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“Churchill vai à guerra” – Resenha

Comentários sobre a última série da Netflix em torno do icônico líder britânico

Para um aficcionado em temas das grandes guerras como eu, era uma questão de tempo assistir à ‘Churchill vai à guerra’ (“Churchill at war”) , documentário de 4 episódios de uma hora cada um, produzido pela Netflix. Precisava encontrar tempo para maratoná-la, fazer quatro horas sucessivas, e nada melhor que esse período entre Natal e Ano Novo para acomodá-la na agenda. A série, de fato, é ótima.

Ela mistura imagens de época colorizadas, depoimentos de historiadores e personalidades atuais, intercaladas por uma narração e cenas performadas por atores. Aliás, não espere nenhuma interpretação extraordinária nesse caso, o objetivo é compor a série com um ritmo um pouco mais diverso do que se fosse 100% documental, algo comum em obras do gênero.

A série não “endeusa” Churchill e isso por si já é um ótimo começo. Não há dúvidas que estamos diante do maior britânico do século XX, eleito pelos próprios conterrâneos, e figura decisiva para o desdobramento da guerra a favor dos aliados, mas que também carrega manchas no seu legado, como o apego excessivo ao Império Britânico, que começava a ruir naquela época e exibia princípios contraditórios à defesa da liberdade dos povos e seu direito à autodeterminação. Aliás, como bem frisou uma das colaboradoras da série ao seu final, o fato de Churchill ter sido um líder extraordinário durante a guerra não o exime de ter cometido erros absurdos em tantas outras ocasiões e inclusive de ter defendido posições deploráveis para época (no que diz respeito à relação da Grã Bretanha com suas colônias). Afinal, somos humanos imperfeitos e um dos melhores atributos dessa obra é não esquecer desse detalhe, ao mesmo tempo que exalta a liderança decisiva de Churchill nos momentos mais difíceis do conflito.

Eu destacaria alguns eventos marcantes nessa trajetória. A começar pelo certo grau de ostracismo que Churchill vivenciou nos anos 30, muito marcado pelo seu posicionamento bastante radical no começo da década em relação aos temas imperialistas (Churchill era um defensor implacável do Império Britânico), que vinha perdendo terreno e se degradando aos poucos e pela posição claramente belicista em relação à crescente influência da Alemanha nazista, que ele passou a acompanhar mais de perto na segunda metade da década. Churchill era uma voz solitária na Câmara dos Comuns indicando a necessidade da Grã-Bretanha se preparar para o pior e agir no sentindo de conter o perigoso desejo expansionista de Hitler. Não foi ouvido, o pensamento predominante na época era de que a paz deveria prevalecer a qualquer custo, mas obviamente essa não era a intenção do ‘outro lado’, que não percebendo nenhum sinal de represália dos aliados franco-britânicos, foi avançando todos os sinais até atingir a situação de guerra propriamente dita, decorrente da invasão da Polônia.

Churchill, que já havia sido convocado para o comando do Almirantado, foi alçado à condição de primeiro ministro aos 65 anos, após muitos já darem sua carreira política como encerrada ou em seu ocaso.

Desde sua posse, Churchill usou o rádio de maneira extremamente efetiva, conquistado corações e mentes com seus discursos inflamados e mantendo o moral da população sempre alto. Vivesse nos dias de hoje, seria um “influencer” de “voz cheia”.

O primeiro grande desafio de sua longa jornada e um lance decisivo na guerra foi a evacuação das tropas britânicas em Dunquerque (aliás, tema de um filmaço de anos atrás, altamente recomendado), trazendo 330 mil soldados para a casa, que poderiam ser convertidos em prisioneiros de guerra logo no início da contenda, caso a operação fosse um fracasso, o que certamente mudaria os rumos da guerra.

