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TRIBUTAR DIVIDENDOS É FÁCIL, E RESOLVER O PROBLEMA?

Outro dia escrevi, em coautoria, um texto sobre a proposta de tributação de dividendos enviada ao Congresso pelo Governo. O Marcelo Guterman também explorou o assunto muito bem neste texto aqui.

O texto que escrevi teve boa repercussão, mas creio que convém caracterizar o problema melhor, de forma a fomentar uma discussão mais produtiva.

DIAGNÓSTICO

Creio que alguns fatos são incontestáveis e permeiam a discussão. Procurarei enunciá-los e aventuro-me a uma breve e incompleta explicação sobre por que aquilo aconteceu, com o fito de dar uma perspectiva do assunto.

FATO 1 – O Brasil tributa muito: O Brasil tributa quase 33% do seu PIB. É algo próximo de países desenvolvidos e muito acima de países de mesmo grau de subdesenvolvimento. Veja este gráfico aqui:

(Os dados deste gráfico e dos seguintes foram obtidos do Banco Mundial e da OCDE, majoritariamente).

Note que o Brasil é o país com a 25.a maior carga, ou seja existem outros 92 com carga tributária menor. Note que os países que o ladeiam são majoritariamente desenvolvidos, indicando que nosso país ombreia com gigantes, conforme seu hino.

Por que isso aconteceu? Porque é mais fácil aumentar a arrecadação, em geral dizendo que é para melhorar a distribuição de renda e prover melhores serviços, que reduzir gastos, melhorar a distribuição de renda de verdade e ser eficiente.

FATO 2 – O Brasil tributa mal: 44% da receita tributária é oriunda do consumo. Isso é inconsistente com as práticas de outros países de mundo, cuja origem de receitas é majoritariamente da renda e secundariamente do consumo. O efeito disso é uma tributação bastante regressiva, isto é, o mais vulnerável paga proporcionalmente mais tributos que o mais rico.

Ou seja, o Brasil é o terceiro maior país que tributa consumo, acompanhando de outros países de mesma estatura. Note no gráfico como países mais civilizados tributam muito menos o consumo.

Por que isso aconteceu? Porque é mais fácil tributar o consumo que tributar a renda, haja vista que basta fiscalizar os estabelecimentos comerciais e industriais, em número muito menor que o número de contribuintes pessoas físicas.

FATO 3 – A desigualdade social do Brasil é alta. De fato, o índice de Gini do Brasil é o quinto pior do mundo entre 196 outras nações. Isso mostra que a desigualdade local precisa diminuir. O índice de Gini é uma forma de medir desigualdade, variando de 0 a 100 em termos percentuais; quanto maior, mais desigual é a nação.

Por que isso aconteceu? Suspeito que seja incompetência sistemática dos “líderes” da nação há aproximadamente 521 anos. Chego a pensar que isso é uma característica genética do brasileiro, mas o fato de ter alguns em boa posição sugere-me que isso pode não ser verdade.

Reflexo de um Gini ruim, nosso índice de desenvolvimento humano – IDH – está entre os piores do mundo. Entre 186 países, o Brasil não é destaque na 80.a posição. Se pensar bem, poderia ser bem pior.

O gráfico a seguir sugere que quanto maior a tributação sobre o consumo, maior o índice de Gini, o que indica maior a desigualdade social:

Convém olhar para o Brasil, em glorioso destaque a nordeste da figura, vez que isolado.

FATO 4 – Para pagar menos impostos, recebe-se pela PJ: Quem é assalariado não consegue evitar a tributação total. Daí que profissionais liberais, em geral, recebem renda via PJ, em regime de lucro presumido, pagando muito menos impostos, pois se apropriam do resultado via dividendos, que são isentos de tributação. Quem é pobre ou não é tributado ou vai para a informalidade, sugerindo que a “classe média” é mais tributada do que deveria.

Note o contraste de tributação do Brasil com outros países mais civilizados, cuja carga sobre renda, contribuições sociais e propriedade é muito maior. De fato, da carga tributária brasileira, 9% vem da renda, 25% de contribuições sociais, 4% da propriedade e 17% de outras fontes. Compare com outro país gigante como o nosso, os EUA: 18% vem do consumo, 37% da renda, 25% de contribuições sociais 12% da propriedade e 8% de outras fontes. É completamente diferente.

Por que isso aconteceu? Como mencionado, o número de contribuintes no comércio é muito menor e a base arrecadatória muito maior. Além disso, tributa-se menos a renda porque a estrutura tributária brasileira tem Simples, MEI, Lucro Presumido etc., que são estruturas tributárias mais fáceis de fiscalizar, porque baseadas na receita bruta.

FATO 5 – O Brasil gasta muito: O orçamento público do Brasil é engessado e tem pouca discricionaridade. Com isso ele fica comprometido com pagamentos de salários e aposentadorias, restando muito pouco para investimentos, resultando na necessidade de aumento constante de impostos.

