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The End

f i m

substantivo masculino
1. momento ou ponto em que se interrompe algo; final; encerramento; desenlace; término.
2. conjunto dos últimos ou o último elemento de (obra, vida, etc.); desfecho; conclusão; morte.
Etimologia: do latim finis

No post A Pevecetização do Futebol escrevi que os eventos esportivos são os últimos programas assistidos por milhões de pessoas ao vivo hoje em dia, simultaneamente no mundo todo, porque o streaming mudou o modo de assistirmos TV.

Bem, em poucos dias esta teoria foi desmentida … pelo próprio streaming!

Se você não estava em Marte durante a última semana, em algum momento ficou sabendo de algo sobre The Beatles: Get Back, documentário do cineasta Peter Jackson, lançado simultaneamente no mundo inteiro pelo serviço de streaming Disney+.

É um tour de force de quase 8 horas de duração, dividido em 3 episódios, editados a partir de 60 horas de gravação de material bruto que o cineasta Michael Lindsay-Hogg gravou em janeiro de 1969, em um projeto que pretendia ser um especial de TV, ou um filme, com o making of da gravação do álbum Let It Be e do que seria o 1º show ao vivo da banda, após 3 anos afastados do público.

Milhões de fãs da Banda no mundo inteiro encararam estas 8 horas durante a última semana, cada um em seu ritmo, mas num evento o mais próximo possível do que seria uma transmissão ao vivo. Assim, rolou este zeitgeist de tanta gente tendo a mesma experiência, quase simultaneamente.

E, quando um fato excepcional destes acontece, a gente precisa olhar com mais atenção e entender o que significa. Aquelas 8 horas são como um grande BBB (Big Brother Beatles), só que sem o Boninho nos bastidores pra puxar os fios. A montagem final de Peter Jackson deixa as coisas rolarem soltas, numa atmosfera permanentemente esfumaçada de nicotina, embalada por álcool e com o Lennon doidão de heroína full-time …

Os Beatles não foram “só” a mais importante banda de rock de todos os tempos. Eles retroalimentaram toda a década de 60, na mais intensa transformação da cultura e valores do mundo ocidental.

George, John, Paul e Ringo ( não por acaso listados aqui em ordem alfabética) começaram como uma Boy Band que parecia herdeira daquele rock primordial iniciado com Chuck, Elvis, Jerry e Little na década anterior, mas numa escala planetária. Foi o primeiro momento em que o grande produto de consumo cultural era voltado e consumido pela geração mais jovem. Se no inicio era mais importante sua forma do que o conteúdo, com o impacto visual e a catarse que seus shows causavam, ao longo dos anos sua música evoluiu e refinou-se, com letras e melodias que se tornaram clássicos eternos. Seja como Causa ou Efeito daqueles anos loucos, passaram pela fase psicodélica regada por drogas alucinógenas e consolidaram o visual arquétipico do movimento hippie. Impactaram e foram impactados por aquele tsunami de mudanças nos costumes, comportamento, moda, cabelos e, principalmente, atitude.

Eu nasci depois dos Beatles terem feito sucesso. Não sou um dos fãs “originais”, chamemos assim, como aqueles que, mais do que acompanharem, cresceram junto com a banda, em tempo real, a cada novo LP, com tudo aquilo que eu listei acima, durante os anos que os Fab Four ficaram juntos. Aliás, sempre que fazem aquela pergunta clássica, Beatles ou Stones?, eu cravo a banda de Jagger&Richards como minha preferida.

Apesar de gostar mais do som dos Stones, admito que nenhum outro grupo de rock tem tantos fãs que surgiram após o seu término como os Beatles. É algo de um impacto incomparável. E, o que rolou esta semana, com a audiência planetária do Get Back, é mais um pra lista de recordes e feitos da Lenda de Liverpool.

Só que … Pegue seu assento no submarino amarelo ou no ônibus da Magical Mistery Tour e vem comigo relembrar um pouco a história do que acontece após os eventos mostrados em Get Back …

Negação:

10 de abril de 1970: Paul McCartney anunciava sua saída dos Beatles e o fim da banda. Uma semana depois lançava seu primeiro álbum-solo.

