da condescendência e pensa consiga “ah, e só uma mocinha… deve estar naqueles dias, deixa eu fazer uma piadinha aqui e fica tudo bem”. Ou ainda, finalmente, internamente dá suas risadinhas, faz pouco caso, faz seu julgamento, cala e, assim, consente?

“Ah Anna, acho que você está sendo muito enfática. Não vejo nada disso.” Como eu sempre digo, sua cabeça, seu guia… e sua consciência. Se nada disso aplica-se a você, maravilha, ajude aos que não enxergam em seus comportamentos esses desvios, essas sutilezas e tantos tons distintos, que para esses pode ser simplesmente o tom da normalidade. O qual não tem nada de normal. É só mais um tom dessas “cinzas”.

Fica aqui a reflexão…

Anna Paula Más

Anna Paula Más, farmacêutica e bioquímica (USP-SP), fez carreira trabalhando quase 20 anos na área de pesquisa clínica e desenvolvimentos de novos medicamentos, focada na área ética e regulatória. Caixeira viajante (morou nos EUA, França e hoje fica entre Alemanha e Brasil). É extrovertida, social, costuma ‘unir’ turmas e pessoas de turmas diferentes. Dizem as más línguas que conversa até com o poste, adora palpitar, não tem receio de se posicionar e, por vezes, criar polêmicas. A pedidos, veio fazer parte do time Papo de Boteco com o propósito de trazer um olhar feminino, mas não por isso menos crítico, sobre assuntos diversos.

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4 Comentários

  1. Obrigada pelos comentários e é por aí mesmo. O que parece normal, inocente, tem lá sua tonalidade cinza… imagina, você sabe que o respeito aqui é mútuo e melhor referência nesse assunto do momento não há 🙂🙌🏼

  2. Detesto todos os “ismos” porque eles desviam do principal: deveríamos criticar as pessoas pelo que elas falam, não pelo grupo de estudo ao qual pertencem – ou julgam pertencer. Ótimo texto.

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