Por que isso aconteceu? Porque a Constituição de 1988 é cidadã.

DISCUSSÃO

Creio que podemos discordar das razões dos fatos/premissas elencados, mas não delas em si.

Pois bem, a par disso, o governo envia um projeto de reforma tributária propondo tributar os dividendos. A primeira pergunta é: qual o objetivo dessa proposta?

Creio que a resposta é aumentar os impostos para fazer frente aos gastos crescentes, pois a medida:

  1. Não ataca a regressividade tributária, tentando mudar a composição dos tributos;
  2. Não ataca o excesso de carga tributária, com um plano de redução de tributos;
  3. Não ataca a desigualdade econômica.

Veja, tributar dividendos ataca, talvez, o FATO 4, mas não os demais. Considerando que a tributação de renda é baixa, a pergunta é: quanto vai aumentar a participação da renda na carga tributária a partir dessa medida? Ora, será evidentemente muito pouco. Por quê? Porque quem recebe dividendos mais colocar as despesas pessoais na sua PJ para reduzir a tributação como era feito anteriormente. E, se não for essa a solução, outras serão formuladas, de modo que o efeito prático será reduzido.

Agora compare com a seguinte medida: uma redução gradual e concertada dos tributos sobre consumo cumulada com aumento de tributos sobre a renda e com a promessa de melhora de serviços públicos. Não seria melhor essa solução?

Quando se fala que outros países tributam dividendos, esquece-se de mencionar que tributam muito mais a renda e muito menos o consumo. Esse esquecimento é conveniente, pois não ataca o problema fundamental. Além do mais, esses outros países em geral provêm melhores serviços, fazem jus aos tributos que arrecadam, desestimulando a sonegação.

DIMINUIR IMPOSTOS E MUDAR A COMPOSIÇÃO DA ORIGEM DE TRIBUTOS

Não se devem aumentar impostos, mas diminuí-los reduzindo o tamanho e a ineficiência da máquina pública. Ao mesmo tempo, é preciso mudar a composição da arrecadação, tributando mais renda.

Ao se permitir mais aumentos da carga tributária total, estimula-se a sonegação e não se resolve a “injustiça social”. Mais, estimulam-se mais aumentos futuros da carga tributária, em vez de se promover um plano de redução de gastos públicos, por exemplo com metas graduais de redução de gastos ao longo os próximos anos ou congelamento dos gastos nominais. Quem decide sobre o tamanho da carga precisa ser adestrado, para não se acostumar com essa medida, e uma forma disso é posicionando-se firmemente contra essa medida.

Um plano com metas de redução de gastos tende a reduzir o serviço da dívida. Isso vai estimular a busca de eficiência e provisão de melhores serviços, ao mesmo tempo que reduzirá a dívida pública, diminuindo ainda mais a necessidade de aumentar impostos.

Quem sai perdendo? Quem gasta muito e ganha com a ineficiência do Estado.

RICOS PAGAM MENOS IMPOSTOS

Meia verdade! Em absoluto pagam mais. Mas, quem paga mais ainda é a classe média, que tem mais dificuldade de fugir do fisco.

Mas, existem razões para essa distorção regressiva. A mais evidente é que existe uma estrutura arrecadatória visando a reduzir/facilitar o trabalho de monitoramento fiscal. É sempre bom fiscalizar menos pessoas (as físicas) e se concentrar em bases de arrecadação maior (as pessoas jurídicas). As multas são maiores.

Mas, obviamente, não é só isso. O pagador de imposto mais privilegiado também arca com despesas que supostamente deveriam ser providas pelo Estado, como saúde e educação. E mais, em termos absolutos, não deixa de pagar mais impostos. O diabo é que paga relativamente menos impostos em relação a sua renda total (anotado, sei disso, não é exatamente “justo socialmente”).

Ao se ver com despesas adicionais que consome praticamente toda sua renda de classe média, o indivíduo procura meios de pagar menos impostos, concentrando suas receitas em fontes menos tributadas, as “PJinhas”. O incentivo é fazer exatamente isso. Suponha agora que o Estado proveja serviços decentes, certamente a proliferação de PJinhas seria bem menor e o estímulo a desviar-se do fisco seria menos intenso.

AUMENTANDO A BASE ARRECADATÓRIA

Ora, ao mudar a composição arrecadatória de tributos de maneira ordenada e gradual, a tendência é aumentar a base de arrecadação, reduzindo o encargo individual, inclusive sobre a classe média, que arca com grande parte dos impostos. Desse modo, até a necessidade de aumentar alíquotas do IRPF fica reduzida.

O grande ponto é que faltam estudos mostrando o potencial arrecadatório de cada medida. As pessoas mudam de comportamento quando novas medidas são implementadas. Ora, isso tem que ser considerado nos novos cálculos e não a conta-de-padeiro que não sei quanto seria arrecadado se uma determinada alíquota fosse imposta. Isso não é verdade, porque, como mencionei, as pessoas vão procurar meios de reduzir o encargo de novos impostos mudando condutas, procurando saídas legais e mesmo sonegando. Lembre-se, temos uma estrutura arrecadatória insidiosa porque é muito difícil fiscalizar a pessoa física. É igualmente difícil fiscalizar a PJinha, pois numerosa e individualmente pouco representativa na arrecadação tributária. Portanto, o problema não se resolve e se criam péssimos incentivos aos fiscais de renda.