Este fim inesperado e abrupto teve impacto com uma intensidade nunca vista na legião de fãs da banda. Revolta, tristeza, sensação de “não pode ser verdade”.

O lançamento em 8 de maio de Let It Be, aquele que tinha sido gravado mais de 1 ano antes, em janeiro de 1969, foi uma expectativa ilusória que a banda pudesse ter voltado atrás em sua decisão (Abbey Road foi o penúltimo álbum lançado pela banda, em setembro de 1969, mas o último a ser gravado, com parte das músicas gravadas naquelas sessões de Let It Be e parte gravadas nos meses seguintes).

Raiva:

Os fãs da banda procuravam qual podia ser a causa da separação. Bem, 10 entre cada 9 fãs da banda davam a mesma resposta: a culpa foi da Yoko.

O documentário mostra claramente que isso é uma injustiça, mas na época sua figura e comportamento a tornava o mordomo perfeito. Ela durante décadas foi o alvo da revolta, hostilidade e agressividade dos beatlemaníacos. As imagens capturadas pelas lentes de Get Back não deixam dúvida: Se havia um culpado naquele período era o próprio Lennon, com suas atitudes por conta da heroína, não a Yoko.

Hoje, sabemos que o inevitável e iminente fim da banda já se mostrava durante as sessões de gravação de Let It Be. Os 4 não se suportavam mais, viviam momentos de vida diferentes, tinham expectativas conflitantes. E, além de tudo, a morte de Brian Epstein desencadeou uma luta interna por influência e poder entre Lennon&McCartney, que resultou em decisões desastrosas, como a contratação de um novo empresário. O pretexto final, que motivou a saída de McCartney seguida pela separação quase imediata dos demais, foi o velho e bom dinheiro.

Negociação:

E o 1 virou 4.

A década de 70 correu com eles em carreiras-solo. O fã órfão comprava os LP de cada um e tinha um simulacro de universo paralelo em que a banda continuava existindo.

George Harrison tinha tantas canções compostas durante os anos 60’s, porém não aproveitadas nos discos dos Beatles pelo oligopólio Lennon&McCartney , que foram suficientes pra lançar de cara um pedardo: o álbum triplo All Things Must Pass , em que pôde exercer na plenitude todo seu lado místico, que vinha se manifestando nos últimos anos da banda, como em My Sweet Lord e ainda ganhou o Grammy de álbum do ano pelo seguinte, o ao vivo The Concert for Bangladesh (link pro show completo, pros corajosos).

Paul McCartney foi o ex-Beatle que seguiu com a carreira solo mais consistente, apesar de, ironicamente, em um primeiro momento ter montado uma banda com sua esposa Linda, que tornou-se sua parceira musical, assim como Lennon fez com Yoko. Entre uma e outra canção de amor bobinha, ele lançou alguns clássicos, “a altura de seus tempos de Beatles, como Maybe I’m Amazed ou a melhor canção-título de um filme do 007, Live And Let Die.

O Ringo, bem, o Ringo era o Ringo: foi quem melhor manteve relações com seus ex-companheiros! Seu 3º album solo, Ringo, de 1973, entrou para a história como tendo sido o único projeto apos o fim da banda que todos os ex-membros dos Beatles estiveram envolvidos. Os quatro não chegaram a estar simultaneamente juntos no estúdio, mas os nomes de todos eles estão lá, nos créditos, como compositores ou músicos convidados a tocar em algumas faixas. A primeira faixa do álbum, I’m The Greatest , foi composta por Lennon e gravada por John, George e Ringo juntos no estúdio. Além disso, ele tocou bateria em albuns de George e John e não podemos esquecer sua elogiada carreira cinematográfica, onde se destaca o impagável O Homem das Cavernas (Caveman, 1981)

E o John Lennon…
Ele teve a carreira mais errática, pós-Beatles. Passou a década de 70 entre declaraç˜ões polêmicas, ativismo político, álbuns irregulares, canções à altura de seus melhores momentos nos Beatles alternadas com outras em que explorava sons experimentais (ou seja, chatos pra c…), quase overdoses de drogas, trocas de fraldas do Sean e posando para algumas das fotos mais icônicas daquela década.

