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A nova mania (ou praga) nacional

Nunca o brasileiro apostou tanto...

Nos últimos anos, presenciamos uma invasão das empresas de apostas nas camisas dos clubes de futebol brasileiro, praticamente não há nenhum que não tenha estampado uma delas por polpudos patrocínios, normalmente recordes em relação a similares anteriores. É “bet” para cá, “bet” para lá, e eu que nunca fui chegado em apostas “online”, não tinha noção de onde brotava tanto dinheiro.

Estudo recente realizado por economistas do Itaú a partir de informações obtidas do Bacen indica que o apostador brasileiro perdeu R$ 23.9 bilhões em 12 meses, a partir de Junho 2023, acumulando apostas de R$ 68.2 bilhões, recebendo de volta R$ 44.3 bilhões. Está explicado de onde vem a dinherama.

Outra informação que reforça a fama do apetite  apostador “tropical” é o fato de que o Brasil é o país com o maior número de transações nos sites de aposta esportiva no mundo. Durante o ano de 2022 foi responsável por 22% de todos os acessos mundiais (3.2 bilhões de um total de 14), o dobro do segundo colocado, o Reino Unido, famosíssimo culturalmente pela obsessão por apostas. Essa foi mais uma novidade surpreendente.

Passando desse estágio para a alarmante, uma reportagem da Folha de SP (cuja fonte é o Datafoha) indica que 17% dos beneficiários do bolsa família apostam ou já fizeram apostas online e um terço deles afirmou gastar acima de R$ 100 reais mensais.

Recente relatório produzido pela XP mostrou que o valor movimentado pelo mercado de apostas no Brasil em 2023 atingiu R$ 100 bilhões, equivalente a 1% do PIB (um contraste contra o mercado americano, onde esse valor é de 0.4%), sendo que desse montante, R$ 13 bilhões teriam ficado com o faturamento das casas de apostas (13% do total), que são mais lucrativas que suas congêneres americanas (com 7%). Esse mesmo estudo mostra que o ticket médio mensal gasto pelo apostador brasileiro é de R$ 58.

Segundo dados do IBGE de 2022, o valor médio discricionário (aquele de livre escolha) de uma família de baixa renda no Brasil seria de R$ 286, o que implica que 22% do gasto “livre” de um indivíduo de baixa renda está direcionado a apostas.

Quando pesquisadas as transações nas Instituições financeiras voltadas para o segmento de baixa renda, verifica-se que é comum encontrar até 10% do volume total direcionado a casas de apostas. Em um país onde mais de 30%.da população economicamente ativa está inadimplente (com alguma dívida em aberto e incluída nos birôs de crédito) e que mesmo os adimplentes apresentam um elevado índice de endividamento (parcela da renda dedicada ao pagamento de dívidas), esse volume absurdo de transações em apostas terá como derivada natural uma significativa deterioração nas já combalidas finanças da população de baixa renda (o apostador médio é jovem do sexo masculino, entre 18 e 40 anos).

Os números apontam todos na mesma direção. Trata-se de um vício silencioso, que nem aparenta sê-lo, pois não “draga” o seu “usuário’ para problemas de saúde imediatos, tais quais drogas, cigarro e álcool, mas vai aos poucos deteriorando a saúde financeira do cidadão, que via de regra já está na ‘bacia das almas’. E como se mistura com outros débitos, talvez nem se faça perceptível como problema. Alguém com poucos recursos financeiros disponíveis e que gasta 10-15% deles na jogatina, está cavando um buraco do qual não conseguirá sair. Trata-se de uma transferência absurda de renda dos mais pobres para as casas de apostas.

Minha natureza liberal será sempre contrária a proibições ou ações que tratem adultos como crianças. Algo do tipo, ‘já que é assim, proibimos as casas de apostas’. Seria como impedir o funcionamento de bares ou vendas de cigarros nas bancas. Afinal, onde fica o livre arbítrio? O argumento libertário extremo é que se o Zezinho quer gastar todo salário dele em apostas, o problema é dele. Não deixa de ser verdade, mas quando você tem um movimento massivo nessa direção, acaba criando um transtorno para a saúde pública,, precedido pelo sintoma da vida financeira em frangalhos, situação catalisada pelo vício em apostas de uma população com pouquíssima educação financeira e normalmente desesperançosa de ascender na vida, restando-lhe a opção da sorte grande em uma aposta feliz.

‘Mas os ingleses apostam há muito mais tempo e são ricos’, pode-se argumentar. Verdade. Também não podemos comparar o nível educacional em ambos os países e o aculturamento com o tema de apostas, histórico no Reino Unido. O problema reside no fato de que no Brasil, não somos ricos ( e pleno visto nunca seremos, desperdiçamos o bônus demográfico, mas isso é assunto para outro texto) e são exatamente os pobres, mais vulneráveis, aqueles que tem mais a perder nas casas de apostas (em relação ao % da renda sob risco).

Não tenho uma solução para a situação, embora reconheça que necessariamente ela passa pela introdução da educação financeira nas escolas, desde os primórdios. Essa inocência apostadora do brasileiro médio é filha da falta de conhecimento sobre “dinheiro”, que também é uma das causas da completa indiferença do consumidor médio em relação às taxas de juros (“se a parcela couber no bolso, eu pago”), que tornam movimentos de redução (de taxa) quase que inelásticos à demanda, e consequentemente inibindo ações nesse sentido.

Renda baixa, insuficiente para cobrir os gastos do cotidiano, geram consumidores inadimplentes que pagam altas taxas de juros para financiar suas dívidas, que rolam indefinidamente com elevados índices de calote. As apostas surgem no horizonte como um fio de esperança para resolver o imbróglio financeiro individual e via de regra, ao invés da solução, ampliam a crise financeira do sujeito.

Forma-se no horizonte um grave problema social. Em um ano, o brasileiro perdeu quase um programa “bolsa família” em apostas. Mas, enquanto as “Bets ” estiverem bancando os clubes de futebol, fazendo a alegria dos influenciadores (também patrocinados) e continuarem movimentando a economia, estará “tudo bem”. Só não estará  bem para os que totalizaram R$ 24 bilhões em perdas.

Se for somente um entretenimento eu diria que trata-se de um “passatempo” aceitável. No momento em que transforma-se em vício, afetando a saúde financeira e posteriormente mental do indivíduo, aí a conversa fica séria. É importante que haja uma discussão pública “desapaixonada” sobre o assunto, algo que não se vê por aí…

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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Um Comentário

  1. Victor,
    Bom tema que merece discussão, sim. Também sou liberal, e como você, defendo a liberdade de escolha, mas há um problema futuro de saúde a ser considerado. O vício gerado pelo jogo irá para a Saúde Pública tratar, assim, sou favorável a taxação pesada sobre os jogos , “bets”, e também Educação de “Estatística e Probabalidades”, além da Educação Financeira que cita no seu artigo. As “bets” estão em todos os países, vide o campeonato Português de Futebol.

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