VAMOS TAXAR QUEM PODE PAGAR MAIS, QUEM RECEBE DIVIDENDOS

A solução soa maravilhosa e parece ser “justa socialmente”.

  1. Consegue-se?
  2. Taxando mais, os serviços vão melhorar?
  3. Taxando-se mais, a composição da arrecadação vai convergir para a de países civilizados?
  4. Taxando-se mais, a distribuição de renda vai melhorar?
  5. Taxando-se mais, o governo vai gastar menos?

Se você respondeu nãos para as questões anteriores, convém repensar a solução e procurar uma melhor.

Sempre acho que existe um nível de tolerância para ser taxado. Atualmente, os mais privilegiados se acham vilipendiados pelo que pagam pelos serviços que não recebem como educação fundamental e média, segurança e saúde.

Os desfavorecidos não têm a quem reclamar pelos péssimos serviços a que são submetidos, embora paguem pouco em valor absoluto e muito em valor relativo.

Em resumo, o problema é tributar muito, tributar mal, prover serviços péssimos, gastar muito e não enfrentar o problema de frente. Além disso, tributar dividendos sem uma sinalização clara de benefícios levará a uma reação e a um aumento da contradição/conflito entre fisco e contribuinte, quando este for identificado.

CONCLUSÃO

O país requer uma reforma tributária séria. Não é o que se propõe. Para isso, entendo necessárias duas condições:

  1. Medidas concretas de redução de gastos, com congelamento nominal (radical, né?) ou redução gradual dos gastos em relação ao PIB ao longo dos próximos 20 ou 30 anos em todos os poderes – Reforma Administrativa, especialmente onde estiverem os maiores privilégios;
  2. Compromisso para melhoria da prestação de serviços àqueles mais vulneráveis, especialmente em segurança, educação e saúde.

Fácil escrever, eu sei. As metas até existem/existiram, mas insistem em serem descumpridas. É por isso que uma reforma séria também falta e se torna inviável.

Uma vez estabelecidas as condições necessárias, quem sabe surjam condições para mudar a composição dos tributos, reduzindo aqueles sobre consumo e aumentando aqueles sobre renda. No meio tempo, convém não aumentar a extorsão, alegando melhoraria dos serviços e distribuição melhor a renda; sem dúvidas são, talvez, as maiores falácias alegadas, usadas para enganar os tolos. Além disso, essa prática cria um incentivo bem ruim: em dificuldades com gastos excessivos, basta aumentar impostos. A sociedade precisa aprender a adestrar seus representantes.

P.S.: Agradeço ao Carlos Nathaniel pelo ajuda com a coleta de dados e composição dos gráficos.

Rodrigo De Losso

Rodrigo De Losso tem Ph.D em Economia pela Universidade de Chicago e é professor do Departamento de Economia da USP. A ideia aqui é mostrar como teoria econômica pode ser aplicada a temas do cotidanos, às vezes polêmicos, sem deixar de falar dos outros assuntos que o interessam com música, vinhos, literatura, cinema e política.

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4 Comentários

  1. Simples: o ESTADO Brasil é pesado demais. Precisaríamos reduzir de cima a baixo pelo menos 25%. Exemplo: reduzir de 11 para 7 os ministros supremos do STF. Reduzir de 3 para 2 senadores por estado, reduzir 1/3 dos deputados federais e estaduais, consolidar cidades, reduzir vereadores em 1/3, reduzir assessores em 1/3, acabar com “verbas laterais”, aluguel e mordomias da administração pública. E por último nivelar os salários públicos ao setor privado. Opa…. acho que estou apenas sonhando !!!

    1. Não sei se precisa reduzir pessoas, mas precisa limitar salários e torná-las mais eficiente, por meio dos incentivos corretos.

      Sim, precisa reduzir o número de municípios e de parlamentares como um todo.

      Acho que é um sonho, mas não é infactível.

  2. Nosso problema é a mastodôntica desigualdade, o povo leva os ricos nas costas.

    E tributar quase que exclusivamente o consumo, resolve o problema?

    A base econômica do nosso país é o “gross up”, aqui ninguém perde, mas sabemos quem paga a conta.

    Conclusão:

    Enquanto não houver mudança no modelo tributário, nada mudará para os ricos proprietários de dividendos.

    Caso tenham seus dividendos tributados, o dinheiro voltará para eles e haverá as necessárias correções no fluxo financeiro para que nada mude.

    Escreve-se o Brasil de hoje com uma equação muito elegante, que mora no coração dos barões. …

    1 ⁄ ( 1 – i )

    Simples assim.

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