Política

A Guerra na Ucrânia – Capítulo 2: Demografia e Economia da Ucrânia

Para entender o drama da Ucrânia, é preciso aprofundar em sua estrutura demográfica e geográfica. Infelizmente, a Ucrânia realizou seu último censo completo em 2001. Foi o único realizado com o país independente. O censo anterior havia sido feito ainda pela União Soviética, em 1989. Todas as informações a seguir estão na página do censo de 2001. Houve censos posteriores, somente para contar a população, e feitos com base nos registros de nascimentos e mortes. O último foi o de 2022, que pode ser consultado aqui.

Politicamente, a Ucrânia é dividida em províncias, que recebem o nome de oblasts. Antes de 2014, eram 25 oblasts, além de duas cidades com status de “cidades federais” (como Brasília), a capital Kiev, e a capital da província da Crimeia, o porto de Sebastopol. Depois da invasão da Crimeia, restaram 24 oblasts e a cidade de Kiev como unidades administrativas.

População

A Ucrânia é um país que vem enfrentando forte queda da população desde a sua independência. Não se trata de um caso isolado, dado que boa parte do leste europeu vem enfrentando o mesmo problema, ainda que em menor intensidade, como podemos observar na tabela abaixo, em que destacamos os anos em que existem dados dos censos ucranianos:

A redução da população não foi homogênea entre os oblasts, conforme podemos observar no mapa abaixo.

Note que houve maior redução, em geral, nos oblasts do leste e na região central do que no Oeste. A única exceção foi a cidade de Kiev, que apresentou crescimento da população neste período. Essa dinâmica pode indicar uma migração interna do Leste para o Oeste e, principalmente, para a capital.

No mapa seguinte, podemos observar como se distribui a população ucraniana (os números indicam milhões de habitantes):

Cabe notar que as populações de Donetsk e Luhansk, as duas províncias ocupadas pelos separatistas por ocasião do Censo, tiveram as suas populações contadas integralmente, considerando, inclusive, as cidades ocupadas. Considerando a situação, deve haver algum erro de medição, mas que não deve ser significativo para o nosso propósito.

Podemos observar que as províncias mais populosas se encontram ao Leste, com exceção da capital, Kiev, e da província de Lviv, no Oeste. “Estripar” essas províncias significaria retirar uma parte relevante da população do país.

Nacionalidades

Em 2001, a Ucrânia contava com habitantes de mais de 130 nacionalidades diferentes, sendo a maior parte formada por ucranianos (77,8%) e russos (17,3%). No censo anterior, o número de ucranianos era de 72,7% e de russos era de 22,1%. Houve nesse período de 12 anos, portanto, um aumento de 5,1 pontos percentuais de ucranianos e um decréscimo de 4,8 pontos percentuais de russos. Se essa tendência continuou nos últimos 24 anos desde a realização do último censo, o percentual de russos deveria ser, hoje, de algo entre 7% e 8% da população total. Claro que essa extrapolação é mero chute, mas podemos dizer com certeza que o percentual de russos na população deve estar entre 7% e 17% hoje.

O mesmo ocorre para o idioma falado em casa. Em 2001, 67,5% da população ucraniana tinha o ucraniano como língua materna, enquanto 29,6% tinham o russo como língua nativa. Em 1989, esses números eram de 64,7% e 32,8%. Ou seja, em 12 anos, a parcela da população que falava russo em casa diminuiu em 3,2 pontos percentuais. Se essa mesma tendência continuou ao longo dos últimos 24 anos, esse percentual deve ser hoje de 23,2%. Da mesma forma que concluímos acima, o número de habitantes que falam russo em casa deve ser algo entre 23% e 29% da população.

O mapa abaixo mostra a distribuição de falantes russos nos diversos oblasts.

Podemos observar que as regiões onde havia mais falantes russos em 2001 eram Crimeia, Donetsk, Luhansk e Zaporizhzhia, justamente as regiões ocupadas hoje pela Rússia (além de Kherson). Mas é sempre bom ter em mente que nem todo falante russo deseja, necessariamente, unir-se à Mãe Rússia. Exemplo disso é o próprio presidente da Ucrânia.

Zelensky nasceu na província de Dnipropetrovsk, onde 32% da população falava russo em 2001. Como sabemos, o presidente da Ucrânia é de descendência judia e, de acordo com o Censo, 83% dos judeus que viviam na Ucrânia em 2001 tinham o russo como língua materna.

