Os números das deportações de imigrantes nos EUA

Este assunto da deportação de imigrantes nos Estados Unidos tomou conta do imaginário das pessoas mais ideologicamente engajadas, tanto à direita quanto à esquerda. À direita, os imigrantes ilegais seriam criminosos que estariam “envenenando o sangue do país” (palavras de Donald Trump, em um discurso em dezembro de 2023). À esquerda, a deportação é muitas vezes considerada desumana, e irá reduzir a oferta de mão-de-obra em setores-chave da economia, como agricultura e construção civil.
Sem entrar em considerações morais, o objetivo deste artigo é colocar os números ligados à deportação nos EUA para que cada um chegue às suas próprias conclusões. Utilizei três fontes: o site do ICE (US Immigration and Customs Enforcement), departamento responsável pela imigração, o site do CBP (US Customs and Border Protection), responsável por policiar as fronteiras do país, e um site mantido pelo antigo CEO da Microsoft, Steve Balmer, USA Facts, que aborda, em textos e vídeos curtos, vários aspectos da política e da economia americana.
Antes de começar a mostrar os números, será útil estabelecer alguns conceitos básicos. Em primeiro lugar, temos os que eles chamam de encounters, que é toda interação entre as autoridades de fronteira e pessoas que não são admitidas no país. Há 3 tipos de encounters:
· Inadmissões, que são os casos em que a pessoa tenta entrar no país legalmente, mas, por algum motivo, é barrado na fronteira.
· Apreensões, que é o caso de imigrantes que tentam entrar ilegalmente e são apanhados pela polícia de fronteira.
· Expulsões: este foi um caso especial, que teve validade entre março de 2020 e maio de 2023 por causa da Covid 19. Neste caso, os imigrantes eram simplesmente expulsos do país por uma questão de saúde pública dos EUA. Ao contrário das apreensões, em que os imigrantes são detidos e podem, eventualmente, serem admitidos no país depois de um processo legal, no caso das expulsões, os imigrantes eram sumariamente expulsos pela polícia de fronteira sem processo algum.
Vamos aqui nos concentrar nos casos de apreensões e expulsões. O gráfico abaixo mostra a evolução de ambos desde 1980:

Podemos observar três grandes fases:
· A primeira, que vai até mais ou menos 2008, em que temos apreensões entre 500 mil e 1,5 milhões por ano;
· A segunda, que vai de 2009 a 2020, com apreensões menores que 500 mil por ano, com exceção do ano de 2019 e
· A terceira, em que o número de apreensões/expulsões explode a partir de 2021.
Por mandato presidencial, temos o seguinte quadro:

Podemos observar que, até o mandato de Bush filho, a média de apreensões ficou entre 1 milhão – 1,5 milhão/ano. Durante os governos Obama e Trump, o número de apreensões ficou abaixo de 500 mil/ano, para quase chegar a 2 milhões/ano no governo Biden.
É difícil identificar um único fator para o número de apreensões na fronteira. Normalmente está ligado às condições econômicas de cada país, conjugado com a facilidade percebida pelos imigrantes de ingressar nos Estados Unidos. No caso específico do governo Biden, podemos ter as duas coisas concorrendo, grandes recessões nos países da América Central e México, e mais facilidade para a entrada no país. No caso dos governos Obama e Trump, os pontos mais baixos da série, talvez não tivéssemos nem uma coisa e nem outra.
Vejamos as apreensões por nacionalidade (consegui dados somente a partir de 2007, faltando o ano de 2019).

Observe como, até 2011, as apreensões na fronteira eram basicamente de mexicanos. A partir de 2012, começamos a observar um aumento de imigrantes da América Central, principalmente El Salvador, Guatemala e Honduras, que chegam a ultrapassar os mexicanos em vários anos. Por fim, durante o governo Biden, tivemos um aumento considerável de imigrantes de outros países, dentre os quais destacamos Colômbia, Cuba, Nicarágua e Venezuela. No gráfico a seguir, podemos observar a evolução dos imigrantes desses países e também do Brasil.

