É tempo de convergência.
Tendo entre seus signatários gente que respeito muito, dezenas de economistas assinaram uma carta com algumas críticas e proposições sobre o combate à Pandemia.
Não tenho capacidade para julgar intenções individuais e tenho a certeza que nesse grupo exista de fato quem queria o melhor para o país. Em contrapartida, não descarto que essa iniciativa tenha também um relevante caráter político-partidário.
É nesse sentido, no exercício da minha liberdade de expressão, que passo a comentar esse conteúdo.
“O País exige respeito”, diz o texto. É claro que se trata de uma obviedade, mas me parece pretensioso que pouco mais de duas centenas de pessoas possam querer trazer para si a autoridade de falar por um país.
Sim, a retomada da economia passa pela superação da Pandemia que passa pela ação do Governo Federal, mas não somente. Quando essa crítica não é estendida a todas as esferas de governo, centrando-se exclusivamente no governo central, além limitada, a meu ver surgem ares de tendenciosidade.
Se não parece equitativo usar números absolutos para medir o alcance de nossa vacinação o que nos colocaria na 6a. posição global, listar um país continental como o Brasil com 210 milhões de habitantes e uma economia em desenvolvimento, com países com populações de centenas de milhares de pessoas ou extensão territorial equivalente a um de nossos estados, soa como mais um sinal de que de fato não se quer criar pontes nem ser verdadeiramente propositivo.
Quando comparado aos BRICs, O Brasil está na liderança da vacinação, o que não quer dizer nem de longe que isso por si só seja suficientemente bom para o tamanho do desafio com o qual estamos lidando. Essa me parece que seria uma métrica intermediária mais honesta, mas claro, ela fragilizaria o teor crítico do documento.
Ainda que se deva buscar imunizar toda população, sabe-se que imunizando-se os grupos prioritários teremos uma drástica redução da letalidade. Considerar o ritmo atual de vacinação como algo estanque, sem uma possível (e provável) aceleração, parece uma premissa pouco provável para ser considerada numa análise imparcial.
Vale notar a queda da mortalidade nas faixas mais elevadas,
o que já sugere o efeito da vacinação
Diferente do que diz a carta, não é o Brasil que passa por uma escassez de vacinas, esse é um fenômeno recorrente na maioria dos países atingidos pela Pandemia. O documento parece ignorar a relevância do anúncio da Fiocruz sobre a produção de vacinas em território nacional, ainda que claro isso por si só não seja de fato suficiente.
https://portal.fiocruz.br/vacinascovid19
Creditar a escassez de vacina exclusivamente a uma negligência do governo federal, a mim indica um indisfarçável direcionamento. Não que o governo não seja merecedor dessa crítica em parte, não que não tenha sido hesitante e perdido um tempo precioso, mas colocar questão tão complexa dessa forma tão superficial me chama atenção.
O documento diz que a situação pode se deteriorar ainda mais se não houver apoio aos Governadores e Prefeitos, como se esses não fossem também merecedores de críticas. Não vi nenhuma nesse sentido. Qual o porquê disso? Parece haver um duplo padrão.
Falar em precariedade do sistema de proteção social, considerando a quantidade de ex-ministros que são signatários do documento ainda que objetivando uma crítica, soa também como confissão.
O documento não cita garantias constitucionais e avaliza medidas precipitadas e espúrias como toque de recolher, naturais em Estados de Exceção, uma omissão imperdoável. Aqui vale ressaltar, o “toque de recolher” é medida de atribuição exclusiva do Presidente da República, ainda assim com anuência do Congresso Nacional conforme previsto no artigo 137 da Constituição Federal. Nem mesmo a Lei 13.979/2020 que em seu artigo 3, inciso VI, prevê restrição de mobilidade para entrada e saída do país, ainda assim com orientação técnica da ANVISA, dá fundamento para essas ações.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735
Sem nem mesmo haver consenso na comunidade científica sobre o tema, imaginar que possa haver a necessidade de um “lockdown nacional” para mim soa como algo estapafúrdio. Somos vários “Brasis” dentro de um só, com realidades econômicas e sociais absurdamente distintas, com diferenças abissais. O simples uso do termo para mim parece absolutamente inadequado.
O mesmo documento que critica o Governo Federal e que chama a atenção para a necessidade de abertura da escolas, não gasta meia palavra com críticas a Governadores e Prefeitos por esse erro, talvez o maior de todos e de custo incalculável.
É boa a ideia de um mecanismo de coordenação nacional, mas sugerir que na “ausência” do Ministério da Saúde, um “consórcio de governadores” poderia assumir essa função parece mesmo revelar a inequívoca essência do documento de fazer da Presidência um alvo.
Assinada por gente com tantas qualificações, seria mais produtivo se a carta centrasse esforços numa lista de medidas sugeridas, uma vez que nesse momento nossa prioridade deveria ser buscar soluções e não culpados, olhar para frente e não para trás, criar pontes e não aumentar tensões.
Ao fim, depois de uma série de proposições, algumas um tanto óbvias (mas nem por isso menos corretas) e de uma crítica “velada” (leia-se com toda a ironia possível) ao Presidente, a manifestação se encerra como se fora um manifesto do povo brasileiro. Não é.
Existe muita gente séria e respeitável assinando essa carta, ela é uma peça que tem peso e deve ser muito considerada. Contudo, também é preciso parcimônia, um certo comedimento, pretender falar em nome do Brasil, soa pretensioso.
Nesse momento precisamos mais de voluntariedade do que voluntarismo, não é hora de acirrar a já elevada polarização que vivemos. Devemos deixar as diferenças de lado, é tempo de convergência.