Até que …

Depressão:

John Lennon era uma pessoa ambígua e contraditória. Frequentemente, seu comportamento na vida privada era o oposto do discurso de sua persona publica (5 Fatos Obscuros Sobre a Personalidade de John Lennon).

Mas, inegavelmente, após o nascimento de seu filho Sean, ele resolveu finalmente sair da adolescência e entrar na vida adulta. Largou as drogas e passou 5 anos cuidando do garoto, como um pai presente que não foi pra seu primogênito Julian. Em 1980, voltou a compor e lançou o melhor álbum de sua carreira-solo, Double Fantasy, em novembro daquele ano.

Em 8 de dezembro, às 5 da tarde, ele saiu de onde morava, no edifício Dakota, em frente ao Central Park, em New York, para ir até o estúdio onde estava gravando aquele que seria seu próximo trabalho. Parou na calçada e autografou a cópia de Double Fantasy de um fã.

Ultima foto de John Lennon, horas antes de sua morte, autografando uma copia de Double Fantasy de seu assassino Mark Chapman – Foto: Paul Goresh

Ao retornar naquela noite, por volta das 23:00, ao sair do carro, levou 4 tiros a queima-roupa, disparados pelo mesmo fã do autógrafo de horas antes. John Lennon, 40 anos, era assassinado por Mark Chapman.

The Dream Is Over

Verso de GOD, canção de John Lennon, que teria sido um dos motivos para Chapman assassina-lo

A banda The Beatles definitivamente tinha acabado, nunca mais voltaria.

Vazio, tristeza, melancolia, depressão intensa. A comoção pela morte de Lennon varreu o mundo, e é lembrada até hoje. Muitas homenagens foram feitas, seu nome imortalizou-se ainda mais (se é que isso pudesse ser possível) e tornou-se Lenda.

Aceitação:

A psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, em seu livro “Sobre a Morte e o Morrer”, de 1969 (por coincidência, o ano das últimas canções compostas pelos Beatles), listou os 5 estágios do luto.

Aceitar conviver permanente com a perda não significa seguir a vida como se a pessoa amada nunca tivesse existido, mas conseguir aceitar que a saudade sempre estará presente e aprender a conviver com essa falta. Não é esquecer os momentos bons nem enterrar as lembranças calorosas em um canto da mente. É se lembrar da pessoa que partiu com carinho, ser grato por ela ter participado de sua vida e conseguir lidar com os sentimentos, emoções, frustrações e dificuldades sem a presença dela de forma serena.

Mas, voltando a falar sobre os Beatles …

O filme Yesterday, de 2019, já tinha sido um marco desta fase de aceitação. O filme do mundo sem os Beatles foi uma marco da serenidade de entender que certas coisas na vida não podem ser evitadas. Mas, a banda foi tão especial que precisava de algo à altura de sua relevância, para transformar em gratidão compreendida aquele vazio insubstituível.

É esta a importância de The Beatles: Get Back. As 8 horas de duração são exageradas? Sim, são. Mas, também, é um exagero fundamental, precisava ser assim grandioso. Era necessário para a provocar a devida imersão do espectador na jornada da banda durante aquele mês e extrair, naturalmente, a percepção que os Beatles acabaram … porque tinham que acabar. Seu ciclo estava se fechando.

O documentário pôs um ponto final no “…e se?” .

Foi o fecho de ouro que a banda merecia e os fãs precisavam.

R.I.P.,The Beatles. Rest in Peace.

Oh, yeah
Alright
Are you gonna be in my dreams
Tonight

Love you, love you, love you, love you
Love you, love you, love you, love you
Love you, love you, love you, love you
Love you, love you, love you, love you
Love you, love you, love you, love you
Love you, love you, love you, love you

And in the end
The love you take
Is equal to
The love you make

THE END, última faixa do álbum Abbey Road, 1969

Gui

Sou o Gui. Fiz arquitetura, pós em marketing, MBA em comércio eletrônico. Desde criança , quando adorava ler Julio Verne, eu gosto de explorar, descobrir novidades. Aqui no Papodeboteco vou conversar contigo sobre descobrir como podemos explorar nosso tempo livre.

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