Note como estes 4 países têm um aumento significativo de imigrantes apreendidos a partir de 2022. No Brasil o número também aumenta (a partir de 2021), mas em proporção bem menor. Antes disso, as apreensões de cidadãos destes países era negligível. Observe também que, em 2024, o número de apreensões da Nicarágua e Cuba despencam, mas da Colômbia e Venezuela sem mantém ainda bastante altas.
Por fim, vejamos mais de perto as apreensões dos 3 países da América Central que mais contribuem para o problema da imigração nos EUA: El Salvador, Guatemala e Honduras. Para fazer uma análise mais precisa, vamos dividir o número de imigrantes pela população de cada país, ainda que essa medida não seja totalmente justa, porque o número de apreensões é maior do que o número de pessoas apreendidas, dado que uma mesma pessoa pode tentar a imigração várias vezes.

Como já vimos antes, até 2011 a imigração desses três países é muito pequena. A partir de 2012, El Salvador e Honduras lideram, com destaque para El Salvador até 2017. A partir de 2018, El Salvador passa a ser o país com menor proporção de imigração entre os 3 países, ainda que com números ainda altos. Nayib Bukele assumiu em 2015, e pode haver uma correlação entre a sua política linha-dura de combate à criminalidade e a diminuição da imigração de seu país, dado que um dos motivos para a imigração é justamente a violência.
Deportações
Agora vamos entrar no assunto deste artigo, as deportações. As deportações ocorrem com imigrantes que, de alguma forma, entraram no país, ficaram durante algum tempo, e, depois de um processo legal de expulsão, são deportados para os seus países de origem. Trata-se de um processo logístico complexo. Por isso, o número de deportados é normalmente bem menor que o número de apreensões.
Temos dados de deportações a partir de 2008, conforme podemos observar no gráfico a seguir:

Também podemos fazer uma média de deportações por mandato presidencial:

Note que, apesar de Barack Obama ter apreendido menos imigrantes na fronteira, seu governo deportou mais do que Trump e Biden. No caso de Biden foi o exato oposto: o número de apreensões explodiu (mesmo sem considerar as expulsões sumárias), mas as deportações despencaram, muito provavelmente por causa das dificuldades causadas pela pandemia para tocar o processo. Inclusive, em 2024, as deportações do governo Biden voltou à média do governo Trump.
Outro aspecto importante refere-se à criminalidade dos imigrantes. Donald Trump foi muito vocal a esse respeito. Quanto mais deportados criminosos, mais justifica-se a deportação. Vejamos como as deportações se dividem entre criminosos condenados e imigrantes sem condenação criminal, por mandato presidencial:

Note como os governos Obama II e Trump deportam mais criminosos do que imigrantes sem condenação, ao passo que o governo Obama I e, principalmente, Biden, deportam mais imigrantes sem condenação do que criminosos.
Por fim, outro aspecto importante é se o imigrante entrou no país, o que significa que pode ter tido tempo para procurar um emprego e começar a trabalhar antes de ser deportado, ou se foi deportado já na fronteira. É o que podemos observar no gráfico a seguir:

Observe como o governo Obama I deportou mais imigrantes que já haviam entrado no país, enquanto Obama II, Trump e Biden concentraram as suas deportações em imigrantes que estavam na fronteira.
Conclusão
Apesar de todo o discurso, o primeiro governo Trump não parece ter se notabilizado pela sua atitude em relação à imigração. O governo Trump apreendeu imigrantes na fronteira tanto quanto o governo Obama e bem menos do que o governo Biden. Além disso, deportou menos do que os dois governos Obama, deportou mais criminosos do que imigrantes inocentes, e deportou bem mais imigrantes que não chegaram a obter um emprego no país.
Vamos ver como será este governo Trump II nesta área.
Guterman,
Agradeço mais um texto de qualidade. Nada como colocar uma análise fria e equilibrada, sem emoções, para apresentar o que ocorre, sem ideologias ou partidarismos. A imprensa prestaria um excelente serviço se contratasse analistas como você para embasar as discussões , e opiniões, que seriam de melhor nível.