Um dos grandes méritos de Churchill foi não ceder às pressões para abrir negociações com a Alemanha no tempo em que a Europa continental estava prostrada e completamente dominada pelos nazistas, que se voltavam para uma inédita invasão da ilha britânica. Naquele momento de fragilidade, seu líder não cedeu por um instante à tentação de acenar a Hitler, muito pelo contrário, seguiu aumentando o tom, mesmo em clara desvantagem militar.

A batalha da Inglaterra pelos ares, defendida com excelência pela RAF (Royal Air Force), que foi superior à força aérea alemã e impediu a continuidade da operação de invasão da ilha e a sequência de bombardeios noturnos a Londres, por 57 dias consecutivos, foi bastante retratada na série. Esse período, delicadíssimo do ponto de vista de balanço de poder, com a Grã Bretanha acuada e lutando pela sua sobrevivência sozinha, foi chamado posteriormente por Churchill de “Our Finest Hours” (“Nosso melhor momento ‘, esse é o título de um dos seus livros da série sobre a segunda guerra, que lhe concedeu o Nobel de Literatura), por ser a época em que se consolidou na população a resiliência, a tenacidade para superar as adversidades que a guerra impunha e um espírito de união ao redor do objetivo de vencê-la. Estavam sós, mas unidos como nunca.

O desenrolar das relações com os EUA e a sintonia com FDR (Franklin Delano Roosevelt) também aparecem bastante, o presidente americano é o segundo personagem mais visto na série. Churchill estava ciente que a guerra somente poderia ser vencida com a participação americana e curiosamente, à medida que os EUA entram em cena e se tornam cada vez mais protagonistas no conflito, a Grã Bretanha e o próprio Churchill passam gradativamente a terem participação menos relevante, chegando a ser coadjuvantes em seu final.

A série também destaca a reticência de Churchill em relação à operação Overlord, o desembarque massivo das forças aliadas na Normandia. Ele não era dos mais favoráveis à sua execução naquele momento (Maio de 1944), mas foi vencido pela opinião de americanos e soviéticos, que clamavam a tempos por uma frente oriental pela costa da França. A partir daquela data, quem comandava a guerra pelo flanco ocidental era o General Eisenhower, posteriormente presidente americano (ele também havia sido o comandante das operações no norte da África e sul da Itália, eu diria que foi o personagem dos aliados mais importante da guerra pelo ponto de vista militar, depois de Churchill, FDR e Stálin).

No final, o destaque para a derrota nas eleições de 1945. Mesmo após vencer a guerra, foi surrado pelo Partido Trabalhista, que adotou um slogan fantástico: “Aplauda, Churchill, mas vote Trabalhista”, como a dizer “obrigado por nos conduzir durante a guerra, mas você não é a pessoa mais indicada para nos liderar pelo futuro”.

Churchill voltaria ao cargo de primeiro ministro em 1951, retirando-se em 1955 por problemas de saúde. Faleceu 10 anos depois.

Indiscutivelmente, foi um líder talhado para a guerra, preparado para assumir o desafio específico de conduzir a Grã Bretanha em um dos momentos mais difíceis de sua história, ao longo daqueles 5 anos sombrios de ameaça nazista. Em tempos de paz, não teve a mesma envergadura como politico e muitas de suas opiniões e decisões são bastante contestáveis. Trata-se de um exemplo perfeito de que os estilos de liderança não são igualmente adequados em todas as situações.

De qualquer maneira, durante os anos de 1940-1942, ele certamente foi a maior fonte de resistência contra o mal no planeta, um líder solitário que enfrentou o nazismo sozinho em circunstâncias claras de inferioridade, e resistiu. Não fosse por sua liderança, talvez a guerra tivesse outros desdobramentos, mais sombrios. Essa é uma constatação com a qual inclusive seus opositores concordam. Não à toa, é uma das personalidades do século XX mais estudadas e reverenciadas.

No Imdb a série recebe um 7,5 – a minha nota é um sólido 8. Possivelmente irei revê-la no futuro.

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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