Atividade econômica

Como se pode imaginar, a economia da Ucrânia sofreu muito desde a sua independência com toda a instabilidade política. O gráfico a seguir demonstra visualmente essa instabilidade:

Após a independência, o PIB da Ucrânia recuou nada menos do que 50% entre 1993 e 1999. Ou seja, metade do PIB se foi até que o país conseguiu, finalmente, começar a sair do fundo do poço a partir do ano 2000. Essa recuperação teve uma interrupção por ocasião da Grande Crise Financeira em 2009. O tamanho do recuo do PIB naquele ano (-15%) demonstra a fragilidade da economia ucraniana.

Em seguida, o PIB ucraniano iria recuar em 2014 e 2015, em função da guerra civil no Donbas. O recuo do PIB em 2020 por conta da Covid foi praticamente inexistente, se comparado com o que ocorreu em outros países.

E finalmente chegamos em 2022. O início da guerra afetou profundamente a economia ucraniana, que recuou nada menos do que 28,7% naquele ano, o pior resultado anual desde a sua independência. Neste número temos incluído também, além dos efeitos da guerra, a perda do PIB das regiões ocupadas, que não está sendo considerado no cálculo total.

Este vai-e-vem do PIB, obviamente, teve um impacto relevante sobre a riqueza da população ucraniana. No gráfico a seguir, podemos observar como a renda per capita da Ucrânia evoluiu desde a sua independência, comparada com a de países próximos (usamos o critério de Purchase Power Parity – PPP, para que a taxa de câmbio não interfira na comparação):

Em 1991, a renda/capita da Ucrânia era de cerca de 20 mil dólares. O ucraniano só não era mais rico do que o russo, cuja renda/capita era de 28 mil dólares. A Polônia, por exemplo, tinha uma renda/capita de apenas 12 mil dólares naquele ano, pouco mais da metade da renda ucraniana.

Depois da dissolução da União Soviética, a renda/capita das ex-repúblicas recuaram de maneira significativa. Em 1999, a renda/capita da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia eram, respectivamente, 17%, 39% e 53% menores do que em 1991. Isso é o que podemos chamar de “década perdida”, especialmente para a Ucrânia.

As três economias se recuperaram na década seguinte. Entre 1999 e 2008, a renda/capita de Bielorrússia, Rússia e Ucrânia cresceram, respectivamente, 110%, 89% e 95%. Enquanto bielorrussos e russos já experimentavam uma renda maior em 2008 do que em 1991, a renda/capita do ucraniano ainda era menor. Aliás, a Ucrânia nunca conseguiu recuperar a renda/capita do ano da época de sua independência.

Assim como a década de 90 castigou mais a Ucrânia do que seus vizinhos, as décadas de 10 e 20 deste século também foram madrastas para o crescimento econômico ucraniano. Enquanto os países vizinhos continuaram crescendo, a renda/capita ucraniana estagnou. Como resultado, a Ucrânia, hoje, é um dos países mais pobres da Europa, com uma renda/capita de 18 mil dólares. Para termos uma ideia, a renda/capita do Brasil, pelo mesmo critério, é de 22 mil dólares. A renda/capita da Polônia, que era pouco mais da metade da ucraniana em 1991, hoje é 2,6 vezes maior. Não é à toa que os ucranianos desejam ardentemente entrar na União Europeia.

A distribuição do PIB dentro da Ucrânia concentra-se principalmente em sua capital, como podemos observar no mapa a seguir:

É conveniente destacar que o PIB das regiões ocupadas de Luhansk e Donetsk não foram calculados. A importância econômica relativa dessas duas regiões industriais para a economia ucraniana, principalmente Donetsk, era muito maior antes de 2014.

A capital concentrava, em 2021, nada menos do que 23% do PIB ucraniano. Em um distante segundo lugar, temos a província natal do presidente, Dnipropetrovsk, com cerca de 11% do PIB. Se Donetsk não estivesse ocupada, é bem provável que tivesse a mesma importância relativa.

Essa concentração do PIB na capital fica ainda mais evidente quando comparamos o PIB/capita das diversas províncias. É o que podemos observar no mapa abaixo:

Guardadas as devidas proporções, é exatamente o que acontece no Brasil: o PIB/capita de Brasília é equivalente ao PIB/capita do Japão. Depois, temos as regiões mais industrializadas e, por fim, as regiões mais pobres. Na Ucrânia, ocorre o mesmo: a capital, Kiev, tem uma renda/capita equivalente a 61,6 mil dólares (PPP), renda/capita equivalente à de países como Dinamarca ou Suécia. Lembrando que a renda/capita média do país era de 18 mil dólares (PPP) em 2021. Esta concentração de renda na capital normalmente é fruto de excesso de burocracia e de corrupção, que acaba dragando a riqueza do país para onde está a cabeça do Estado.

Vale destacar que a medição da renda/capita de Donetsk e Luhansk estão prejudicadas pela ocupação, certamente seriam bem maiores antes da guerra civil.


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Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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